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domingo, 3 de janeiro de 2021

O que fazem e pensam os brasileiros na lista de cientistas mais influentes do mundo

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Ranking de Stanford avaliou o impacto do trabalho de 6,9 milhões de pesquisadores; para um deles, Brasil precisa ver a ciência como investimento, e não como gasto. 
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TOPO
Por BBC  
03/01/2021 10h00 Atualizado há 3 horas
Postado em 03 de janeiro de 2021 às 13h00m


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Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas, é um dos cientistas mais influentes do mundo — Foto: DANIELA XU
Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas, é um dos cientistas mais influentes do mundo — Foto: DANIELA XU

Depois de analisar os trabalhos e publicações de 6,9 milhões de cientistas de todo o mundo, de todas as áreas do conhecimento, e as citações de colegas deles que elas geraram, uma equipe da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, listou os 159.683 pesquisadores mais influentes do mundo, cerca de 2,3% do total. Desses, 600 (0,37%) são do Brasil.

Para alguns cientistas, isso é pouco diante do tamanho do país e de sua população. Para outros, é até muito, dadas as condições: falta de financiamento e do desprestígio da ciência por parte do governo e seus seguidores, principalmente nos últimos anos.

Para elaborar o ranking, a equipe de Stanford, liderada por John Ioannidis, computou as citações (quando um artigo de um cientista é citado no de outro) da base de dados Scopus, uma das mais completas e respeitadas do mundo. O resultado foi publicado recentemente na revista científica Plos Biology. Com base nelas, foram elaborados dois rankings, um levando em conta o impacto de um pesquisador ao longo de toda sua carreira e outro de um único ano, no caso, 2019.

Na primeira lista, os pesquisadores mais bem colocados que trabalham no Brasil nasceram em outros países, embora um deles seja brasileiro naturalizado. O primeiro colocado é o físico de solos e mestre em agronomia holandês Martinus Theodorus van Genuchten, na 460ª posição. Atualmente, ele está na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas fez praticamente toda sua carreira no exterior.

Em segundo, na 1661ª, está o grego de nascimento, mas brasileiro naturalizado, Constantino Tsallis, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Ele desenvolveu sua carreira e atua no Brasil desde 1975, um ano depois de ter concluído seu doutorado na França.

Os dois brasileiros natos e que atuam no país mais bem colocados, são o epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no 2969º lugar, e o químico Jairton Dupont, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na 3201ª posição.

Para Dupont, ter 600 brasileiros na lista é muito pouco levando-se em consideração o PIB do país e o grande número de jovens altamente motivados. De acordo com ele, isso se deve, em primeiro lugar, à pouca importância dada à ciência pela maioria dos governantes, que a enxergam como gasto e não como investimento no futuro.

Em segundo lugar, diz ele, vem a mentalidade empreendedora, que busca lucro imediato e prefere "comprar" tecnologias prontas, o que afasta o Brasil da ponta do conhecimento.

"Em terceiro lugar, está a 'cultura' do negacionismo, que tem sua expressão máxima no pensamento mágico que permeia boa parte de nossa sociedade", opina. "Estaremos nos tornando uma sociedade de 'bigots' (intolerantes), se não houver uma reação das forças civilizatórias, que encontram sua expressão máxima nas universidades públicas."

Mesmo assim, Dupont diz que o número de cientistas brasileiros no ranking pode não ser de todo ruim.

"Tendo em vista as condições de trabalho dos pesquisadores no Brasil, podemos até comemorar", explica. "Principalmente pela persistência dos 600 listados, que mesmo diante das imensas dificuldades conseguem realizar trabalhos que colocam o país no mapa do conhecimento e mostram que temos capacidade de fazer ainda muito mais diferença, para levar a uma sociedade mais justa e igualitária."

Brasileiro naturalizado, o físico Constantino Tsallis, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também está na lista dos cientistas mais influentes do mundo — Foto: ARQUIVO PESSOAL
Brasileiro naturalizado, o físico Constantino Tsallis, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também está na lista dos cientistas mais influentes do mundo — Foto: ARQUIVO PESSOAL

Victora pensa diferente. "É mais para lamentar do que para comemorar, porque o Brasil é um dos maiores países do mundo em termo de população", explica. "Isso é reflexo do que acontece com a ciência brasileira. Nós cientistas somos desprestigiados e estamos recebendo poucos recursos. Até 2014, 2015 o investimento em ciência no Brasil estava aumentando bastante. Cresceu muito nos 20 anos anteriores, mas a partir de então, decaiu."

