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Documentos relatam as angústias e as dores das mulheres do Brasil Colônia, como abuso sexual, violência doméstica, abandono, desigualdade de gênero - heranças vividas até os dias de hoje===+===.=.=.= =---____--------- ---------____------------____::_____ _____= =..= = =..= =..= = =____ _____::____-------------______--------- ----------____---.=.=.=.= +====
Por G1
https://especiais.g1.globo.com/g1-15-anos/2021/voz-das-mulheres/
Postado em 16 de setembro de 2021 às 11h00m
.| . Post.- N.\ 9.983 . |.
Um grupo de pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP) reuniu, pela primeira vez, mais de 150 documentos de autoria de mulheres, ou relatos de seus discursos, escritos entre 1500 e 1822. Os arquivos, com as histórias de pessoas como Maria, Gertrudes, Felipa, Anna Maria, Francisca, Feliciana e Anna Caetana, formam um catálogo importante para os estudos da micro história do país, aquela não contada pelos vencedores. Apesar de trazerem episódios distantes temporalmente, eles dialogam com os dias de hoje, principalmente quanto à perpetuação da violência contra a mulher. Episódios de agressão, preconceito, abuso, são recorrentes no Brasil do século 21. Desde 2006, o G1 noticia casos sobre violência doméstica e lesbofobia, por exemplo. E, nesses 15 anos do portal, encontramos histórias que conectam o Brasil da atualidade com o colonial.
Escolha um tema
Violência doméstica
Em uma carta de próprio punho, Ana Maria justifica porque fugiu da vila de Atibaia, em São Paulo, e denuncia seu pai e seu irmão por violência doméstica e abuso sexual. Ela pede a prisão do pai e do irmão e diz que “eles não reservam irmãs, nem sobrinhas, nem nada”. O relato sobre como a família foi obrigada a conviver com a situação é longo e detalhado. Filólogos observam que ela escreveu até mesmo na vertical do papel, o que poderia demonstrar que havia muito para dizer e não havia espaço suficiente na folha.
Carta
A
violência sexual ainda hoje é uma das principais formas de violência
sofrida pelas mulheres brasileiras. Cerca de 7,5 milhões de brasileiras
foram vítimas de algum episódio de violência sexual na vida. A violência
ocorreu, em 62% dos casos, na residência das próprias vítimas.
Uma dessas milhares de histórias é a da gerente de operações Juliana*, de 30 anos, que foi vítima de abuso em 2005, no prédio onde morava. Ela tinha 14 anos na época.
Esses
três meninos vieram na minha direção, e um deles puxou meu braço para
trás, o outro amarrou um moletom nos meus olhos, e outro sentou no meu
colo e começou a se mover. Os três passaram a mão no meu peito,
colocaram a mão por dentro da minha calcinha, me apalparam. E eu gritava
e chorava, mas ninguém veio na minha direção. Eu não sei quanto tempo
durou, mas para mim parece que durou uma eternidade
conta Juliana.
Durante a pandemia de Covid-19, uma em cada quatro mulheres brasileiras foi vítima de algum tipo de violência, segundo estudo publicado em junho de 2021, com dados até 2020.
O que mudou
A
lei que representa um dos maiores marcos na luta por direitos da mulher
é a Lei Maria da Penha, que completou 15 anos no último mês de agosto.
Maria
da Penha Maia Fernandes foi vítima, em 1983, de dupla tentativa de
feminicídio pelo marido, pai de suas duas filhas, e ficou paraplégica ao
ser baleada com um tiro na coluna. Após acionar o poder judiciário,
Maria da Penha conseguiu assegurar a sua luta por justiça em 7 de agosto
de 2006, quando foi sancionada a lei contra as violações aos direitos humanos das mulheres.
Em 2020, 230.160 mulheres denunciaram casos de violência doméstica no Brasil, o que equivale a um chamado por minuto.
Ex-escrava, Feliciana Coelha conta em sua carta que, mesmo após alcançar sua liberdade, foi vendida, junto de seus cinco filhos, nascidos de ventre livre, por um homem chamado Bento José Pires d'Avila. Segundo Feliciana, seus senhores, Jacinto Coelho da Silva e Anna Ribeiro de Toledo, a libertaram da escravidão em 1750. Mas, depois da morte de Jacinto, Anna se casou com Bento, que teria tentado vender Feliciana e seus filhos. Na carta, Feliciana diz que procurou a Justiça e que o juiz concordou com sua reclamação e “mandou tirar a suplicante da violenta escravidão e aos seus filhos”
Carta
Solange
tinha apenas 7 anos quando deixou sua casa em Curitiba para viver em
São Paulo. Em 2019, mais de 30 anos depois da sua chegada à capital
paulista, o Tribunal Regional do Trabalho considerou que Solange vivia
em condição análoga à escravidão.
