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A União Europeia pressiona para que a indústria naval reduza as emissões de gás carbônico a zero até 2050. Mas nações como Brasil, Argentina e Panamá dizem que a medida vai prejudicar a economia dos países em desenvolvimento e beneficiar países ricos.
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Por BBC
A União Europeia pressiona para que a indústria naval reduza as emissões de gás carbônico a zero até 2050 (Foto: Hessel Visser/Pixabay)
Brasil e Europa estão em lado opostos da mesa de negociação em uma batalha que envolve emissão de gases poluentes e transporte de mercadorias pelos mares.
De um lado, países desenvolvidos liderados pela União Europeia querem impor metas ambiciosas de redução de CO2 por navios de carga. Eles argumentam que, se nada for feito, os navios serão responsáveis por um quinto do total de emissões causadoras do aquecimento global nos próximos 30 anos. Uma das propostas é eliminar por completo a emissão de CO2 no transporte marítimo até 2050.
Por outro lado, nações como Brasil, Chile, Argentina e Panamá afirmam que metas como esta prejudicariam duramente as economias de países em desenvolvimento, que dependem do transporte marítimo para exportar produtos primários, como aço, minério e soja. Eles defendem metas diferenciadas para nações mais pobres, que historicamente tiveram menos responsabilidade no aquecimento global.
Ao longo desta semana, um grupo de trabalho da Organização Marítima Internacional, da qual o Brasil também faz parte, tentará chegar a um acordo para ser votado na semana que vem pelo comitê diretor da instituição.
Como o transporte marítimo é internacional – com o carregamento de mercadorias de praticamente todos os países pelos mares –, a decisão sobre os cortes de emissões está a cargo desta instituição, formada tanto por representantes de países como por membros da indústria naval.
'Responsabilidades diferenciadas'
O embaixador Hermano Telles Ribeiro, representante do Brasil em organizações internacionais no Reino Unido, afirmou à BBC Brasil que o Brasil não abre mão do princípio de "responsabilidades comuns, mas diferenciadas", adotado na Convenção de Paris - quando foram definidas metas gerais de redução de emissões.
Com base neste princípio, países desenvolvidos devem contribuir mais que as nações em desenolvimento no esforço pela proteção do meio ambiente, inclusive financiando medidas de redução das emissões de dióxido de carbono em países pobres.
"Vamos buscar um texto consensual, possivelmente com a indicação de algumas metas atingíveis, sendo respeitado o Acordo de Paris e o conceito de responsabilidades comuns, porém diferenciadas. A delegação está brigando por isso", disse.
Conforme Telles Ribeiro, se os europeus não admitirem flexibilizar as metas gerais de redução de emissões, a discussão poderá ser adiada. Na prática, isso postergaria a adoção de medidas de redução de emissões de carbono.
"Na hipótese de haver um racha, de os países desenvolvidos insistirem em tetos de emissão imediatos, é possível que o comitê prorrogue a discussão para uma outra etapa. A gente não quer isso. Queremos trabalhar para que o consenso seja encontrado e que mecanismos justos e factíveis sejam adotados."
Já Reino Unido e União Europeia querem que toda a indústria naval reduza, até 2050, de 70% a 100% o nível de emissão de carbono verificado em 2008. Reduzir em 100% seria exigir uma troca completa do tipo de combustível utilizado atualmente.
Mas que argumentos cada grupo usará para defender suas propostas?
Brasil defende metas diferenciadas para mercadorias transportadas de países em desenvolvimento (Foto: Bishnu Sarangi/Pixabay)
Geografia, tipo de produto exportado e distorções comerciais
Os países em desenvolvimento, principalmente os localizados na América do Sul, alegam que, por mais que a Europa use argumentos ecológicos para conter as emissões, o efeito da imposição de metas seria beneficiar as economias europeias e prejudicar as nações exportadoras de produtos primários.
Este argumento se baseia em dois fatores: tipo de produto exportado e geografia. Grande parte dos países em desenvolvimento têm economias dependentes da exportação de commodities (matérias-primas e alimentos) e dependem do transporte marítimo para que essas mercadorias cheguem aos mercados consumidores.
