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domingo, 30 de maio de 2021

'Com mérito', mas sem bolsa: a frustração de quem recorre a 'bicos' e ajuda da família para fazer ciência no Brasil

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Corte de verbas para a ciência e tecnologia no país afeta pesquisadores brasileiros e futuro tecnológico do país. Em último edital, CNPq concedeu bolsas somente a 13% dos projetos aprovados por especialistas.
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TOPO
Por BBC

Postado em 30 de maio de 2021 às 18h30m


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O pesquisador Glauco Meireles quer desenvolver um projeto para estudar a aplicação do estanho em baterias de lítio. "O Brasil está entre as maiores reservas de estanho do mundo. Então, eu quero agregar valor tecnológico a uma matéria-prima nacional para o desenvolvimento de dispositivos tecnológicos", explica Meireles à BBC News Brasil.

Ele, que tem mestrado e doutorado na área da Química, inscreveu o projeto no edital de bolsas de doutorado e pós-doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de 2020.

Para conseguir conduzir o projeto, ele precisaria dedicar, ao menos, oito horas diárias à pesquisa em laboratório durante cinco dias por semana. "Mas na verdade, a gente acaba trabalhando muito mais do que isso", diz.

O comitê que analisou a iniciativa dele apontou que se trata de um tem que colabora para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país. Apesar disso, Meireles não esteve entre os aprovados com bolsa pelo CNPq.

Assim como ele, outros milhares de pesquisadores brasileiros inscritos no edital do CNPq de doutorado e pós-doutorado de 2020 não receberam bolsas para conduzir as pesquisas, mesmo tendo seus projetos elogiados pelos pareceristas (especialistas que avaliam a proposta e emitem uma nota técnica sobre ela).

Dos 4.279 projetos inscritos na chamada de 2020 para o Brasil, 3.080 foram aprovados com mérito por pareceristas. Destes, somente 396 foram selecionados para receber bolsas. Para o exterior foram aprovadas 73 propostas com bolsas, entre as pouco mais de 2 mil inscritas — não foram divulgadas quantas tiveram boas avaliações de pareceristas. Ao todo, segundo o CNPq, foram investidos R$ 35 milhões no edital, que concedeu 469 bolsas.

Enquanto em anos anteriores havia a tradição de diferentes cronogramas para distribuição de bolsas, em 2020 houve somente um. Na chamada de 2019, por exemplo, foram dois cronogramas: o primeiro com 324 bolsas de doutorado e pós-doutorado, totalizando R$ 24,8 milhões, e o segundo com 470 bolsas, com mais R$ 35 milhões.

O CNPq afirma, em nota, que concedeu as bolsas referentes à chamada de 2020 de acordo com o limite de recursos previsto. A entidade argumenta que passa por um período de limitações e incertezas impostas pela pandemia de covid-19, pois não sabe quando haverá retorno "da normalidade das atividades acadêmicas e, principalmente, para a mobilidade dos pesquisadores, em especial para o interior".

O número de bolsas frustrou pesquisadores que tiveram avaliações positivas dos pareceristas, mas não conseguiram recursos do CNPq para conduzir seus projetos. Muitos tiveram de recorrer a trabalhos como professores, outros passaram a fazer serviços pontuais para ter alguma renda e alguns até precisaram pedir ajuda financeira aos parentes.

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a distribuição de bolsas no edital de doutorado e pós-doutorado de 2020 é um exemplo das dificuldades enfrentadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), ao qual o CNPq é vinculado, que sofreu frequentes cortes de recursos nos últimos anos.

"É a crise mais grave no setor desde as décadas de 1950 e 60, quando começou o fomento à ciência e tecnologia. Ao longo da trajetória, houve um período de altos e baixos, mas nunca houve uma crise como a atual. É um colapso do sistema", afirma o cientista político Luis Fernandes, ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Sem bolsas, muitos pesquisadores precisam reavaliar suas carreiras. "A vida deles é estressante, porque não há recursos. Se você olhar a sinalização do futuro para o jovem é péssima", diz a vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader.

Em nota, o CNPq afirma que planeja lançar uma chamada em 2021 para contemplar R$ 35 milhões para pesquisas de doutorado e pós-doutorado no Brasil e no exterior, após recente liberação de créditos suplementares deste ano (aqueles que precisam de aprovação do Congresso) para bolsas e projetos. Segundo o CNPq, essa chamada seria uma forma de complementar a de 2020.

'Sem a bolsa não tem como sobreviver'

Gabriela Lopes tem feito trabalhos como ilustradora e corrigido textos acadêmicos para garantir renda após não conseguir bolsa — Foto: Arquivo Pesoal
Gabriela Lopes tem feito trabalhos como ilustradora e corrigido textos acadêmicos para garantir renda após não conseguir bolsa — Foto: Arquivo Pesoal

O CNPq pagou, no ano passado, 79,6 mil bolsas em diversas modalidades. O recurso é fundamental para os pesquisadores, pois é a fonte de renda deles. O valor varia conforme a formação: para doutorado, por exemplo, corresponde a R$ 2,2 mil, enquanto para pós-doutorado sênior pode chegar a R$ 4,4 mil.