Um reflexo do desprestígio da ciência, opina, "é a maneira como a pandemia tem sido gerida pelo poder central (em referência ao governo federal), sem levar em conta as recomendações científicas. Aplicar em ciência é investimento, não gasto. Investe-se para criar mais tecnologia, mais condições de saúde e trabalho para a população. Hoje, isso é visto como um gasto e tem havido inúmeros cortes em financiamentos e bolsas."

Tsallis diz que para avaliar se 600 brasileiros são poucos ou muitos relativamente seria necessário ter informações dos outros países envolvidos, assim como dados completos sobre as verbas públicas e privadas colocadas à disposição da ciência e da tecnologia. "Na ausência dessas informações, é difícil ter uma opinião firme", explica.

"Eu pessoalmente vejo com alegria que o Brasil tenha 600 cientistas bem colocados nesse tipo de avaliação, e não ficaria surpreso se num futuro não muito distante esse número venha a crescer, lenta, porém substancialmente."

Mas independentemente disso, ele explica que a importância do levantamento feito pela equipe da Universidade de Stanford é que ele permite verificar objetivamente o impacto global da ciência brasileira ao longo de muitas décadas. "Visto que o apoio, ao longo dos anos, de instituições públicas do Brasil aos seus cientistas é de fundamental importância, tais levantamentos podem — e devem — orientar as melhores maneiras de usar as verbas públicas", defende.

Segundo Victora, a lista é muito útil, porque o impacto de um cientista sobre o conhecimento em nível mundial é medido pelo número de outros pesquisadores que citam o seu trabalho. "Então, usar o índice de citações de trabalho é um marcador muito importante de quanto a ciência produzida num determinado local, por uma determinada pessoa, impacta o nível do conhecimento no mundo todo", explica.

Ele atribui sua presença no ranking ao trabalho do grupo de epidemiologia que coordena na UFPel, que "é bem conhecido no Brasil" e no mundo. "Principalmente pelos estudos de coortes de nascimentos, que são aquelas pesquisas que acompanham crianças desde que nascem até sua fase adulta", explica. "Nossa coorte mais antiga está com 40 anos."

De acordo com ele, são pesquisas muito demoradas, custosas, mas que fornecem indicações sobre como o que acontece durante a gestação e no começo da vida influencia toda a saúde, inteligência, desempenho e produtividade dos indivíduos na idade adulta. "São pouquíssimos estudos deste tipo no mundo e nós temos a felicidade de ter iniciado o trabalho em 1982, que continua até hoje, por isso o reconhecimento", conta.

Para o químico Jairton Dupont, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o número de brasileiros ainda é pequeno em comparação ao tamanho do PIB — Foto: UFRGS
Para o químico Jairton Dupont, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o número de brasileiros ainda é pequeno em comparação ao tamanho do PIB — Foto: UFRGS

Tsallis, por sua vez, credita sua classificação a seu trabalho propondo a generalização de um dos pilares da física teórica contemporânea, a mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs, que resultou no artigo científico exclusivamente brasileiro mais citado em todas as áreas desde 1945. Trata-se algo bastante complexo para leigos, que Tsallis tenta explicar:

"A mecânica estatística é a teoria física onde se acrescenta a de probabilidades às mecânicas (newtoniana, einsteiniana, quântica) e ao eletromagnetismo, de James Clerk Maxwell", diz.

Ela foi formulada há 150 anos e funciona para explicar as propriedades de fluidos simples (ar, água) e sistemas magnéticos simples (um pedaço de ferro magnetizado). "Ela prediz corretamente como funciona uma panela de pressão, uma geladeira, um transistor, os supercondutores, e mil coisas mais", diz Tsallis. "Os elementos de tais sistemas influenciam os outros do mesmo sistema que estão perto no espaço ou no tempo."

