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domingo, 31 de março de 2024

Juros, surpresa com EUA e intervenções: o que explica a saída de dinheiro estrangeiro da bolsa brasileira

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Investidores internacionais tiraram mais de R$ 20 bilhões de ações listadas na B3, a bolsa de valores brasileira.
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Por Raphael Martins, g1

Postado em 31 de março de 2024 às 06h15m

#.*Post. - N.\ 11.156*.#


Bolsa perde mais de R$ 22 bilhões de capital em 2024

Os investidores estrangeiros tiraram mais de R$ 20 bilhões da bolsa brasileira neste primeiro trimestre, mostram os dados da B3. Trata-se de uma virada de humor dos estrangeiros com o país, logo depois de uma série de fechamentos em pontuação recorde no ano passado.

Analistas ouvidos pelo g1 atribuem a situação majoritariamente a fatores externos, mas com um bomtemperode problemas nacionais.

São três questões principais:

  • Sempre depois de um momento de alta, vêm os períodos de realizações de lucro de investidores e ajuste de posições;
  • Houve uma reavaliação da situação econômica e do patamar de juros nos Estados Unidos, que deslocou recursos para lá;
  • O quadro fiscal brasileiro e as intervenções do governo federal em empresas de peso no índice de ações trouxeram prejuízo extra ao país.

Para entender, é preciso voltar um pouco no tempo. No fim do ano, a economia global sinalizava para um momento de arrefecimento da inflação e possibilidade de corte de juros mais cedo em economias desenvolvidas.

Nos EUA, havia expectativa de que o Federal Reserve (Fed) começasse a reduzir os juros americanos em março. A mensagem para investidores era a de que as Treasuries americanas, títulos de renda fixa mais seguros do mundo, logo passariam a pagar menos.

Na Europa, a inflação dava sinais de alívio, e o Banco Central Europeu (BCE) passou também a considerar o início dos cortes de juros.

No mercado financeiro, tudo se antecipa. E ambos os fatos beneficiam as bolsas porque, com juros menores, é preciso tomar mais risco para que os investidores garantam uma boa rentabilidade.

Assim, países emergentes voltam a ser considerados, pois suas empresas mais rentáveis podem garantir um bom dinheiro. E o alívio do cenário externo somou-se a bons indicadores brasileiros.

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro veio acima do esperado, a inflação de serviços mostrava desaceleração e o país já estava em meio a um ciclo de corte da taxa básica de juros desde agosto.

O Ibovespa, principal índice acionário da bolsa de valores brasileira, passou por uma arrancada no fim de 2023. De volta aos dados de investimentos estrangeiros, entraram quase R$ 40 bilhões nos últimos dois meses do ano.

Só no mês de dezembro, o Ibovespa acumulou ganhos de mais de 5% e bateu sucessivos recordes de pontuação. Terminou o ano com ganho de mais de 22%.

Na virada para 2024, quase todos esses fatores mudaram.

Bolsa de valores de SP nesta segunda-feira (2). — Foto: BRUNO ESCOLASTICO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Bolsa de valores de SP nesta segunda-feira (2). — Foto: BRUNO ESCOLASTICO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

A hora da virada

O caldo começou a entornar por obra do Fed, o banco central americano. Ao publicar a decisão de dezembro, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) informou que indicadores recentes sugeriam que a atividade econômica do país desacelerou em relação ao ritmo forte registrado no terceiro trimestre.

Em outro trecho, o colegiado reafirmou que a inflação americana seguia elevada, mas reconheceu que os preços haviam diminuído no último ano, além de ganhosmoderados no emprego. O mercado financeiro entendeu que a hora de baixar juros estava próxima.

Em janeiro, o tom foi bem mais cauteloso. O Fed disse que não considerava apropriado reduzir o intervalo de juros até que se tenha maior confiança de que a inflação está evoluindo de forma sustentável para 2%, a meta do país.

Além da inflação resistente acima dos 3% na janela de 12 meses, o PIB americano trouxe surpresas neste primeiro trimestre. Em dados desta quinta-feira (28), o indicador registrou alta anualizada de 3,4% no quarto trimestre de 2023, acima do que se esperava no início do ano passado.

O mercado de trabalho dos EUA segue forte. O desemprego chegou a subir para 3,9% em fevereiro, mas ainda está baixíssimo e com demonstrativo de alta de salários, o que gera mais pressão na inflação.

Segundo Luís Stuhlberger, presidente da Verde Asset, parte do motivo para a economia dos Estados Unidos estar forte mesmo com o patamar elevado de juros é o forte aumento de gastos visto durante a pandemia.