Situações como demora para o lançamento de editais, atraso em pagamentos ou pouca concessão de bolsas são consideradas extremamente prejudiciais para o avanço da ciência, da tecnologia e da inovação no Brasil.

"Sem a bolsa não tem como sobreviver, visto que a dedicação é exclusiva", explica Glauco Meireles. Se ele conseguisse a bolsa, receberia o valor correspondente ao pós-doutorado júnior: R$ 4,1 mil mensais.

A bolsa do CNPq era a prioridade do pesquisador para 2021. "Para fazer um projeto sem bolsa, este precisaria ser dividido em 20 horas semanais no laboratório e 20 horas semanais trabalhando. Mas na atual conjuntura é muito difícil conseguir um trabalho de 20 horas semanais que pague suficientemente bem. É economicamente inviável", explica.

O projeto que Meireles inscreveu no edital relaciona dois temas nos quais ele se aprofundou nos últimos anos. Entre 2012 e 2017, durante o mestrado e doutorado, ele pesquisou sobre o estanho. Nos anos seguintes, trabalhou com baterias de lítio, usadas em carros elétricos, smartphones, notebooks e câmeras digitais.

Por meio do conhecimento adquirido nos últimos anos, decidiu estudar uma relação entre estanho e baterias de lítio.

"É um estudo de uma técnica de obtenção do óxido de estanho com potencial aplicação em baterias de lítio. Essas baterias são estudadas pela capacidade de carga que possuem e são consideradas a principal alternativa para a aplicação em baterias de carro elétrico, além de ter outras aplicações, como em relógios ou celulares", explica o pesquisador.

O projeto obteve nota final 8,94 e arrancou elogios dos pareceristas. "Reconheceram como uma iniciativa importante para a ciência, para não deixar o Brasil ser apenas um país exportador de commodities", relata.

Em meados de 2020, Meireles, de 31 anos, havia ficado desempregado após finalizar o contrato em uma pesquisa sobre baterias de lítio. Por alguns meses, ele usou as economias que guardara ao longo dos últimos anos. Para reduzir as despesas, deixou a casa em que vivia sozinho em Curitiba (PR) e passou a morar com amigos na mesma cidade.

Para ele, a bolsa representaria um alívio por conduzir um projeto próprio e se sustentar por meio disso.

"A gente que faz mestrado e doutorado na área de pesquisa científica tem vontade de continuar. Como são pouquíssimas empresas que reconhecem a importância dessa área e investem nela, a gente fica dependente das agências de fomento estadual e federal, que estão com orçamento cada vez menor", diz o pesquisador.

Em março deste ano, Meireles começou a trabalhar como professor de ensino fundamental e médio em uma escola de Curitiba. Caso recebesse bolsa do CNPq, ele teria de abandonar o emprego e se mudar para Florianópolis (SC), pois executaria o seu projeto em um laboratório da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O resultado negativo do CNPq causou frustração no pesquisador. Ele teve de abandonar o projeto, ao menos por enquanto, e continuar trabalhando como professor em Curitiba. Agora, afirma que segue à espera de novos editais. "Mas sem muitas expectativas, porque está grande o corte no orçamento destinado à pesquisa."

Enquanto Meireles se sustenta como professor, outros pesquisadores têm dificuldades adicionais.

"A minha última bolsa acabou em dezembro de 2020. Consegui dar apenas um curso online em março. Portanto, dependo dos recursos economizados ao longo dos anos, além do apoio familiar e do companheiro. Porém, aos 50 anos, convenhamos que isso é humilhante", desabafa Luiza Alvim. Ela estuda a relação entre a música e o cinema e tem pós-doutorado na área. Mesmo com parecer positivo no edital de 2020 do CNPq, não conseguiu bolsa.

Gabriela Lopes, que tem doutorado em literatura e cultura, faz trabalhos informais de ilustração digital e corrige trabalhos acadêmicos. Ela avalia que consegue, no máximo, R$ 1 mil por mês com essas ocupações. "Mas não é (um valor) certo", diz.

Em 2020, ela trabalhou como professora substituta na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Neste ano, retornou para a casa da mãe, em Minas Gerais, após o fim do contrato como docente. "Infelizmente, ainda que meu projeto tenha sido elogiado e aprovado fora do orçamento, sem a bolsa eu continuo em uma situação de definhar financeiramente", diz a pesquisadora, de 29 anos.