O problema é que a mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs falha seriamente em explicar muitos fenômenos em sistemas vivos, nas bolsas de valores, em astrofísica (devido à interação gravitacional), nas colisões de altas energias que acontecem nos aceleradores de partículas (por causa do que acontece no sistema quarks-gluons), em descrever turbulências em meios granulosos (farinha, por exemplo), em ecologia quantitativa, e na evolução de aglomerações urbanas e das línguas, por exemplo.

"Nesses casos, ela falha, porque nestes sistemas complexos aparecem internamente correlações a grandes distâncias no espaço ou no tempo", explica Tsallis.

Ele conta que esse artigo seu, que é exclusivamente brasileiro, gerou aproximadamente 15 mil outros diretamente relacionados, publicados por mais de 8.000 cientistas de 102 países do mundo. "É possível também que tenha sido levado em conta o fato de eu ter ministrado mais de mil palestras convidadas ao redor do mundo", acredita.

Também deve ter pesado para sua posição na lista o fato de ter dedicado boa parte da vida a explorar as grandes questões no âmbito do conhecimento científico da humanidade e de suas possíveis aplicações. "Ser considerado como o mais influente cientista brasileiro é certamente, além de uma honra, um grande estímulo para mim e para outros, muito especialmente para os jovens", diz. "Este último ponto possui, na minha opinião, importância capital, pois os jovens têm que ser encorajados e testar sua ousadia nas questões cientificas e tecnológicas que os entusiasmam."

Dificuldade

O sucesso e o reconhecimento internacional de alguns pesquisadores não devem mascarar as dificuldades de se fazer ciência no país, afirmam os pesquisadores entrevistados. "Hoje está muito difícil, talvez no mesmo nível dos anos 1990", lamenta Dupont, opinando que "os anos de ouro foram nos governos Lula, que investiu em pesquisa e nas universidades e proporcionou ambiente adequado para a realização de projetos de risco".

Se não fosse este investimento, diz ele, a ciência brasileira estaria em situação muito mais delicada no enfrentamento a pandemia de covid-19, por exemplo. "É um trabalho incansável para superar a época das trevas que estamos atravessando, principalmente com a ingerência religiosa fundamentalista em todos os níveis", diz. "Temos muito a superar: racismo, misoginia, homofobia e negacionismo."

Para Tsallis, fazer pesquisa no Brasil, é "fascinante e desafiador, porém muito laborioso".

"Fascinante, pois o fato de o Brasil ser um país jovem do ponto de vista histórico abre espaço para atividades inovadoras, criativas e livres de tradições institucionais que podem ser por vezes muito pesadas", explica. "Muito laborioso, porque aquilo que você obtém facilmente quando trabalha no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nas universidades Princeton, Harvard, Oxford, Cambridge ou na Escola Normal Superior de Paris só se consegue, trabalhando no Brasil, com consideráveis esforços de todo tipo", diz ele.

"É inevitável ponderar que negacionismos inconsistentes sobre os ativos da ciência brasileira e mundial, duramente conquistados ao longo de décadas e séculos, prejudicam a saúde da população e atrasam sua evolução educacional. Felizmente, entretanto, a robustez da ciência brasileira é mais forte do que isso."

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Como um silêncio resolveu os estranhos problemas matemáticos dos buracos negros

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O físico Roger Penrose, ganhador do Prêmio Nobel, teve um lampejo de inspiração que mudou nossa visão sobre o Universo. 
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Por BBC  
03/01/2021 08h57 Atualizado há 2 horas
Postado em 03 de janeiro de 2020 às 11h00m


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A força gravitacional de um buraco negro é tão forte que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar (a imagem é uma simulação) — Foto: LIA MEDEIROS/INSTITUTE FOR ADVANCED STUDY/PA WIRE
A força gravitacional de um buraco negro é tão forte que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar (a imagem é uma simulação) — Foto: LIA MEDEIROS/INSTITUTE FOR ADVANCED STUDY/PA WIRE

Em um dia fresco de setembro de 1964, Roger Penrose recebeu a visita de um velho amigo. O cosmologista britânico Ivor Robinson estava de volta à Inglaterra vindo de Dallas, no Estado americano do Texas, onde morava e trabalhava.

Sempre que os dois se encontravam, nunca faltava assunto — e a conversa deles, naquela ocasião, era ininterrupta e bem abrangente.