"A política monetária e fiscal dos Estados Unidos na Covid, a distribuição de dinheiro, não tem paralelo na história", afirmou o executivo durante evento promovido recentemente pela Hedge Investiments.

"Sabia-se que já existia uma boa vcina em outubro e [os EUA] continuaram distribuindo dinheiro e com uma política extremamente agressiva por mais um ano, para só depois acordarem que tinham ido longe demais", completou.

Ou seja: com atividade econômica forte e salários em alta, há dúvidas na cabeça do Fed se é possível baixar os juros sem botar em risco a inflação. Com isso, o mercado financeiro, que estimava uma queda dos juros no país em março, passou a apostar em maio e, hoje, já tem dúvidas sobre junho.

Para Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, a atualização desse conjunto de informações torna natural que os EUA tenham destaque. Com juros altos em aplicações seguras ao mesmo tempo em que a economia mostra sinais fortes, há uma preferência de alocação de recursos por lá.

Houve ganho até em termos do fluxo de investimento em bolsa, por hospedarem ali as principais empresas de tecnologia, que se beneficiam da Inteligência Artificial e que parecem ser o grande tema de investimentos do momento, afirma.

O ‘tempero’ de interferência

Dado o contexto, é preciso voltar ao Brasil. Com um competidor desse tamanho, faz sentido que a bolsa brasileira saia perdendo. Além do fluxo de dólares estar naturalmente direcionado para fora, houve ganho relevante no final de 2023, que seria embolsado no começo de 2024.

Entram em cena, então, as questões internas. Os debates sobre o cenário fiscal, por exemplo, continuam na mira dos investidores, que seguem atentos aos sinais do governo para saber quais os possíveis resultados do primeiro ano do arcabouço fiscal.

Segundo Stuhlberger, houve uma piora do fiscal nos últimos anos, com um aumento dos gastos públicos e uma perda de arrecadação por parte do governo — de acordo com o executivo, caso o Teto de Gastos ainda existisse, o país estaria R$ 300 bilhões acima do limite.

"Mas, dito isso, a arrecadação está melhor, o PIB do ano passado surpreendeu para cima [...] e o PIB deste ano também vai surpreender para cima", afirmou Stuhlberger em evento.

Além disso, a bolsa brasileira é bastante ligada a empresas produtoras de commodities, em momento que economias desenvolvidas calibram os juros para desacelerar a atividade com o mínimo de danos e a China passa por uma reavaliação completa de sua matriz econômica.

Já seriam tempos desafiadores, até que entraram no jogo as intervenções do governo federal em duas empresas determinantes para o bom desempenho do Ibovespa: a Vale e a Petrobras.

As duas companhias têm grande participação na carteira do Ibovespa. A Vale já sofria com uma queda dos preços de minérios no mercado internacional, que reduziriam sua lucratividade. Até que uma tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de emplacar aliados na sucessão da empresa fez a situação piorar.

Segundo o blog da Ana Flor, Lula vinha se movimentando para levar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ao comando da empresa. O gesto não foi bem recebido pelo mercado.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a dizer em entrevista que Lula nunca se disporia a fazer interferência direta em uma empresa de capital aberto.

Mas um conselheiro de administração da Vale, José Luciano Duarte Penido, renunciou ao cargo em março justamente por discordardo processo de sucessão do atual presidente da companhia, Eduardo Bartolomeo.

Em carta endereçada ao presidente do Conselho de Administração, Daniel Stieler, Penido fala que o processo tem sido manipulado e que sofria evidente e nefasta influência política.

Em meio aos imbróglios e especulações, a Vale perdeu quase 18% de seu valor de mercado em 2024.

Na Petrobras, o caso foi ainda mais direto. A empresa registrou seu segundo maior lucro histórico no ano passado, de R$ 124,6 bilhões. Na divulgação de seu balanço, em março, o mercado soube que a petroleira havia decidido pagar apenas o mínimo dos dividendos aos acionistas, sem os chamados dividendos extraordinários.

Em vez de ser distribuído, o lucro remanescente do exercício, que totalizava R$ 43,4 bilhões, foi integralmente destinado para a reserva de remuneração de capital, que, segundo a empresa, tem a finalidade assegurar recursos para remuneração de acionistas e recompras de ações.

Segurar o dinheiro em caixa foi um pedido do governo, que deseja que a empresa acelere investimentos em vez de ser uma pagadora de dividendos. Quem tem os papéis da empresa, claro, não gostou.

Em um dia, a Petrobras teve queda de 10% na bolsa, perdendo R$ 55 bilhões em valor de mercado. Como a empresa havia colhido uma valorização expressiva em 2023 e no início de 2024, o ganho das ações preferenciais neste ano está praticamente zerado.