Os países desenvolvidos, embora também exportem produtos agrícolas e bens industrializados, "vendem" serviços e possuem economias mais diversificadas. Portanto, dependeriam proporcionalmente menos do transporte marítmo.
"No caso do Brasil, 90% do nosso comércio navega. E pagamos um frete: como exportamos muitas commodities, temos que exportar um volume maior para conseguir os mesmos retornos que países industrializados obtêm com a venda de produtos com valor agregado, que custam mais", afirma o embaixador brasileiro.
Além disso, a localização dos países tem influência, segundo ele. Os países europeus e a Austrália estão mais próximos de grandes mercados consumidores, como Índia e China.
Portanto, os custos que eles têm com transporte marítimo seriam menores que os de países da América do Sul. A China, por exemplo, é o maior importador de produtos brasileiros.
"Estabelecer metas é beneficiar quem está perto dos grandes mercados consumidores de commodities. Dependendo da medida que você adotar, você vai privilegiar economias mais avançadas, o que contraria o que tem acontecido em todas essas decisões e negociações relacionadas a mudanças climáticas", ressalta Hermano Telles Ribeiro.
Segundo ele, inicialmente a ideia da Organização Marítima Internacional era iniciar a adoção de metas específicas de redução de emissões em 2023, com base nas informações obtidas por um sistema de coleta de dados que está sendo implantado para produzir um "mapa de emissões" de navios.
"Se isso é antecipado, com as metas mencionadas, poderá causar uma nova divisão internacional do trabalho e inviabilizar o atual modelo de negócio de grandes companhias", diz o embaixador brasileiro.
E o que dizem os europeus?
Os representantes europeus argumentam que a indústria de transporte marítimo de carga precisa adotar ações mais específicas e ambiciosas para garantir que as metas de redução de emissões do Acordo de Paris sejam cumpridas.
A ideia é que somente a imposição de metas específicas – como a de reduzir em 100% as emissões de CO2 – será capaz de impulsionar a indústria naval a agir para desenvolver tecnologias limpas.
"Outros setores estão agindo para evitar o aquecimento global. O transporte por navio pode ficar para trás (nesse esforço)", afirmou Nusrat Ghani, chefe do departamento de transporte marítimo da Secretaria de Transporte do Reino Unido.
"Estamos fazendo um apelo aos outros membros da Organização Marítima Internacional (IMO) a colocar em prática uma estratégia ambiciosa de corte de emissões de navios."
O Reino Unido argumenta ainda que, após os investimentos iniciais, a própria indústria naval vai se beneficiar do uso de combustíveis alternativos e do corte de emissões, já que os combustíveis fósseis compõem boa parte dos custos atuais do transporte de mercadorias por navios.
Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que seria possível acabar por completo com emissões de carbono por navios até 2035. Mas, para isso, seria necessário um esforço conjunto e a combinação de diferentes tipos de tecnologia existentes hoje.
"Pedimos que a indústria naval adote essas propostas, não apenas porque isso é do interesse deles, mas também porque é a coisa certa a se fazer", afirmou Guy Platten, da Câmara de Transporte do Reino Unido.
Por sua vez, na visão dos países em desenvolvimento, exigir um corte drástico e repentino de emissões geraria prejuízos ao comércio internacional, já que os navios atualmente em operação teriam que ser reformados ou substituídos.
"Eu quero ser ambicioso, mas a ambição tem que ser compatível com a tecnologia de hoje. Imagina mudar o paradigma industrial em navios com base num ditame, de uma hora para outra. Há navios enormes e custosos em operação", afirma o embaixador Hermano Telles Ribeiro.
"Adotar uma estratégia não calculada que signifique reduzir as emissões a zero até 2050 é não considerar o estágio atual da tecnologia", disse um porta-voz do Panamá, país que também se juntou ao Brasil para pedir tratamento diferenciado a nações em desenvolvimento.
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