Os problemas pela falta de bolsa, diz Gabriela, afetaram a sua saúde física e mental. "Infelizmente, pela condição dos meus pais (que têm problemas de saúde), não posso ter como estratégia procurar oportunidade fora do país, como já pude antes", comenta.

"Para mim, fica evidente que a falta de investimento em pesquisa e no ensino público deixará a classe trabalhadora científica, principalmente doutoras e doutores, que não são absorvidos pelo mercado, fadados ao descaso e ao desemprego", declara Gabriela.

A reportagem apurou que entre os projetos elogiados por pareceristas, mas que não conseguiram recursos do CNPq, estão iniciativas de diferentes áreas, como física, astronomia, química, literatura, comunicação, entre outras.

O CNPq afirma que os resultados de todas as chamadas passam por várias etapas até a definição das propostas contempladas. Segundo o órgão, "há desde avaliação da documentação, quanto ao atendimento dos requisitos previstos na chamada até o julgamento do mérito científico de cada proposta, feito pelos comitês".

De acordo com o CNPq, a última etapa é a seleção das propostas avaliadas com mérito, dentro dos recursos previstos em cada chamada.

"O CNPq respeita integralmente o ranking estabelecido pelos comitês, contemplando, em um processo competitivo, historicamente entre 10% a 20% dos projetos da demanda qualificada, em observância aos recursos disponíveis em cada chamada, em um cenário de excelência reconhecida na ciência, com pesquisadores de altíssima qualidade", afirmou o presidente do CNPq, Evaldo Vilela, em recente comunicado do órgão.

Cortes de recursos para a ciência e tecnologia

As dificuldades para concessão de bolsas são explicadas por uma situação que se tornou recorrente nos últimos anos: o corte de recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Em 2021, os recursos discricionários (que não são obrigatórios, dependem da disponibilidade de verbas e são usados para áreas como as pesquisas) do ministério correspondem a R$ 2,8 bilhões, sendo que 49% desse valor depende de créditos suplementares (que precisam de aprovação do Congresso). Em 2020, a pasta tinha verba de R$ 3,6 bilhões.

Os números mais recentes representam uma forte queda na pasta quando comparados a 2014, período em que esses recursos discricionários do MCTI correspondiam a R$ 8,7 bilhões — nos anos seguintes o país reduziu cada vez mais o investimento em ciência, tecnologia e inovação.

O orçamento do CNPq para este ano é de R$ 1,2 bilhão — 55% dependentes de créditos suplementares. Para bolsas de pesquisas serão destinados R$ 944 milhões, valor 12% menor que o do ano passado. Conforme levantamento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o recurso total destinado ao órgão em 2021 é cerca de 8% menor que o do ano passado, que já era inferior aos períodos anteriores.

Disputa por verbas

A principal expectativa do MCTI para amenizar o cenário de redução de verbas e cortes de bolsas é a liberação de R$ 5,1 bilhões referentes a cerca de 90% do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), uma das principais fontes de recursos da ciência e tecnologia no país.

O FNDCT é obtido por meio de impostos e tributações de setores que exploram recursos naturais e outros bens da União.

Cerca de 90% do recurso do FNDCT deste ano foi colocado em uma reserva de contingência por determinação do governo federal. A principal alegação do Ministério da Fazenda é de que a liberação desse montante estoura a regra do teto de gastos.

Em março deste ano, o Legislativo proibiu, por meio de uma Lei Complementar, o contigenciamento do FNDCT e apontou que o fundo deve ser encaminhado ao MCTI.

Porém, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021 um dia antes da publicação da Lei Complementar sobre o FNDCT no Diário Oficial. Desta forma, a proibição do contigenciamento não foi incluída na LOA.

Especialistas da área da ciência e tecnologia, o MCTI e o CNPq cobram o repasse do FNDCT.

Em carta divulgada nesta semana, entidades da área de Ciência, Tecnologia e Inovação pediram que os R$ 5,1 bilhões "sejam imediatamente e integralmente liberados para a função estabelecida em lei, que é o financiamento da pesquisa científica e tecnológica".

"Os avanços da ciência, tecnologia e inovação têm se mostrado imprescindíveis para a superação da crise sanitária, econômica e social, em razão da pandemia de covid-19", diz trecho da carta.

"O sistema nacional de ciência e tecnologia, consolidado nas últimas décadas, está em vias de colapso. Os sucessivos cortes orçamentários precarizam universidades e institutos de pesquisa, afetando seriamente a pesquisa realizada nessas instituições e a formação adequada de profissionais. O investimento escasso em P&D (pesquisa e desenvolvimento) prejudica a inovação e a recuperação da economia".

O cientista político Luis Fernandes avalia a atual situação da ciência e tecnologia no Brasil como dramática e aponta que o principal impacto desse cenário é que o país deixa de construir o próprio futuro.