Foram vetores que aceleraram, que reforçaram essa saída de fluxo estrangeiro. Foi a somatória de componentes mais gerais, de realocação de capital com a mudança de expectativas lá fora, e um componente específico daqui, com as interferências, afirma Daniel Cunha, da BGC Liquidez.

Cunha diz ainda que é cedo para falar em uma saída estrutural de dinheiro do país. Afinal, a tendência é que, uma hora ou outra, o Fed passe a cortar os juros americanos, trazendo de volta a atenção de investidores para emergentes.

E a avaliação passa também pelo patamar de juros brasileiros. Na última Ata do Copom, o BC informou nesta terça-feira (26) que diante das incertezas do cenário sobre a inflação nos próximos meses, julgou apropriado ter maior flexibilidade na política de juros e, por isso, evitou projetar um corte da taxa Selic em junho deste ano.

A prévia da inflação de março, divulgada nesta semana pelo IBGE, mostra que a situação brasileira ainda não está pacificada.

Na ocasião, a economista para Brasil do BNP Paribas, Laiz Carvalho, comentou que os serviços subjacentes — indicador que todo o mercado está de olho por conta de seu peso para a decisão do BC —, vieram com número um pouco mais alto que as expectativas (de 0,36% para 0,40%), apesar da desaceleração em relação a meses anteriores.

Lentamente, mas está desacelerando. Isso corrobora nossa tese de que os serviços subjacentes devem voltar a um comportamento sazonal já no IPCA fechado de março e no IPCA-15 de abril, afirmou.

Sem juros em queda, o Ibovespa ainda pode ter mais a perder. Só com mais precisão de qual será a Selic no fim do ciclo de corte de juros é que se pode projetar o apetite do investidor para voltar à bolsa de valores ainda em 2024.

*Colaborou Isabela Bolzani

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sábado, 30 de março de 2024

3 curiosos enigmas sobre o tempo (e por que há quem viva nos séculos 15 e 30 simultaneamente)

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Alguém escreve uma carta na França que chega à Inglaterra 3 dias antes... Como isso é possível? Peculiaridades do nosso tempo.
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TOPO
Por BBC

Postado em 30 de março de 2024 às 16h30m

#.*Post. - N.\ 11.155*.#

Como no século 19, estamos novamente observando a tendência de padronização dos calendários pelo mundo – é a história correndo em círculos — Foto: Emmanuel Lafont/BBC
Como no século 19, estamos novamente observando a tendência de padronização dos calendários pelo mundo – é a história correndo em círculos — Foto: Emmanuel Lafont/BBC

Poucas coisas são mais misteriosas do que o tempo. E, se você gosta de enigmas, aqui estão alguns aguardando para serem resolvidos.

Preparamos três enigmas relacionados ao tempo com o auxílio da professora de história Helen Parish, da Universidade de Reading, no Reino Unido.

Depois de ler e tentar resolvê-los, basta rolar a tela para encontrar as respostas — e conhecer outras curiosidades sobre o tempo que existem pelo mundo até hoje.

1. A carta impossível

Uma mulher se senta para escrever uma carta na França, no dia 8 de novembro de 1582. E a carta é recebida na Inglaterra três dias antes.

Como isso pode ser possível?

Teria a carta voltado no tempo ao atravessar o mar, entre a França e a Inglaterra? — Foto: Emmanuel Lafont/BBC
Teria a carta voltado no tempo ao atravessar o mar, entre a França e a Inglaterra? — Foto: Emmanuel Lafont/BBC

2. O mistério dos aniversários desaparecidos

Uma criança nasce em Roma, na primavera do ano 46 a.C. Ela vive até os 60 anos de idade, mas nunca comemorou o seu aniversário. Por quê?

Será possível viver uma vida longa sem comemorar um único aniversário? — Foto: Emmanuel Lafont/BBC
Será possível viver uma vida longa sem comemorar um único aniversário? — Foto: Emmanuel Lafont/BBC

3. O estranho envelhecimento do agricultor

Depois de trabalhar nos campos no último dia de dezembro do ano 800 a.C., um agricultor guarda suas ferramentas e vai dormir.

No primeiro dia do Ano Novo, ele pega de volta suas ferramentas e recomeça o trabalho. Mas ele está dois meses mais velho.

O que aconteceu?

As respostas

Você sai do trabalho em um dia e volta no dia seguinte – quanto tempo durou o seu descanso? — Foto: Getty Imagens/Via BBC
Você sai do trabalho em um dia e volta no dia seguinte – quanto tempo durou o seu descanso? — Foto: Getty Imagens/Via BBC

1. A carta impossível

Nos anos 1500, o velho calendário juliano foi substituído pelo calendário gregoriano.