Enquanto eles caminhavam pela vizinhança do escritório de Penrose, que ficava na Universidade de Birkbeck, em Londres, pararam brevemente na calçada, à espera de uma brecha no trânsito. A interrupção momentânea do passeio coincidiu com uma pausa na conversa, e ambos ficaram em silêncio ao atravessar a rua.

Naquele momento, a mente de Penrose começou a vagar. Ele viajou 2,5 bilhões de anos-luz pelo vácuo do espaço sideral até a massa fervilhante de um quasar giratório.

Ele imaginou como o colapso gravitacional assumia o controle, puxando uma galáxia inteira cada vez mais para perto do seu centro. Como um patinador artístico que rodopia encolhendo os braços para aumentar a velocidade, a massa giraria cada vez mais rápido à medida que se contraía.

Essa breve reflexão mental levou a uma descoberta — que 56 anos depois renderia a ele o Prêmio Nobel de Física.­

Como muitos relativistas — físicos teóricos que se dedicam a testar, explorar e ampliar a Teoria Geral da Relatividade de Albert Einstein — Penrose passou o início dos anos 1960 estudando uma contradição estranha, mas particularmente complicada, conhecida como "o problema da singularidade".

Einstein publicou sua Teoria Geral em 1915, revolucionando o entendimento dos cientistas sobre espaço, tempo, gravidade, matéria e energia. Na década de 1950, sua teoria era extremamente bem-sucedida, mas muitas de suas previsões ainda eram consideradas improváveis ​​e intestáveis.

Suas equações mostravam, por exemplo, que era teoricamente possível para o colapso gravitacional forçar matéria suficiente em uma região bastante pequena que se tornaria infinitamente densa, formando uma "singularidade" da qual nem mesmo a luz poderia escapar. Foi o que ficou conhecido como buraco negro.

Mas dentro de tal singularidade, as leis conhecidas da física — incluindo a própria teoria da relatividade de Einstein — não se aplicariam mais.

As singularidades eram fascinantes para os relativistas matemáticos exatamente por esse motivo. A maioria dos físicos, entretanto, concordava que nosso Universo era muito organizado para conter de fato tais regiões. E mesmo que as singularidades existissem, não haveria como observá-las.

"Houve um grande ceticismo por muito tempo", diz Penrose.

"As pessoas esperavam que houvesse um ricochete: que um objeto colapsaria e giraria em volta de uma maneira complicada, e voltaria sibilante para fora de novo."

Roger Penrose recebeu o Prêmio Nobel de Física por seu trabalho sobre singularidades — Foto: GETTY IMAGES
Roger Penrose recebeu o Prêmio Nobel de Física por seu trabalho sobre singularidades — Foto: GETTY IMAGES

No fim da década de 1950, as observações do então emergente campo da radioastronomia abalaram esse entendimento. Radioastrônomos detectaram novos objetos cósmicos que pareciam ser muito brilhantes, muito distantes e muito pequenos.

Conhecidos inicialmente como "objetos quase estelares" — mais tarde abreviados para "quasares" —, esses objetos pareciam apresentar muita energia em um espaço muito pequeno.

Embora parecesse impossível, cada nova observação apontava em direção à ideia de que os quasares eram galáxias antigas em processo de colapsar em singularidades.

Os cientistas foram obrigados a se perguntar se as singularidades não eram então tão improváveis ​​quanto todos pensavam. Esta previsão da relatividade era mais do que apenas uma elucubração matemática?

Abordagem diferente

Em Austin, Princeton e Moscou, em Cambridge e Oxford, na África do Sul, na Nova Zelândia, na Índia e em outros lugares, cosmologistas, astrônomos e matemáticos se debruçaram para encontrar uma teoria definitiva que pudesse explicar a natureza dos quasares.

A maioria dos cientistas abordou o desafio tentando identificar circunstâncias altamente específicas nas quais uma singularidade poderia se formar.

Penrose, então professor da Universidade de Birkbeck, em Londres, adotou uma abordagem diferente. Seu instinto natural sempre foi o de buscar soluções gerais, princípios básicos e estruturas matemáticas essenciais.

Ele passou longas horas em Birkbeck, trabalhando em um grande quadro-negro coberto de diagramas repletos de curvas que ele próprio desenvolveu.