"O que caracteriza uma sociedade e o conhecimento é, cada vez mais, a geração de valor. Se não investirmos em capacidade científica para inovação autônoma, o país fica condenado a se inserir na economia mundial sem capacidade de gerar empregos mais capacitados", declara o ex-presidente da Finep.

O especialista diz que um dos agravantes para o atual cenário foi a falta de preocupação do governo Jair Bolsonaro com a ciência e a tecnologia. Mas Fernandes avalia que um fator já prejudicava duramente o segmento no país na gestão anterior: a regra do teto de gastos governamentais adotada durante o governo Michel Temer (MDB).

"Esse estabelecimento de um teto define que a expansão de gastos governamentais sempre é condicionada ao limite da inflação, mas libera o pagamento da dívida pública. Com isso, transfere recursos do setor produtivo e de serviços do país para remunerar aplicações de dívidas públicas nacionais", diz Fernandes.

"Como o teto de gastos é muito baixo, existe uma disputa por recursos extremamente escassos. Normalmente, o atendimento é emergencial e não estruturante para o futuro do país. Assim, ciência e tecnologia são sacrificadas duramente", acrescenta o especialista.

Segundo Fernandes, duas mudanças são fundamentais: o governo federal enxergar a área da ciência e tecnologia como motor do desenvolvimento do país e uma revisão do Poder Legislativo ao teto de gastos.

"Essa emenda constitucional do teto de gastos públicos vai contra o futuro do Brasil, porque impõe meta de estabilização a curto prazo. Isso prejudica projetos a longo prazo para o desenvolvimento do país", opina.

Fernandes afirma que a liberação integral de recursos do FNDCT nos próximos anos não será suficiente para superar a crise do setor se não houver recomposição dos orçamentos do MCTI e do Ministério da Educação.

"Os recursos captados pelos Fundos Setoriais (base do FNDCT) se destinam a investimentos em ações estratégicas complementares às linhas orçamentárias regulares e contínuas do governo. Eles não se destinam a cobrir cortes do CNPq ou da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, vinculada ao Ministério da Educação)", detalha o cientista político.

Extremamente importante para o fomento da pesquisa no país, a Capes também enfrenta muitas dificuldades financeiras em meio a cortes do governo relacionados à Educação.

Um levantamento recente do G1 apontou que o orçamento do Ministério da Educação destinado às despesas discricionárias das universidades federais em 2021 teve redução de 37% se comparadas às de 2010 corrigidas pela inflação. A situação torna a área de ciência cada vez mais precária, pois afeta laboratórios, equipamentos e bolsas para pesquisadores.

Somente neste ano, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), houve corte de R$ 1 bilhão no repasse às universidades federais do país.
Diante da falta de investimento na ciência no Brasil, muitos pesquisadores têm buscado oportunidades em outros países — Foto: GETTY IMAGES via BBC
Diante da falta de investimento na ciência no Brasil, muitos pesquisadores têm buscado oportunidades em outros países — Foto: GETTY IMAGES via BBC

O futuro da ciência no Brasil

A queda nos números de bolsas de pesquisa no país representa um duro retrocesso que levará, ao menos, 10 anos para ser revertido, avalia Celso Pansera, ex-ministro de Ciência e Tecnologia no governo Dilma Rousseff (PT), durante o fim de 2015 e abril de 2016.

"Digamos que comecem a recuperar os investimentos [do governo federal] no ano que vem. Levará pelo menos uma década para recuperar o nível que tínhamos em anos anteriores, [quando havia crescimento no setor]", afirma Pansera à BBC News Brasil.

"Em 2015, a execução para bolsas, pesquisas e desenvolvimento era de R$ 1,6 bilhão. Em 2020 caiu para R$ 1,1 bilhão. Agora, em 2021, é de pouco mais de R$ 900 milhões. Essa queda é enorme. Programas de pós-graduação foram abandonados, bolsas não foram renovadas e não foram lançados editais para novas bolsas. Isso vai minguando o sistema", acrescenta.

Ele destaca que enquanto o CNPq atualmente possui pouco menos de 80 mil bolsas, em 2014 eram quase 105 mil. "O setor vai paralisando e morrendo por inanição. Os alunos que não têm bolsa, e não conseguem se sustentar sem elas, vão sendo expulsos desse sistema", declara.

Com poucas oportunidades no Brasil, muitos cientistas decidem ir para outros países em busca de oportunidades na área da ciência e tecnologia.

Em grupos de pesquisadores brasileiros, é comum que eles troquem dicas para que possam deixar o país. "Recentemente me candidatei a duas vagas no exterior e estou aguardando se recebo algum retorno", conta o pesquisador Glauco Meireles.

Países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — como Alemanha, França, Itália, Estados Unidos, Reino Unido, entre outros —, da qual o Brasil almeja fazer parte, investem, em média, mais de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento. Já países reconhecidamente inovadores, como Coreia do Sul e Israel, investem mais de 4% na área.

