Perumal Gandhi oferece um copo de café com cobertura de espuma que
parece um café com leite como qualquer outro oferecido em uma cafeteria
pela manhã. Mas o leite do copo não veio de uma vaca. Ele foi produzido por fungos.
Gandhi e seu colega Ryan Pandya - ambos, bioengenheiros - são cofundadores de uma start-up chamada Perfect Day. Eles fornecem aos fungos sequências genéticas usadas pelas vacas para produzir certas proteínas do leite, como a proteína do soro.
Em vez de retirar DNA de uma vaca, eles inserem nos fungos genes já decodificados para as proteínas do leite.
Os fungos então produzem as proteínas em um processo de fermentação. O
produto resultante pode ser usado para criar um líquido com propriedades
similares ao leite ou para fabricar sorvetes ou queijos cremosos, sem o
uso de animais.
Conhecida
como agricultura celular, esta técnica faz parte de um grupo cada vez
maior de tentativas de encontrar novas formas de produção de alimentos,
sem empregar animais de criação. A ideia é produzir carne, leite ou
outros produtos sem a necessidade de criação, abate e processamento de
animais.
E esta forma de produção de alimentos poderá também ajudar o planeta. A criação de gado sozinha é responsável por cerca de 14,5% das emissões globais de gases do efeito estufa - e a indústria alimentícia como um todo representa um terço das nossas emissões de carbono.
Levar alimento para bilhões de pessoas todos os dias é uma tarefa
monumental que só tende a crescer cada vez mais, à medida que aumenta a
população humana. Do desmatamento ao transporte, armazenagem e gestão de
resíduos, cada etapa da cadeia alimentícia traz consigo uma alta pegada
de carbono.
Para o mundo atingir o objetivo de zero emissão de carbono até 2050,
como definido no Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, a indústria
alimentícia precisará fazer a sua parte. Como poderemos mudar os alimentos que consumimos à medida que se aproxima a metade do século?
Gandhi e Pandya, residentes em Berkeley, na Califórnia (Estados
Unidos), esperam oferecer parte da solução. Outros cientistas em todo o
mundo alimentam esperanças similares de produzir em laboratório
alimentos que imitem a carne e os laticínios.
A TurtleTree Labs de Singapura, por exemplo, é a primeira empresa do
mundo a usar células-tronco de mamíferos para produzir leite,
incentivando as células a fabricar o produto em enormes biorreatores.
Com menos necessidade de vacas para a produção de leite, espera-se que
esse tipo de solução possa também reduzir a quantidade de metano - um
potente gás do efeito estufa que captura até 25 vezes mais calor que CO2
durante seus primeiros 100 anos na atmosfera - produzida pelos milhões
de vacas existentes mundo durante a digestão dos seus alimentos.
A empresa também afirma que poderá reduzir os custos e emissões do
transporte, pois os biorreatores poderão, em tese, ser instalados mais
perto dos locais de venda do leite que nas fazendas.
Tecnologias similares também estão sendo empregadas para criar carne em
laboratório, cultivando-a a partir de células de animais. Em 2013, o
cientista Mark Post apresentou o primeiro hambúrguer do mundo criado em
laboratório, formado por pequenos feixes de fibras musculares produzidas
com o cultivo de células retiradas de uma vaca.
Post descreveu sua criação como "um começo muito bom" - e, cumprindo a
previsão, sua companhia Mosa Meat pode criar atualmente 80 mil
hambúrgueres com apenas uma amostra de células do tamanho de uma semente
de gergelim.
Existem
cada vez mais pesquisadores tentando criar carne celular de diferentes
animais, incluindo carne de carneiro, porco, peixe e galinha - e esta
última foi aprovada para venda em Singapura em 2020.
Mas as barreiras para que a carne e o leite produzidos com células
cheguem ao mercado são significativas. Atender aos padrões alimentícios
não é fácil quando se lida com alimentos novos, sem falar no aumento de
escala dessa produção complexa - uma tarefa indispensável para quem
quiser sair do laboratório e passar a ser um fornecedor confiável de
alimentos para lojas e supermercados.
Haverá também os desafios de equilibrar os custos associados às
tecnologias envolvidas na produção desse alimento que, por enquanto, só
existe em escala muito pequena. Mas os especialistas afirmam que a carne
produzida com células pode ter o mesmo custo da carne convencional,
quando se atingir a produção em escala.
Se essas dificuldades técnicas puderem ser superadas, parece haver
pessoas dispostas a consumir os alimentos cultivados em laboratório. Um
estudo recente entre consumidores no Reino Unido estimou que a carne
cultivada poderá compor até 40% do consumo anual de carne do país,
considerando a disposição do público para experimentar produtos
cultivados em laboratório.
O que mais pode ser feito?
Os pesquisadores estão desenvolvendo outras inovações que também
poderão ajudar a reduzir as emissões dos alimentos que consumimos.
