Os primeiros sinais do aquecimento já são sentidos desde segunda-feira (10), quando a cidade de San Antonio Oeste, na Patagônia argentina, registrou 42,8ºC, e a província de Mendoza foi colocada sob alerta vermelho.
Nesta terça-feira (11/1), a previsão de máxima de 37ºC para Buenos Aires foi superada e os termômetros marcavam 40ºC por volta das 16h do horário local – a maior temperatura desde 1995.
Segundo o Serviço Meteorológico Nacional (SMN), a capital argentina
enfrenta seu quarto dia mais quente em 115 anos, ou desde que os
registros passaram a ser arquivados em 1906.
A expectativa é que o calor só cresça nos próximos dias. Os locais mais quentes da Argentina
devem registrar entre 45ºC e 47ºC, de acordo com previsões feitas pela
MetSul, empresa de meteorologia gaúcha. Os termômetros uruguaios devem
ficar entre 41ºC e 43ºC.
Já no Brasil, as temperaturas mais altas no Rio Grande do Sul devem ser marcadas no oeste do estado, com máximas entre 10ºC e 15ºC acima da média para esta época do ano. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu aviso de perigo para 216 municípios do RS em razão da onda de calor.
De acordo com o modelo feito pela MetSul, a área da cidade de Uruguaiana
pode ver uma escalada de calor com máximas de 41ºC e 42ºC nos próximos
dias. Até regiões mais frias, como a Serra Gaúcha, podem ter marcas
extremas no final da semana, com máximas de até 37ºC em Caxias do Sul e ao redor dos 40ºC nos vales de Farroupilha e Bento Gonçalves.
Em Porto Alegre
e região, o calor será maior no final da semana e no próximo fim de
semana, com marcas ao redor ou acima dos 40ºC e índices de radiação
ultravioleta entre 11 e 16. A Defesa Civil do município pede cuidado
extremo e recomenda que a população se proteja do sol, mantenha a
hidratação constante e evite exercícios entre 10h e 16h.
A maior temperatura já registrada no Rio Grande do Sul, de acordo com os dados oficiais contabilizados desde 1910, foi de 42,6ºC, nos verões de 1917, em Alegrete, e de 1943, em Jaguarão.
Prejuízos no campo e cortes de energia
O impacto das condições climáticas extremas deve ser sentido
especialmente pelos agricultores. A região que engloba o sul do Brasil, o
Uruguai e a Argentina
sofreu perdas significativas no cultivo com uma profunda seca que
marcou o ano que passou, e as temperaturas elevadas podem agravar ainda
mais a situação.
No Rio Grande do Sul,
159 municípios já estão em situação de emergência devido à estiagem que
começou em novembro. Os prejuízos registrados até o momento estão
espalhados pela produção de grãos, frutas, hortigranjeiros e leite.
Já no sul da Argentina,
onde as chuvas não acumularam nem 200 milímetros em todo o ano de 2021,
a seca atinge especialmente o polo portuário de Rosário, onde cerca de
80% das exportações agrícolas do país são carregadas.
Chuvas de verão colocam milhões de brasileiros em risco
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Pessoas vão à praia em Mar del Plata, na costa da Argentina, no dia 11 de janeiro. — Foto: Mara Sosti/AFP
"O
setor agropecuário que já vinha sofrendo com a falta de chuva deve ser
ainda mais castigado pelas altas temperaturas. O calor em excesso afeta
diretamente o desenvolvimento das plantas e pode queimar as plantações",
diz Olivio Bahia, meteorologista do Inmet.
Há ainda risco de incêndios florestais e quedas de energia. No Uruguai,
os primeiros dias de 2022 já foram marcados por imagens assustadoras do
fogo no oeste do país. Cerca de 37 mil hectares foram arrasados nas
regiões de Paysandú e Río Negro, marcando a maior queimada da história
do país.
Enquanto isso, as autoridades argentinas já alertavam desde a semana
passada para a possibilidade de uma crise de abastecimento de luz com
cortes de energia em Buenos Aires e outras cidades do país. Só nesta terça-feira, 11 bairros e 700 mil usuários ficaram sem luz na capital.