Em
entrevista ao G1, aos 39 anos, ela contou que foi oferecida, ainda
criança, à irmã da dona da casa em que sua tia fazia faxina. Assim que
chegou na casa de sua patroa, ela começou a ajudar em trabalhos
domésticos. Com o tempo, suas responsabilidades foram aumentando. Ela
lavava, passava, cozinhava, cuidava da casa e cuidou dos patrões, que
eram idosos.
Apesar disso, nunca recebeu qualquer tipo de
salário. Aos 18 anos ela foi registrada como empregada doméstica para
que o INSS fosse pago. Embora possuísse um salário no registro em
carteira, Solange relatou à Justiça que esse valor nunca chegou em sua
mão, pois eram descontados gastos pagos pelos patrões, como convênio
médico e objetos quebrados.
O que mudou
A
escravidão foi abolida no Brasil em 1888, com a Lei Áurea. Antes disso,
escravos como Feliciana Coelha obtiveram a própria liberdade, a chamada
alforria, por meio de acordos, de pagamentos em dinheiro ou prestação
de serviços. Como não havia legislação específica para a negociação da
alforria, os acordos eram muitas vezes questionados posteriormente.
Apesar
da abolição ter ocorrido há mais de 130 anos, ainda há casos de
trabalhadores que são mantidos em condições análogas à escravidão no
Brasil. São pessoas submetidas a trabalhos forçados ou jornadas
exaustivas, e também aquelas que convivem com situações degradantes de
trabalho ou com restrições de locomoção em razão de dívidas contraídas
com o empregador.
Dados do Ipea mostram que, em 2018, 92% (5,7 milhões) das domésticas eram mulheres, das quais 3,9 milhões eram negras.
A portuguesa Felipa de Sousa foi acusada pelo Tribunal do Santo Ofício - que condenou centenas de pessoas por crimes de ordem religiosa em Portugal e suas colônias - do chamado crime de “sodomia feminina”, por manter práticas sexuais com outras mulheres. Durante uma das incursões do visitador do Santo Ofício ao Brasil, ela chegou a admitir para o oficial que procurava outras mulheres “pelo grande amor e afeição carnal que sentia” ao vê-las. Com a confissão, tornou-se a única mulher condenada pelo crime em toda a colônia. Além de lhe serem impostas “penitências espirituais”, ela foi ainda condenada a ser açoitada publicamente. O tribunal determinou também seu degredo perpétuo para fora da capitania, ou seja, sua mudança da Bahia em caráter definitivo.
Carta
A mudança de estado em caráter definitivo, à qual Felipa de Sousa foi condenada no Brasil colonial, não é mais uma pena prevista em lei no país. Apesar disso, as namoradas Laura Coelho e Lorrana Araújo, além da amiga Míriam Clara, que foram vítimas de lesbofobia em Itabuna, no sul da Bahia, receberam um bilhete anônimo de vizinhos pedindo que elas se mudassem.
Se mude. Avizo (sic), sapatão. Dois dias de aviso. Vou tocar fogo nesse carro vermelho. Cuidado
dizia o bilhete endereçado a elas.
O que mudou
O Brasil foi um dos primeiros países da América a revogar leis que criminalizam as relações homossexuais, em 1830, quando foi promulgado o Código Penal do Império.
Apesar disso, o Brasil não possui, até hoje, nenhuma lei que criminalize explicitamente a homofobia e a transfobia. Em 2019, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o enquadramento desses crimes por meio da Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite uma lei específica sobre o tema.Em um requerimento que data entre 1820 e 1829, Gertrudes Maria de Godoy conta que seu marido há mais de 30 anos, José Ortiz de Camargo, “embriagado no amor de suas concubinas”, a abandonou por mais de 5 anos. Além da traição, Gertrudes conta ter que lidar com o abandono financeiro e revela não poder nem usufruir dos bens do casal. Na carta, enviada para o juiz da capitania de São Paulo, ela relata que seu marido não quis divorciar-se amigavelmente e pede que a Justiça determine que o marido assine um termo para "não dispor do resto dos bens de seu casal".