Cientistas da Nova Zelândia, por exemplo, estão pesquisando uma vacina
que pode ser aplicada a carneiros e vacas para reduzir a quantidade de
gás metano produzida pelos animais. Além disso, a agricultura
regenerativa - que pretende melhorar a saúde do solo usando práticas que
causem menos movimentação da terra - permite que a matéria orgânica do
solo se regenere e a prática de rotação das safras possibilita que o
solo retenha uma variedade maior de nutrientes.
O solo pode reter carbono à medida que a matéria vegetal se decompõe e
permanece na terra. Mas, se o solo for movimentado, por exemplo, com uso
excessivo do arado, esse carbono pode ser liberado de volta para a
atmosfera.
O projeto britânico AgriCaptureCO2 também está desenvolvendo uma forma
de medir o carbono capturado no solo, usando imagens de satélites, dados
dos agricultores e amostras de solo. A intenção é permitir que os
agricultores sejam capazes de rastrear seus esforços para capturar mais
carbono na terra.
Outra inovação importante ocorrida nos últimos anos é a agricultura
vertical. Em vez da luz do sol, as plantas nas fazendas em ambientes
fechados recebem luz de LEDs com comprimentos de onda específicos e suas
necessidades de água e nutrientes são monitoradas pela tecnologia.
As
fazendas verticais podem gerar safras com muito mais rapidez que os
campos, mas também consomem muita energia para iluminação e aquecimento,
segundo Fiona Burnett, professora de patologia vegetal aplicada da
Faculdade Rural da Escócia, no Reino Unido.
Isso significa, segundo ela, que as fazendas verticais somente são
economicamente viáveis nas regiões do mundo onde o clima é tão extremo
que é difícil cultivar produtos com métodos agrícolas tradicionais - ou
em regiões tão remotas que é difícil levar os alimentos até lá.
Atualmente, as fazendas verticais emitem muito CO2, mas estão surgindo
tecnologias que pretendem reduzir essas emissões, retirando energia de
fontes da própria terra, usando baterias para armazenar energia de
fontes renováveis e empregando comprimentos de onda específicos, em
substituição à luz branca, para acelerar o crescimento.
As fazendas verticais também precisarão encontrar seu lugar na cadeia
de fornecimento global, para fornecer o tipo certo de alimento que
precisa de cultivo, segundo Burnett. "Você tem muitas empresas
inovadoras concorrendo nesse mercado. No momento, elas estão separadas
dos agricultores tradicionais, mas existem grandes oportunidades para
que eles possam unir-se e formar melhores conexões para o fornecimento
de alimentos. Isso precisará acontecer", afirma ela.
O papel dos consumidores
Embora soluções de alta tecnologia como essa possam ajudar a reduzir a
pegada de carbono da agropecuária, também serão necessárias algumas
mudanças de comportamento por parte dos consumidores.
"Na virada do século, estávamos produzindo calorias suficientes para
alimentar 10 a 12 bilhões de pessoas, mas tínhamos apenas 7 bilhões de
pessoas no planeta", afirma Tim Benton, diretor do programa de ambiente e
sociedade da organização britânica Chatham House. "A questão era
produzir mais, comer mais, distribuir mais e reduzir os preços."
Agora, precisamos mudar o que comemos para transformar o sistema alimentar, segundo ele.
Cerca de 17% dos alimentos produzidos em todo o mundo em 2019 foram
desperdiçados em vários pontos da cadeia alimentar. Isso representa 931
milhões de toneladas. Pelo menos 61% dos desperdícios ocorreram nas
residências, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
a Agricultura (FAO), enquanto o restante ocorreu durante a colheita,
transporte, processamento e varejo.
Isso significa que, além do desperdício do carbono liberado durante a
produção dos alimentos, mais gases do efeito estufa são liberados para a
atmosfera à medida que esses alimentos se deterioram. Somente no Reino
Unido, o desperdício de alimentos em 2018 foi responsável por cerca de
36 milhões de toneladas de gases do efeito estufa.
Os esforços para reduzir o desperdício de alimentos com melhores
métodos de armazenagem, refrigeração e transporte poderão ajudar a
reduzir as emissões, mas outras mudanças são necessárias para garantir
que seja consumido o máximo possível de produtos comestíveis. Isso
poderá também ajudar a tornar os alimentos mais acessíveis em outras
partes do mundo, especialmente quando são doados aos bancos de alimentos
e outros esforços sociais e de caridade.
Mas isso poderia também significar mudanças fundamentais da nossa
relação com os alimentos, afirma Benton. "Se nós reduzirmos
suficientemente a demanda, não precisaremos ter agricultura muito
intensiva, não precisaremos usar muitos produtos químicos e não teremos
que destruir a biodiversidade", segundo ele.
Por fim, Benton afirma que todo o sistema alimentício precisa mudar,
incluindo como pensamos, embalamos e transportamos os alimentos, como os
regulamentamos e o comercializamos.
"Não é uma bala de prata. Toda a arquitetura de inovação e renovação
dos sistemas de gestão é muito importante para que todo o sistema
alimentar se transforme em um sistema de baixa emissão de carbono",
conclui ele.
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