A falta de energia está associada à alta demanda e ao baixo nível dos rios que abastecem as usinas hidrelétricas do país.
O cenário preocupante levou o governo argentino a reunir vários
ministérios e organismos para coordenar ações que possam amenizar os
riscos provocados pelas altas temperaturas.
5 metros de neve na Califórnia e calor de 20º no Alasca: o estranho inverno de extremos nos EUA
No encontro realizado na segunda-feira, as autoridades discutiram a
ampliação da oferta de unidades de terapia intensiva, centros de diálise
e neonatologia para acompanhar a população mais vulnerável e buscaram
soluções para manter o fornecimento de energia e água.
"Fizemos contato com governadores e prefeitos para unir forças e
responder a esta difícil situação excepcional", disse à imprensa o
ministro chefe da Casa Civil, Juan Manzur.
O que está causando o calor extremo?
Pessoas vão à praia em Mar del Plata, na Argentina, no dia 11 de janeiro. — Foto: Mara Sosti/AFP
Segundo Éder Maier, especialista em climatologia da América do Sul e
membro do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), a onda de calor atual é consequência da massa de ar quente e seca instalada entre a Argentina e o Brasil. O fenômeno é favorecido pela área de alta pressão atmosférica que está atuando sobre o Rio Grande do Sul, inibindo a formação de nebulosidade e, consequentemente, elevando as temperaturas e reduzindo a umidade do ar.
"A
baixa cobertura de nuvens e o tempo seco causam maior eficiência do
sistema ambiental em converter a radiação solar em calor", diz o
especialista.
O que se observa atualmente também pode ser classificado como um "extremo climático composto". O termo é utilizado pelos meteorologistas para descrever eventos climáticos extremos simultâneos, concorrentes ou coincidentes, que podem levar a impactos ainda maiores para o meio ambiente e a população.
Atualmente na América do Sul, a poderosa onda de calor é acompanhada
por um quadro de estiagem forte a severa – enquanto a seca favorece as
altas temperaturas, o calor também piora a estiagem.
Segundo o climatologista e professor de ciências atmosféricas da USP, Pedro Leite da Silva Dias, a onda de calor está ainda associada às fortes chuvas registradas na Bahia e em Minas Gerais
nas últimas semanas. O bloqueio de alta pressão atmosférica impede que
as chuvas se desloquem para o sul, fazendo com que elas fiquem retidas
sobre as regiões nordeste e sudeste do Brasil.
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Foto mostra inundação na cidade de Juatuba (MG), na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, no dia 10 de janeiro, em meio às fortes
chuvas que atingem a região. — Foto: Douglas Magno / AFP
"Funciona
como uma gangorra: enquanto o centro da América Latina experimenta seca
e calor, o nordeste e sudeste brasileiros sofrem com a chuva", diz.
Há ainda uma relação com o fenômeno climático La Niña,
que se desenvolve quando ventos que sopram sobre o Pacífico empurram as
águas quentes da superfície para o oeste, em direção à Indonésia. Isso
causa grandes mudanças climáticas em diferentes partes do mundo,
inclusive na América do Sul.
"A atmosfera está toda conectada e um fenômeno anômalo nunca acontece
de forma isolada", explica o climatologista e professor de ciências
atmosféricas da USP,
Pedro Leite da Silva Dias. "O La Niña contribui não só para
potencializar a intensidade da atual onda de calor, como também pode
fazer com que ela demore a passar".
Há registros de eventos extremos associados ao La Niña há pelo menos 2
milhões de anos, mas já se sabe que seus efeitos negativos estão se
tornando cada vez mais intensos.
Cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) atrisbuem essa e outras mudanças do comportamento natural do planeta às mudanças climáticas. O estudo, feito por centenas de cientistas que analisam milhares de evidências coletadas ao redor do planeta, alerta para o aumento de ondas de calor, secas, alagamentos e outros eventos climáticos extremos nos próximos dez anos.
"As
temperaturas máximas aumentaram significativamente nos últimos 60 anos e
o aquecimento global é, sem dúvidas, um potencial candidato para
explicar o aumento da intensidade das ondas de calor", diz Silva Dias.