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Ex-ministro prevê conflitos, mas diz que recursos naturais e população controlada garantem crescimento brasileiro de 5%
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SÃO PAULO — Na casa de dois andares ao lado do estádio do Pacaembu,
em São Paulo, onde o economista e ex-ministro Delfim Netto, 84 anos,
mantém a sua consultoria Ideias, uns 20 periquitos e outra dúzia de
pássaros variados fazem um barulho infernal no jardim arborizado. Delfim
não liga. Eles estão ali demarcando território e usando seus recursos
para sobreviver, diz ele, como o homem há milênios. A mesma lógica ele
aplica para embasar suas expectativas para a Rio+20. Ainda que a
preocupação ambiental tenha crescido, os diferentes estágios econômicos,
o crescimento populacional e a disponibilidade de recursos naturais é
que definem até que limite os países podem crescer sem destruir o meio
ambiente. Conflitos serão inevitáveis. Não há como o planeta sustentar
nove bilhões de pessoas com renda de US$ 20 mil cada. Mas ele é otimista
com o Brasil, que pode crescer 5% sem degradar a natureza por causa da
abundância de recursos, energia renovável e com uma população que
aumenta menos de 1% ao ano.
O GLOBO: Na época em que o senhor era ministro no governo militar, falava-se em sustentabilidade?
DELFIM NETTO:
Não se falava. A primeira vez que se tocou nesta questão foi na
construção de Carajás. O presidente do Banco Mundial, o ex-secretário de
Defesa dos EUA Robert McNamara, depois daquele estrago no Vietnã e acho
que num processo de autopunição, introduziu o conceito de conservação
do meio ambiente para aprovar qualquer projeto. Carajás foi o primeiro
projeto que seguiu as condições que, naquela época, eram consideradas o
mínimo necessário para um projeto ser considerado sustentável.
É possível crescer a taxas necessárias para tirar da miséria milhões e, ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente?
DELFIM:
O american way of life acaba sendo o objetivo do mundo inteiro, não
vamos ter ilusão. Mas neste tema, temos um problema grave, porque uns
(países) estão muito avançados e outros, não. Você não pode dizer que o
Brasil agora tem que permanecer no nível que está. O Brasil tem mais
recursos que os outros e pode de fato crescer mais que os outros. Você
tende a caminhar para um mundo onde as tensões serão muito mais
visíveis. Não é à toa que o Brasil sabe que precisa de uma Força Militar
dissuasiva. Porque toda a potência tem que ter três autonomias:
alimentar, energética e militar. O Brasil não precisa de autonomia
militar, mas de autonomia alimentar e energética.
Os EUA vão bem?
DELFIM:
O país perdeu a autonomia energética e está reconstruindo-a agora. Eles
avançaram dramaticamente nos últimos dois anos e estão buscando a sua
independência energética, desenvolvendo a economia nesta direção e
resolvendo dois problemas ao mesmo tempo. Manter um oleoduto com o
Oriente Médio custa aos EUA 300 mil barris de petróleo por dia, que é o
quanto gastam as tropas americanas fora dos EUA para garantir a chamada
pax americana, o que, por sua vez, mantém o oleoduto. Os EUA estão
fazendo uma revolução da produção energética na direção da
sustentabilidade.
E China?
DELFIM:
A China sabe que tem limitações importantes. Eles têm uma reserva de
carvão gigantesca e estão descobrindo petróleo, mas são fontes de
crescimento altamente poluidoras. A China não tem as condições para
produzir energias renováveis. Para produzir energia usando o sol, você
precisa do sol e de água. Sol provavelmente ela tem. Água, não. Aliás, a
água vai ser o negócio mais crítico nesse processo. As relações entre
Índia, China e Paquistão estão muito misturadas com as disputas pelo
controle das fontes de água na região.
A previsão é de conflitos?
DELFIM:
Não tenho dúvida. É difícil convencer as pessoas, simplesmente, de que
não cabe todo mundo no mundo. Nós temos hoje sete bilhões de habitantes.
Não cabem no mundo nove bilhões com US$ 20 mil de nível de renda per
capita. Tem que comprar um outro planeta Terra.
E como se
resolvem os conflitos entre a pretensão de crescimento dos emergentes e o
histórico de poluição dos países ricos, que também não abrem mão de
crescer?
DELFIM: Você precisa ter uma
enorme crença na racionalidade para imaginar que isso vai ser feito
conversando, né? A situação é muito complicada, mas eu acho também que
há um pouco de exagero. O Brasil não precisa crescer mais a 7% ao ano
porque quando ele crescia a 7,5%, a população crescia a 3%. Hoje, se ele
cresce 5%, a população está crescendo menos de 1%. É o mesmo ritmo de
crescimento per capita. Quer dizer, o Brasil tem algumas vantagens e o
que ele precisa é preservar essas vantagens.
O Brasil tem condições de ser um dos protagonistas dessa discussão ambiental?
DELFIM:
O Brasil tem uma vantagem, porque temos menos restrições ecológicas do
que outros. Temos condições muito melhores seguramente em uso de fontes
de energia renováveis. E a consciência ecológica chegou no Brasil de
maneira muito interessante. Quando tinha 12 anos, meu avô tinha um
pequeno terreno na Vila Carrão — que dava a impressão de ser Minas
Gerais de tão longe —, onde a gente caçava passarinho para comer. Hoje,
se contar para o meu neto que você vai caçar um passarinho para comer,
ele te mata, te considera um troglodita e te expulsa da família. Brasil
mudou, num processo de educação, um processo civilizatório. Temos mais
consciência ecológica.