O Brasil, conforme a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), investiu pouco mais de 1% do PIB em pesquisa e desenvolvimento em 2018. Em 2020, estima-se que o investimento tenha sido ainda menor.

"O Brasil usou em torno de 0,5% a 0,7% do PIB nessa área no ano passado. Isso não é investimento, porque não dá nem para a sobrevivência", declara Helena Nader, da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

"O problema do Brasil é que nos últimos anos, não apenas no governo Bolsonaro, há uma cultura de que Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação são gastos. Outras nações encaram isso como investimento", completa Helena.

"O grosso do investimento nas universidades dos Estados Unidos ou na Europa é de dinheiro público. O investimento do setor privado nas universidades e institutos diz respeito a perguntas e interesses da própria indústria, que ainda assim recebe incentivo (dos governos locais) para investir em inovação. Inovação é atividade de risco, os países desenvolvidos sabem disso e por isso investem", diz.

"O investimento em ciência, tecnologia e inovação leva tempo, é uma forma de olhar para o futuro. Não é como uma estrada, que começa e acaba em um prazo. O Brasil está na contramão nesse sentido", acrescenta a vice-presidente da ABC.

Nesse cenário, Helena afirma que é comum que muitos pesquisadores optem por deixar o Brasil quando conseguem oportunidades. "Conheço quatro brilhantes cientistas que foram embora para os Estados Unidos ou para a Inglaterra nos últimos anos", declara.

"Com essa falta de visão sobre a ciência e a educação no Brasil, vai acontecer muita fuga de cérebros, porque os nossos estudantes são muito bons e ganham bolsa no exterior facilmente."

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Dia da Mata Atlântica: SC perde 887 hectares e é o 4º estado que mais desmatou entre 2019 e 2020

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Dados são do relatório do Atlas da Mata Atlântica que mostra aumento em 25% do índice de desmatamento em comparação ao ano anterior. 'Ficar entre os 5 principais desmatadores é vergonhoso', diz biólogo.
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Por Caroline Borges e Carolina Fernandes, G1 SC

Postado em 30 de maio de 2021 às 17h00m


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Bioma da Mata Atlântica em Florianópolis (SC) — Foto: Pedro Peloso/Arquivo Pessoal
Bioma da Mata Atlântica em Florianópolis (SC) — Foto: Pedro Peloso/Arquivo Pessoal

Dos 17 estados brasileiros que têm a Mata Atlântica presente no território, Santa Catarina é o quarto que mais desmatou o bioma entre 2019 e 2020. Segundo uma pesquisa divulgada na quarta-feira (26) em alusão ao Dia da Mata Atlântica comemorado nesta quinta-feira (27), o estado perdeu 887 hectares no período.

Em comparação ao relatório do Atlas da Mata Atlântica de 2018 a 2019, o estado aumentou em 25% o índice de desmatamento. Um ano antes foram destruídos de forma irregular 710 hectares em Santa Catarina.

Para o biólogo e ex-professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), João de Deus, o resultado no Atlas não era esperado

"Temos áreas já alteradas mais do que suficientes para acomodar atividades e empreendimentos. Não é razoável que tenhamos ainda o estado e municípios autorizando supressão de vegetação de Mata Atlântica. Ficar entre os 5 principais desmatadores de Mata Atlântica é vergonhoso", afirmou o biólogo.

Até a noite desta quinta, o G1 tentava contato com o Instituto do Meio Ambiente do estado para posicionamento em relação aos dados.
Figura mostra (em verde) a área de mata perdida entre 2019 - 2020 em Santa Catarina  — Foto: Atlas da Mata Atlântica/Reprodução
Figura mostra (em verde) a área de mata perdida entre 2019 - 2020 em Santa Catarina — Foto: Atlas da Mata Atlântica/Reprodução

A pesquisa, que é realizada desde 1989, mostrou variação dos índices de destruição ao longo dos anos no estado. Nos últimos dez anos, a menor marca registrada de desmatamento foi de 499 hectares, entre 2011-2012 (veja mais abaixo).

Santa Catarina conserva 2.183.862 hectares de áreas de florestas remanescentes da Mata Atlântica. O bioma abriga diversas formações florestais como restingas, manguezais e campos de altitude e está presente nas áreas urbanas e rurais do estado.

Desmatamento da Mata Atlântica em SC

Ano Desmatamento (hectares)
19-20 887
18-19 710
17-18 905
16-17 595
15-16 846
14-15 598
13-14 692
12-13 672
11-12 499
10-11 568

O levantamento foi feito por meio de imagens de satélite e tecnologias na área da informação, do sensoriamento remoto e do geoprocessamento. O objetivo é determinar a distribuição espacial dos remanescentes florestais e de ecossistemas associados da Mata Atlântica, monitorar as alterações da cobertura vegetal e gerar informações permanentemente aprimoradas e atualizadas desse bioma.