Carta
Apesar
de cada vez mais o entendimento da Justiça estar voltado para não
indenizar pessoas traídas, já que o Direito advoga que os envolvidos
devem assumir os riscos do relacionamento, ainda há um debate sobre
indenizações por danos morais e financeiros. Os tribunais têm entendido
que é preciso ter provas consistentes que a traição provocou danos, como
exames laboratoriais que atestem uma doença venérea, por exemplo.
No caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal de 2018, a ex-esposa alegou que a humilhação sofrida fez com que ela tivesse tido um parto prematuro e, por isso, o bebê não resistiu e morreu quatro dias após nascer.
O
simples descumprimento do dever jurídico da fidelidade conjugal não
implica, por si só, em causa para indenizar, apesar de consistir em
pressuposto, devendo haver a submissão do cônjuge traído a situação humilhante que ofenda a sua honra, a sua imagem, a sua integridade física ou psíquica
apontaram os desembargadores da 7ª turma cível do Tribunal de Justiça do DF.
O que mudou
Historicamente, o adultério era praticado apenas por mulheres. A traição era vista como um ataque ao direito do homem sobre o corpo de sua esposa. Na época do requerimento, o Código Penal de 1830 só previa o adultério feminino. No Brasil, o crime de adultério passou a valer para homens só em 1940. Em 2005, o adultério deixou de ser crime no país. A argumentação para a descriminalização da traição passa pela discussão da intervenção mínima do estado na vida privada e sobre avanços em busca da igualdade de gênero.
Só em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade que a traição de mulheres não podia ser usada como argumento de defesa em casos de feminicídio, a chamada tese da legítima defesa da honra.Francisca Antonieta denuncia em sua carta um padre que a assediava e relata que não queria mais se confessar com ele. No texto, que ela ditou para outro padre escrever, possivelmente porque era analfabeta, Francisca conta que o vigário pediu que ela "lhe quisesse bem, pois que achava muita graça em certa parte" do seu corpo. Ela conta que, mesmo após evitar o padre por algum tempo, se viu obrigada a confessar-se com ele, já que ele era o único confessor da cidade onde morava. Depois do episódio, ela se mudou e foi orientada por outro padre a denunciar o assédio que sofreu.
Carta
Em março de 2021, um grupo de mulheres denunciou casos de assédio sexual por pastores em Sergipe. Cerca de 50 mulheres entraram em contato com um pastor de outra igreja, mas apenas uma parte delas decidiu formalizar as denúncias. Dois pastores foram indiciados por crimes como estupro de vulnerável, assédio sexual e violação sexual mediante fraude contra mais de 10 mulheres.
Ele falou assim: 'Eu
vou lhe dar um exemplo como pastor e como homem. Como pastor a gente tem
que orar, pedir a Deus, porque sabe que a vontade da carne fala. Mas
como homem, eu vou ser bem sincero com você aqui. Só estamos nós dois
aqui conversando e você é uma mulher que desperta muito desejo em muitos
homens, inclusive a mim'. Aí ele começou a falar que quando me via,
tirava a concentração dele no altar, que ele desejava coisas
inimagináveis comigo. Aí falou que eu tava muito nervosa, que eu
precisava relaxar, que se eu quisesse sairia com ele pra um lugar mais
íntimo. Aí eu me senti acuada
disse uma das vítimas.
O que mudou
Relatos de assédio e abuso sexual contra mulheres praticados por religiosos são frequentes até hoje. Uma das principais dificuldades para que esses casos sejam denunciados é a relação de poder que se estabelece entre fiéis e integrantes das igrejas, como pastores ou padres. O medo de ser punida espiritualmente ou de ser excluída da comunidade a que pertence faz com que muitas mulheres se sintam desconfortáveis para denunciar.
Além disso, muitas igrejas ainda não possuem mecanismos próprios para denúncias internas, o que faz com que as vítimas tenham que recorrer à polícia para as investigações. No caso da Igreja Católica, apenas em 2021 o Vaticano passou a criminalizar o abuso sexual também de adultos e a permitir a punição de leigos que ocupam cargos religiosos, além de criar um mecanismo de responsabilização por omissão e negligência.Maria Gonçalves Cajada, de alcunha "arde-lhe o rabo", foi denunciada por sete mulheres por ser feiticeira. Ela havia sido banida de Portugal para a América Portuguesa por atear "fogo em umas casas" . Ao ser chamada para se explicar no Tribunal do Santo Ofício, ela negou ter feito qualquer tipo de feitiço, alegando enganar todas as pessoas que recorriam a seus serviços pelo dinheiro e pela comida que lhe davam em troca.