E a diferença entre os países a que o senhor se referiu?
DELFIM:
O que eu estou dizendo é que, para alguns países, é compatível e para
outros, não. O Brasil tem 200 milhões de habitantes, terra, sol, água,
petróleo e recursos naturais adequados, de modo que o Brasil pode
crescer 5% ao ano nos próximos nos, mesmo porque sua população já está
atingindo seu pico. O país é dos poucos que têm dimensão territorial,
nível de recursos naturais e população que obviamente é menor que aquela
que seria sustentável com esse nível de recursos naturais. Então, com
um pouco de inteligência, o Brasil pode manter esse nível de
crescimento.
Os EUA também se encaixam dentro dessa definição?
DELFIM:
Os EUA também. Já a China tem um problema de água. O Brasil tem outras
vantagens. Somos um país muito mais tranquilo, temos uma Constituição
que está funcionando. Dizer que o país não tem projeto é conversa mole. O
projeto está na Constituição de 88, que diz claramente o seguinte: eu
quero uma sociedade onde se aumente o bem-estar das pessoas, que seja
republicana — ou seja, todo mundo é sujeito à mesma lei, inclusive o
governo —, que seja democrática — onde eu elejo um sujeito, posso
reelegê-lo, mas também dispensá-lo no meio — e que seja uma sociedade
aberta, que usa o mercado como um processo alocativo. É isso que está na
Constituição e é o projeto nacional. Esse é o objetivo desejável porque
a Constituição implica em igualdade de oportunidades. Não interessa se
eu fui produzido na suíte presidencial do hotel Waldorf Astoria ou se eu
fui produzido num sábado à noite por um acaso no bairro do Ipiranga.
Uma vez que eu fui produzido, eu sou portador de direitos.
Crescimento com redistribuição de renda e sustentabilidade são compatíveis?
DELFIM:
Sem dúvida. Você tem duas instituições: o mercado e a urna. O mercado é
muito bom porque permite a liberdade individual, o sujeito usar a sua
capacidade de iniciativa e produzir com relativa eficiência. Mas o
mercado não produz igualdade. E não adianta: o sujeito se sente melhor
com menor desigualdade. Então o Estado vem e corrige esse problema do
mercado. Quando o Estado é muito distributivo, o ritmo de crescimento é
menor, porque se você distribuir muito mais hoje, significa que você vai
investir menos e crescer um pouco menos amanhã. Então essa combinação
de crescimento com distribuição é uma coisa que precisa ser feita com
muito cuidado. Quem joga essa dialética é na verdade a urna e o mercado.
Se vem o governo querer distribuir o que não foi produzido, no próximo
round o mercado acaba com ele e, em seguida, a urna. Se o mercado é
propriedade dos economistas que querem um crescimento rápido, grosseiro,
não importa a distribuição, mas a eficiência, vem a urna e toca eles
para a rua. Então esse jogo entre os dois é que provoca esse crescimento
um pouco mais virtuoso. O Brasil pode crescer de uma forma sustentável e
usando de forma eficiente os seus recursos.
Num mundo
onde organismos multilaterais enfrentam pressões por mudanças, qual o
fórum ideal para discutir grandes questões de sustentabilidade?
DELFIM:
Tem que expor esse processo claramente. No fundo, cada um vai ter que
se confrontar com o que tem hoje e com o que é capaz. O caso dos EUA é
fundamental, porque é a recuperação mais rápida e na direção correta.
Ele está na verdade substituindo energia do petróleo por energia mais
limpa e avança nessa direção. E o homem vai avançar nessa direção. Há
energia eólica, solar. O homem está voltando para onde começou. Quando
começou, colhia frutas e plantas, queimava um pouco de madeira, usava as
águas do rio para mover a roda. Quando se olha, é sempre na mesma
direção de libertar o homem para realizar a sua humanidade. As coisas
estão caminhando numa direção bastante razoável. Mas há países que vão
ter que se conformar com menos. E não é uma coisa simples dizer para o
sujeito: olha, infelizmente você ocupou um terreno que não sustenta esse
nível de crescimento. Mas o comércio internacional é uma solução muito
interessante.
Em que sentido?
DELFIM:
O comércio é troca. Eu tenho abundância de certos recursos, troco com
quem tem menos esse tipo de recurso, mas tem outra coisa sobrando. É
parte da solução do dilema. Onde está dificuldade? A gente sabe que um
pouco de comércio é melhor que nenhum comércio. Você não sabe é como se
distribui as vantagens do comércio. Mas eu não vejo fim trágico para
isso, porque confio na racionalidade do homem. E nas novas tecnologias.
Qual a sua expectativa para a Rio+20?
DELFIM:
Não vamos ter a ilusão que daqui vai sair alguma conclusão muito
importante. Nessa reunião, você vai subir um degrau na compreensão de
que o mundo é finito. E a compreensão de que o Brasil está cumprindo seu
papel. Todos esses novos projetos protegem o meio ambiente. Na verdade,
não há nenhum projeto que não destrua um pedaço do meio ambiente. O que
tem que fazer é com a maior eficiência possível. É destruir menos para
produzir o mesmo resultado. Estamos quase no estado da arte na produção
do único substituto de combustível líquido que tem 70% da energia do
petróleo mas que pode ser produzido enquanto o sol durar. Como
provavelmente o sol vai durar ainda uns dez bilhões de anos, temos aí um
tempinho razoável para ajustar.
*ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA NO VESPERTINO PARA TABLET “O GLOBO A MAIS”
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