Mas os diversos países da Europa adotaram o novo calendário em épocas diferentes. Com isso, os dias do continente ficaram fora de sincronia, deixando alguns países vários dias ou semanas atrás dos outros.

2. O mistério dos aniversários desaparecidos

Os romanos costumavam usar meses adicionais, conhecidos como "meses intercalados". Eles eram acrescentados em situações específicas, para realinhar o ano romano de 355 dias ao ano solar.

A criança em questão nasceu no mês intercalado, chamado mercedônio.

E o mercedônio foi acrescentado pela última vez na primavera do ano 46 a.C., de forma que o dia do aniversário daquela pessoa nunca mais se repetiu.

3. O estranho envelhecimento do agricultor

Antes do calendário juliano, o ano em Roma tinha apenas 10 meses. Os cerca de 60 dias de inverno, durante os quais não havia trabalho agrícola, não eram incluídos no calendário.

De forma que, nesse período do inverno, não havia o conceito real de "meses".

2024, 1385 ou 2973?

Estes enigmas podem parecer curiosidades do passado. Mas, mesmo no nosso mundo moderno, existem peculiaridades no calendário tão interessantes quanto estas.

Muitas culturas contam os anos e as idades de forma diferente – e se dão bem com isso.

Estamos no ano de 2024 em todo o mundo. Mas, em Mianmar, o ano é 1385. E, se você for à Tailândia, irá embarcar rumo ao ano 2567.

Os marroquinos estão rezando em 1445 e cultivando a terra em 2973, segundo o calendário berbere.

Já a Etiópia está em 2016. Lá, o ano tem 13 meses. Pagumē, o mês adicional, pode ter cinco dias — ou seis, se o ano for bissexto.

E, na Coreia do Sul, o dia de Ano Novo é o aniversário de todas as pessoas.

Os sul-coreanos consideram tradicionalmente que nascem com um ano de idade. A partir dali, eles têm a todo momento duas ou três idades oficiais: a idade doméstica tradicional, a idade internacional (que conta a partir do zeroe um ano de bônus quando todo o país envelhece junto, no dia 1º de janeiro — ou, simbolicamente, no Ano Novo Lunar.

E os coreanos ainda podem escolher se comemoram seus aniversários pelo calendário gregoriano ou pelo calendário lunar tradicional — embora toda esta tradição esteja se alterando.

O lento caminho até aqui

As datas servem de base para as nossas vidas. São uma daquelas coisas que parecem simplesmente existir.

Mas é claro que qualquer data específica (1º de janeiro de 2024, por exemploé a convenção estabelecida por um sistema de contagem do tempo – neste caso, o calendário gregoriano.

Por ser o calendário padrão global aprovado pela Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês), adotado em todos os setores internacionais, desde a aviação até a política, é fácil imaginar que o calendário gregoriano deve ser absolutamente preciso e eficiente – o que não é verdade.

O calendário gregoriano cresceu até dominar o mundo, em grande parte, por ter surgido no lugar certo, no momento certo e na cultura imperialista certa.

O papa Gregório 13 (1502-1585) ordenou a reformulação do calendário para corrigir distorções acumuladas ao longo dos séculos — Foto: Domínio público
O papa Gregório 13 (1502-1585) ordenou a reformulação do calendário para corrigir distorções acumuladas ao longo dos séculos — Foto: Domínio público

O papa Gregório 13 (1502-1585) ordenou a reformulação do calendário para corrigir distorções acumuladas ao longo dos séculos.

Produto da doutrina religiosa e da ciência do Renascimento, o calendário gregoriano foi criado para corrigir a diferença entre o ano litúrgico católico (baseado, na época, no calendário julianoe o ano solar real.

Na época em que o papa Gregório 13 ordenou a reforma do calendário, no final do século 16, o calendário juliano estava fora de sincronia com as estações do ano em cerca de 10 dias.

Isso ocorreu porque o calendário juliano apresentava um pequeno erro de 11 minutos e 14 segundos por ano. Era uma matemática impressionante para o ano 45 a.C., mas essa discrepância inevitavelmente se acumulava ao longo dos séculos.

A reforma do papa reduziu o erro anual do calendário para 26 segundos. Mas sua introdução, em 1582, imediatamente encontrou resistência.

Nem os protestantes, nem os cristãos ortodoxos, estavam dispostos a reelaborar seu conceito de tempo com base em um decreto papal. Por isso, apenas os países católicos da Europa adotaram o novo calendário a tempo para o ano de 1600.