O estudo é uma iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica em convênio com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), unidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações - MCTI iniciada em 1989.

"A manutenção de um alto patamar de perda da vegetação nativa da Mata Atlântica, com o aumento do desmatamento em alguns estados, mantém o bioma em um grau elevado de ameaça e risco. [...] a proteção e a restauração do bioma são fundamentais para garantir serviços ecossistêmicos para 70% da população que vivem em seus domínios e 80% da economia brasileira", aponta o relatório.

Importância Mata Atlântica em SC

Mata Atlântica em Balneário Camboriú (SC) — Foto: Luíza Fregapani/G1 SC
Mata Atlântica em Balneário Camboriú (SC) — Foto: Luíza Fregapani/G1 SC

O biólogo João de Deus explica que a preservação da Mata Atlântica é essencial para manutenção de organismos importantes para polinização que realizam o controle de herbívoros, o que gera reflexos diretos na agricultura.

"A sequência de períodos de estiagem nos mostra claramente a importância da Mata Atlântica para a segurança hídrica, com reflexos diretos na produção industrial e agropecuária e, sem dúvida, na qualidade de vida de todo cidadão catarinense"

Na área costeira do estado, segundo João, também tem interferência da mata na proteção das restingas e manguezais. É ela que evita a erosão costeira e garante até a sustentabilidade das atividades ligadas à pesca, de acordo com ele.

"A redução da poluição e manutenção da qualidade do ar também se vincula diretamente a manutenção de remanescentes de vegetação nativa. [...] Para isso é essencial fortalecer as entidades organizadas da sociedade civil, para ter maior atuação com a geração dessas demandas, tentando frear medidas tomadas pelo estado que contribuem para a ampliação dessa degradação da Mata Atlântica em Santa Catarina", conclui.

Tulsa: Massacre que destruiu a 'Wall Street negra' completa 100 anos ainda pouco conhecido

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Em 31 de maio de 1921, multidão de brancos invadiu e destruiu o distrito de Greenwood, que na época era uma das comunidades negras mais prósperas do país; episódio pouco conhecido da história dos EUA foi retratado em série da HBO.
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TOPO
Por BBC

Postado em 30 de maio de 2021 às 15h40m


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Teatro completamente destruído durante o ataque à "Wall Street negra" — Foto: DIVULGAÇÃO/GREENWOOD CULTURAL CENTER
Teatro completamente destruído durante o ataque à "Wall Street negra" — Foto: DIVULGAÇÃO/GREENWOOD CULTURAL CENTER

Um dos piores capítulos na longa história de violência racial nos Estados Unidos, e que até pouco tempo atrás muitos americanos nunca tinham ouvido falar, completa agora 100 anos.

Em 31 de maio de 1921, na cidade de Tulsa, no Estado de Oklahoma, uma multidão de pessoas brancas invadiu e destruiu o distrito de Greenwood, que na época era uma das comunidades negras mais prósperas do país, apelidada de "Wall Street Negra".

A violência se estendeu por 18 horas, durante as quais mais de mil casas e estabelecimentos comerciais foram saqueados e incendiados. Alguns historiadores calculam que até 300 pessoas tenham sido mortas.

Cerca de 10 mil ficaram desabrigadas.

Na semana passada, uma mulher de 107 anos, a sobrevivente mais antiga do massacre, foi ao Congresso dos Estados Unidos "para buscar justiça".

"Estou aqui para pedir ao meu país que reconheça o que aconteceu em Tulsa em 1921."

O episódio, ausente de livros escolares durante décadas, voltou a ganhar atenção quando foi tema do capítulo inicial da série Watchmen, da HBO. Muitos espectadores confessaram que não sabiam do que se tratava.

Uma das atrizes da série, Regina King, à época, chegou a tuitar uma reportagem sobre o tema, depois de ver "tantos tuites (dizendo) que Watchmen era a primeira vez que ouviam sobre a 'Wall Street Negra' e que não tinham ideia de que a abertura (da série) mostrava o massacre de Tulsa, que não foi ensinado em aulas de história nos Estados Unidos".

Prosperidade

A Tulsa do início da década de 1920 era uma cidade moderna de mais de 100 mil habitantes. Alguns anos antes, a descoberta de poços de petróleo havia enriquecido muitos moradores brancos e também alguns negros que tinham terras na área.
Moradores tiveram que viver em barracas após destruição — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC
Moradores tiveram que viver em barracas após destruição — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC

Mas esse era um período de violência racial, com linchamentos e rígidas leis de segregação, que proibiam que negros frequentassem os mesmos ambientes que a população branca. Assim como em várias outras cidades americanas, os trilhos da ferrovia marcavam a separação entre a parte negra e a parte branca da cidade.