Em 1963, uma equipe de teóricos russos liderados por Isaac Khalatnikov publicou um artigo aclamado que confirmou o que a maioria dos cientistas ainda acreditava — as singularidades não faziam parte de nosso Universo físico.

No Universo, disseram eles, os colapsos de nuvens de poeira ou estrelas se expandiriam novamente muito antes de atingir o ponto de singularidade. Tinha de haver alguma outra explicação para os quasares.

Penrose seguia cético.

A singularidade no coração de um buraco negro produz calor tão intenso que a radiação extremamente brilhante é expelida — Foto: REUTERS
A singularidade no coração de um buraco negro produz calor tão intenso que a radiação extremamente brilhante é expelida — Foto: REUTERS

"Tive a forte sensação de que, com os métodos que eles estavam usando, era improvável que pudessem chegar a uma conclusão sólida sobre isso", diz ele.

"Me parecia que o problema precisava ser visto de maneira mais abrangente do que eles estavam fazendo, que tinha um foco um tanto limitado." 

Silêncio revelador

Embora rejeitasse seus argumentos, ele ainda não tinha conseguido desenvolver uma solução geral para o problema da singularidade. Até a visita de Robinson.

Embora Robinson também estivesse pesquisando o problema da singularidade, a dupla não discutiu o tema durante aquela conversa no outono de 1964 em Londres.

Durante o breve silêncio daquela fatídica travessia, no entanto, Penrose percebeu que os russos estavam errados.

Toda aquela energia, movimento e massa encolhendo em conjunto criaria um calor tão intenso que emanaria radiação em todos os comprimentos de onda, em todas as direções. Quanto menor e mais rápido ficasse, mais brilhante seria.

Ele imaginou mentalmente seus desenhos no quadro-negro e esboços de artigo sobre aqueles objetos distantes, procurando na sua cabeça o ponto que os russos previram, em que essa nuvem explodiria novamente.

Esse ponto não existia. Em sua mente, Penrose finalmente viu como o colapso continuaria sem impedimentos.

Fora do centro de densificação, o objeto brilharia com uma luz mais intensa do que todas as estrelas de nossa galáxia. E, nas suas profundezas, a luz se curvaria em ângulos dramáticos, distorcendo o espaço-tempo até que todas as direções convergissem umas nas outras.

Chegaria a um ponto sem volta. Luz, espaço e tempo chegariam a um ponto final. Um buraco negro.

Naquele momento, Penrose sabia que uma singularidade não exigia nenhuma circunstância especial. Em nosso Universo, as singularidades não eram impossíveis. Elas eram inevitáveis.

Um buraco negro pode prender galáxias inteiras em sua 'teia' (imagem ilustrativa) — Foto: ESO VIA EPA
Um buraco negro pode prender galáxias inteiras em sua 'teia' (imagem ilustrativa) — Foto: ESO VIA EPA

Chegando ao outro lado da rua, ele retomou a conversa com Robinson e imediatamente se esqueceu do que estava pensando.

Eles se despediram, e Penrose voltou para as nuvens de poeira de giz e as pilhas de papel em seu escritório.

O resto da tarde transcorreu normalmente, exceto pelo fato de que Penrose se encontrava excessivamente bem-humorado. Ele não conseguia entender por quê. E começou a rever seu dia, analisando o que poderia estar alimentando sua euforia.

Sua mente voltou para aquele momento de silêncio atravessando a rua. E tudo veio à tona novamente. Ele havia resolvido o problema da singularidade.

Ele começou a escrever equações, testar, editar, reorganizar. O argumento ainda estava bruto, mas funcionava.

Um colapso gravitacional exigia apenas algumas condições de energia bastante genéricas e fáceis de encontrar, para colapsar em densidade infinita. Penrose sabia que naquele momento deveria haver bilhões de singularidades espalhadas pelo cosmos.

Moldando o universo

Foi uma ideia que mudaria nossa compreensão do Universo e moldaria o que agora sabemos sobre ele.

Em dois meses, Penrose começou a dar palestras sobre o teorema. Em meados de dezembro, ele submeteu um artigo à revista acadêmica Physical Review Letters, que foi publicado em 18 de janeiro de 1965 — apenas quatro meses depois de atravessar a rua com Ivor Robinson.