Carta
Em 2014, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morreu após ser espancada
por dezenas de moradores do Guarujá, no litoral de São Paulo, sob
acusações similares às enfrentadas por Maria Gonçalves Cajada em 1591.
Os moradores que participaram da agressão afirmavam que a vítima havia sequestrado uma criança para realizar trabalhos de magia negra.
Essas
pessoas que agrediram ela e as que assistiram e não tiveram a coragem
de salvar uma pessoa inocente, não deram nem tempo de defesa para minha
esposa. Quero que eles reflitam e que isso não aconteça nunca com a
família deles.
disse Jaílson Alves das Neves, o marido da vítima
O que mudou
Até
hoje, a crença na bruxaria e as tentativas de atribuir, de forma
pejorativa, características sobrenaturais às mulheres fazem com que
muitas sejam perseguidas e estigmatizadas. Segundo historiadores,
acusações de bruxaria funcionam como punições para mulheres que não se
enquadram nos padrões sociais.
Embora práticas de feitiçaria não
sejam mais consideradas criminosas no primeiro código penal do Brasil
independente, elaborado em 1830, já não há punição para a feitiçaria,
como havia durante o período colonial - essas acusações ainda alimentam
casos de perseguição que podem inclusive culminar em episódios de
linchamento.
Enquanto o país era colônia de Portugal, houve
grande influência do Tribunal do Santo Ofício, que atuou na Europa e
condenou centenas de pessoas por crimes de ordem religiosa, como as
acusações de bruxaria ou feitiçaria.
Carta
Atualmente,
disputas para conseguir acesso a heranças ou para defender suas
propriedades não são tão recorrentes, mas ainda podem motivar casos de
violência contra a mulher.
Em 2017, um homem atirou na própria filha
em São Paulo durante uma briga de família sobre divisão de herança.
Maira Cintra Soares, de 40 anos, foi morta na frente dos filhos.
Meu
pai resolveu que queria a casa e ficou muito indignado. Ele fez várias
tentativas de tirar a gente da casa, eu e meu irmão, inclusive colocando
um segurança um dia e falando que nós éramos indigentes. Só que na
delegacia foi provado que nós éramos herdeiros e filhos dele. Então ele
não conseguiu tirar a gente daqui
afirmou a vítima Maira Soares em vídeo publicado meses antes da briga.
O que mudou
Assim como Ana Caetana em 1816, mulheres ainda hoje têm dificuldades em manter a segurança de suas propriedades por serem vistas como mais frágeis e, portanto, mais suscetíveis a invasores. Além disso, o acesso à propriedade também é dificultado para as mulheres, inclusive pelas leis que tratam do acesso a herança e divisão de bens.
O direito à
herança para as mulheres evoluiu com o tempo no Brasil. Historiadoras
explicam que, durante o período colonial, a legislação brasileira ora
facilitava, ora criava grandes obstáculos para que as mulheres tivessem
acesso ao patrimônio familiar.
Naquela época, as mulheres
solteiras dependiam de que não houvesse oposição de parentes do sexo
masculino para usufruir do patrimônio herdado. Apenas com o Código Civil
de 2002 a mulher viúva passou a ter direito à herança, na separação de
bens. Antes, essa divisão era condicionada a ter patrimônio próprio.
Coordenadas pelas professoras Maria Clara Paixão de Sousa e Vanessa Martins do Monte, 24 pesquisadoras fazem parte do grupo atualmente. Elas localizam, decifram e catalogam cartas, documentos e outros registros escritos por mulheres, ou que relatem seu discurso, feitos no período colonial.
No vídeo acima, a coordenadora Vanessa Martins do Monte explica o trabalho do grupo de pesquisa e explica o projeto
Créditos
- Coordenação:
- Carlos Lemos
- Cíntia Acayaba
- Guilherme Gomes
- Marcílio Kimura
- Conteúdo:
- Cíntia Acayaba
- Patrícia Figueiredo
- Narrações:
- Cíntia Acayaba
- Deslange Paiva
- Marina Pinhoni
- Patrícia Figueiredo
- Paula Lago
- Paula Paiva Paulo
- Tahiane Stochero
- Projeto M.A.P.:
- Maria Clara Paixão de Sousa
- Vanessa Martins do Monte
- Vídeo:
- Sávio Ladeira
- Desenvolvimento:
- Diego Marcelo
- Fernanda Feijó
- Igor Apolinário
- Interface:
- Amanda Georgia Paes
- Motion Design:
- Amanda Georgia Paes
- Ilustrações:
- Wagner Magalhães
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