O distrito de Greenwood ficava ao norte dos trilhos. A partir de 1905, a área começou a atrair comerciantes e empreendedores negros, dando início ao que ficaria conhecido como a "Wall Street Negra", uma das mais bem-sucedidas comunidades negras em um país que somente poucas décadas antes havia abolido a escravidão.

Segundo o historiador Scott Ellsworth, autor do livro Death in a Promised Land: The Tulsa Race Riot of 1921 ("Morte em uma terra prometida: o tumulto racial de Tulsa de 1921", em tradução livre), a maioria dos 10 mil residentes negros da cidade vivia em Greenwood.

"Um bairro vibrante que abrigava dois jornais, várias igrejas, uma biblioteca e vários estabelecimentos comerciais que pertenciam a proprietários negros", escreveu Ellsworth em um artigo para a Oklahoma Historical Society (Sociedade Histórica de Oklahoma).

Os 40 quarteirões que formavam a chamada "Wall Street Negra" eram pontuados por hotéis, restaurantes, joalherias e cerca de 200 estabelecimentos comerciais de pequeno porte, como farmácias, armarinhos, lavanderias, barbearias e salões de beleza. Havia até um cinema.

As casas elegantes de Greenwood eram endereço de muitos médicos, dentistas, advogados e outros profissionais negros de renome. "A. C. Jackson era considerado o melhor cirurgião negro do país. Simon Berry era um piloto negro que tinha seu próprio avião e era proprietário de um serviço de transportes", disse à BBC News Brasil no ano passado a diretora de programação do centro cultural de Greenwood, Mechelle Brown.

"Era extraordinária a prosperidade que existia na comunidade negra de Tulsa na época", afirmou Brown.

Tensão racial e ressentimento

Mas Ellsworth observa que Tulsa também tinha problemas, com altas taxas de criminalidade e casos de linchamento, inclusive o de um jovem branco acusado de assassinato e morto por uma multidão branca meses antes do massacre em Greenwood.

Dajour Ashwood, Steven Norfleet and Alexis Louder em cena da série “Watchmen”, da HBO — Foto: DIVULGAÇÃO/MARK HILL/HBO via BBC
Dajour Ashwood, Steven Norfleet and Alexis Louder em cena da série “Watchmen”, da HBO — Foto: DIVULGAÇÃO/MARK HILL/HBO via BBC

Historiadores ressaltam que, nessa época, em todo o país, havia ressentimento por parte de muitos brancos com o fato de alguns negros serem bem-sucedidos. Os anos anteriores já haviam registrado dezenas de conflitos raciais em diversas cidades americanas, com centenas de negros mortos.

"Muitos brancos tinham inveja do sucesso dos afro-americanos, faziam comentários do tipo 'como esses negros ousam ter um piano de cauda em sua casa se eu não tenho um piano na minha?'. Também acreditavam que os afro-americanos estavam roubando seus empregos", diz Mechelle Brown.

Ela ressalta ainda que o grupo supremacista branco Ku Klux Klan tinha muita força nos anos 1920. A primeira Ku Klux Klan operou entre as décadas de 1860 e 1870, durante o período de Reconstrução. Em 1915, foi fundada a segunda versão do grupo. "Muitos líderes municipais, policiais, bombeiros eram membros da Ku Klux Klan", afirmou Brown.

Segundo Ellsworth, a "explosão de violência" em Greenwood foi um entre vários episódios semelhantes ao redor do país. "Ocorreu durante uma era de profundas tensões raciais, caracterizada pelo nascimento e rápido crescimento da chamada segunda Ku Klux Klan e pelos esforços determinados de afro-americanos para resistir aos ataques contra suas comunidades, particularmente na questão de linchamentos", escreveu o historiador.

Gritos no elevador

O episódio que provocou o massacre em Greenwood ocorreu em 30 de maio de 1921. Naquela tarde, um engraxate negro chamado Dick Rowland, de 19 anos, pegou o elevador no Drexel Building, prédio onde ficava o único banheiro que os negros tinham permissão para usar no centro da cidade. A ascensorista, uma jovem branca chamada Sarah Page, deu um grito.

Guarda nacional com negros detidos após o massacre — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC
Guarda nacional com negros detidos após o massacre — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC

Segundo Ellsworth, não se sabe o que causou a reação da moça, mas "a explicação mais comum é que Rowland pisou no pé de Page ao entrar no elevador, fazendo com que ela gritasse".

Rowland foi detido e, no dia seguinte, o jornal Tulsa Tribune noticiou que ele havia tentado estuprar Page. "Além disso, segundo testemunhas, o Tribune também publicou um editorial, hoje perdido, intitulado 'Negro será linchado esta noite'", escreveu Ellsworth.