A repercussão não foi exatamente a que ele esperava. O Teorema da Singularidade de Penrose foi debatido. Refutado. Contestado.

O debate atingiu seu ápice durante o Congresso Internacional sobre Relatividade Geral e Gravidade, em Londres, no fim daquele ano.

"Não foi muito amigável. Os russos ficaram muito irritados, e as pessoas relutaram em admitir que estavam enganadas", diz Penrose.

A conferência terminou com o debate em aberto.

Mas pouco tempo depois, descobriu-se que o artigo russo tinha erros de cálculo —a matemática era fatalmente falha, e sua tese não se sustentava mais.

Nossa própria galáxia, a Via Láctea, tem um buraco negro supermassivo em seu centro, a cerca de 26 mil anos-luz do Sistema Solar — Foto: PA MEDIA
Nossa própria galáxia, a Via Láctea, tem um buraco negro supermassivo em seu centro, a cerca de 26 mil anos-luz do Sistema Solar — Foto: PA MEDIA

"Havia um erro na maneira como eles estavam fazendo", diz Penrose.

No fim de 1965, o Teorema da Singularidade de Penrose começou a ganhar força em todo o mundo. Seu singular lampejo de inspiração se tornou uma força motriz na cosmologia.

Ele havia feito mais do que explicar o que era um quasar — ele revelou uma grande verdade sobre a realidade subjacente do nosso Universo.

Quaisquer modelos do Universo que surgiram a partir de então, tiveram que incluir singularidades, o que significa incluir a ciência que vai além da relatividade.

As singularidades também começaram a se infiltrar no imaginário popular, em parte graças ao fato de terem se tornado conhecidas como "buracos negros", termo usado publicamente pela primeira vez pela jornalista americana Ann Ewing.

Stephen Hawking notoriamente usou o teorema de Penrose para derrubar teorias sobre a origem do Universo depois que os dois trabalharam juntos nas singularidades.

As singularidades se tornaram centrais para todas as teorias relacionadas à natureza, história e futuro do Universo.

Experimentalistas identificaram outras singularidades — incluindo aquela no coração do buraco negro supermassivo no centro de nossa própria galáxia, descoberto por Reinhard Genzel e Andrea Ghez, que dividiram o Prêmio Nobel de Física com Penrose em 2020.

Stephen Hawking e Roger Penrose trabalharam juntos para criar teorias sobre singularidades durante os anos 1970 — Foto: JOHN CAIRNS/UNIVERSITY OF OXFORD
Stephen Hawking e Roger Penrose trabalharam juntos para criar teorias sobre singularidades durante os anos 1970 — Foto: JOHN CAIRNS/UNIVERSITY OF OXFORD

O próprio Penrose desenvolveu uma alternativa para a Teoria do Big Bang, conhecida como Cosmologia Cíclica Conforme, cuja evidência poderia vir dos sinais remanescentes de antigos buracos negros.

Em 2013, a engenheira e cientista da computação Katie Bouman liderou uma equipe de pesquisadores que desenvolveu um algoritmo na tentativa de permitir que buracos negros fossem fotografados.

Em abril de 2019, o telescópio Event Horizons usou esse algoritmo para capturar as primeiras imagens de um buraco negro, fornecendo uma dramática confirmação visual das outrora controversas teorias de Einstein e Penrose.

Embora Penrose, agora com 89 anos, esteja satisfeito por ter recebido a mais alta honraria da física, o Prêmio Nobel, há outra coisa que não sai da sua cabeça.

"É uma sensação esquisita. Só estou tentando me acostumar. Fico muito lisonjeado, é uma grande honra e agradeço muito", ele me disse algumas horas após receber a notícia.

"Mas, por outro lado, estou tentando escrever três artigos (científicos) diferentes ao mesmo tempo, e isso torna mais difícil do que era antes."

O telefone, ele explica, não para de tocar, com gente dando os parabéns, e jornalistas pedindo entrevistas. E todo esse clamor acaba sendo uma distração, que o impede de se concentrar em suas últimas teorias.

Penrose sabe melhor do que ninguém o poder do silêncio e os lampejos de inspiração que ele é capaz de proporcionar.

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