Uma multidão de brancos se dirigiu à cadeia, mas o xerife se recusou a entregar o prisioneiro. Ao ficarem sabendo disso, dezenas de homens negros de Greenwood, muitos deles veteranos da Primeira Guerra Mundial que estavam armados, também se dirigiram até a cadeia, para ajudar a proteger Rowland. A ajuda foi recusada pelo xerife.

"Quando (os negros) estavam indo embora, um homem branco tentou desarmar um veterano negro, e um tiro foi disparado. O tumulto começou", relatou Ellsworth.

Destruição

Frustrados por não terem conseguido linchar Rowland, brancos armados começaram a atacar negros aleatoriamente, atirando contra pessoas e casas. De acordo com Ellsworth, as autoridades pouco fizeram para conter o conflito nessas primeiras horas, concentrando-se em proteger bairros com moradores brancos — que não estavam sob ataque.

Outrora vibrante, a região ficou reduzida a escombros — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC
Outrora vibrante, a região ficou reduzida a escombros — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC

Quando a madrugada de 1º de junho chegou, a multidão enfurecida já reunia milhares, e se dirigiu a Greenwood. Segundo testemunhas, os invasores atearam fogo às casas e lojas. Objetos de valor foram roubados, e o resto destruído. Pelo menos uma metralhadora e até aviões foram usados nos ataques.

Sobreviventes relataram ter visto homens, mulheres e crianças mortos a tiros ao tentar escapar das chamas, entre eles A. C. Jackson, o renomado cirurgião negro, que foi alvejado ao sair de sua casa com as mãos para cima e se render a um grupo de homens brancos. O corpo de bombeiros não respondeu aos chamados de emergência.

"Quando o reforço da guarda nacional chegou a Tulsa, às 9:15 da manhã, a maior parte de Greenwood já havia sido destruída", escreveu Ellsworth. "Quando a violência finalmente chegou ao fim, a cidade estava sob lei marcial, milhares de cidadãos haviam sido detidos por guardas armados e a segunda maior comunidade afro-americana do Estado havia sido reduzida a cinzas."

Até hoje não há consenso sobre o número de vítimas. Um relatório publicado em 2001 por uma comissão que investigou o episódio diz que foi possível confirmar 39 mortos, sendo 26 negros e 13 brancos, mas que as estimativas anteriores, de até 300 vítimas, podem ser verdadeiras - já que muitos corpos podem ter sido jogados em valas comuns e no rio Arkansas, conforme o relato de testemunhas.

Os sobreviventes do massacre foram detidos e levados a acampamentos. Os moradores de Greenwood declararam prejuízo de US$ 1,8 milhão de dólares na época, mas as seguradoras se recusaram a pagar.

Sarah Page, a ascensorista, retirou a acusação contra Dick Rowland, e ele não foi indiciado. Mas, mesmo assim, as autoridades decidiram que os negros eram os culpados pela violência, classificada como um motim racial. Nenhum dos invasores brancos jamais foi responsabilizado.

Esquecimento e investigação

Segundo Ellsworth, a maior parte da população negra de Tulsa ficou desabrigada após o episódio, mas dias depois já começaram a trabalhar na reconstrução de sua comunidade em Greenwood. Muitos se mudaram para barracas nos terrenos onde originalmente ficavam suas casas.

Registro histórico da destruição em Tulsa — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC
Registro histórico da destruição em Tulsa — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC

"Eles estavam determinados a ficar em Greenwood", diz Mechelle Brown. "E em 1925, a comunidade afro-americana já havia reconstruído Greenwood completamente."

Mas muitas famílias nunca se recuperaram. Com o tempo, o massacre caiu no esquecimento e o assunto virou tabu.

"Os brancos não queriam falar sobre isso, muito tinham vergonha do que tinha acontecido", observa Brown. "Os negros também não queriam falar sobre isso. Eles diziam que era muito doloroso, e que para seguir em frente e reconstruir era preciso colocar essa parte da história no passado."

Em 1997, uma comissão estadual formada para investigar o episódio recomendou o pagamento de reparações aos sobreviventes. Também encontrou evidências de valas comuns e recomendou escavações para confirmar sua existência, mas as autoridades na época decidiram não ir adiante com nenhuma das recomendações.

Agora, às vésperas de completar cem anos, o massacre está sendo investigado novamente. No ano passado, o prefeito de Tulsa, o republicano G.T. Bynum, anunciou a reabertura do que chamou de uma "investigação de homicídio". Cientistas estão usando radares de penetração no solo para tentar encontrar as valas comuns. A investigação deve ser concluída até janeiro.

O país inteiro vai estar olhando para Tulsa em 2021, na comemoração de cem anos, para ver como a cidade abordou essa história, como mudamos, o que aprendemos", observa Brown.
A Oklahoma Historical Society reúne uma série de registros históricos do conflito — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC
A Oklahoma Historical Society reúne uma série de registros históricos do conflito — Foto: OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY via BBC

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