Outras regiões começaram a adotar o novo calendário nos séculos que se seguiram. A Alemanha e a Holanda, protestantes, oficializaram a mudança em 1700, enquanto a Inglaterra e suas colônias fizeram o mesmo em 1800.

Em 1900, países não cristãos distantes, como o Japão e o Egito, já haviam adotado o novo calendário, mas países ortodoxos como a Romênia, a Rússia e a Grécia ainda resistiram por boa parte do século 20.

Foi somente no ano 2000 que a Europa inteira saudou a chegada de um novo século no dia primeiro de janeiro, pelo calendário gregoriano.

Mas a maior parte das principais potências imperiais já adotava o novo calendário em meados do século 19, quando o período colonial colocou mais de 80% do planeta sob domínio europeu.

Esse período coincidiu com um movimento das comunidades científicas e comerciais europeias e norte-americanas pela adoção de um calendário universal para facilitar o comércio. E, quase por falta de alternativas, o calendário gregoriano venceu.

Nas regiões que não foram conquistadas pela Europa, o calendário se espalhou por outros meios.

No seu livro The Global Transformation of Time ("A transformação global do tempo", em tradução livre), a historiadora Vanessa Ogle sugere que o capitalismo, a evangelização e a paixão científica pela uniformidade fizeram mais para padronizar o tempo do que qualquer política imperialista.

O colonialismo não chegou a ser um fator essencial. Beirute estava sob domínio otomano quando as datas gregorianas apareceram nos seus almanaques, no final do século 19. E o Japão nunca foi colonizado, mas adotou o calendário gregoriano em 1872.

Calendários simultâneos

Vivemos em muitas linhas do tempo diferentes, muitas vezes sem perceber. — Foto: Emmanuel Lafont/BBC
Vivemos em muitas linhas do tempo diferentes, muitas vezes sem perceber. — Foto: Emmanuel Lafont/BBC

Esta aceitação pode ter sido mais fácil porque se sabia que não seria uma relação monogâmica. Afinal, o uso de vários calendários paralelos já existia milênios antes da criação do calendário gregoriano.

Os antigos egípcios e os maias, por exemplo, usavam dois calendários, o religioso e o administrativo.

O rei coreano Sejong, o Grande, encomendou especificamente dois sistemas para sua reforma do calendário nos anos 1430. Um deles era adaptado do calendário chinês e o outro, do calendário árabe.

Na Beirute dos anos 1880, o calendário gregoriano era apenas um dos quatro calendários usados no dia a dia.

E o próprio Japão, que adotou inteiramente o calendário gregoriano, manteve seu sistema de datas imperiais, o calendário Rokuyo de dias auspiciosos e o calendário 24 Sekki de mudanças das estações do ano. Todos eles são utilizados até hoje.

A antropóloga social Clare Oxby estudou o uso de calendários na região do Sahel e no Saara. Ela cunhou a expressão "pluralismo de calendários" para descrever a coexistência de diversos sistemas de contagem do tempo, da mesma forma que o pluralismo legal indica sociedades com diversos sistemas de legislação.

Pode parecer malabarismo, mas, na prática, calendários diferentes atendem diferentes funções.

No norte da África, as comunidades imazighen, os tuaregues e outros povos de fala berbere podem usar três ou quatro sistemas simultaneamente: calendários estelares marcam as estações agrícolas; o calendário lunar islâmico orienta as práticas religiosas; e o calendário gregoriano determina as interações com o governo.

Viver em diversas linhas do tempo pode ser uma forma prática de unificar diferentes necessidades temporais.

Este conceito não é totalmente desconhecido na Europa e na América do Norte. As pessoas têm anos escolares e anos fiscais, por exemplo. De certa forma, é apenas questão de quando você começa a contar.

"Provavelmente, o uso de diversos calendários paralelos está muito mais presente no nosso mundo contemporâneo do que pensamos", afirma Oxby.

Mas, embora o pluralismo tenha sido uma presença constante ao longo da história, os calendários mudam todo o tempo. Os calendários atuais podem sofrer alterações daqui a apenas algumas décadas.

"Você pode ter mais [calendários] e eles podem ser diferentes. A cultura humana está em constante evolução", explica ela.

A comunidade imazighen comemora o Ano Novo conforme o seu próprio calendário em Tizi-Ouzou, na Argélia.

Os calendários na era digital

Uma mudança cultural em andamento hoje em dia é o crescimento do mundo digital.

Os cabos de fibra óptica substituíram as antigas rotas comerciais, levando o calendário gregoriano para lugares que o colonialismo não conseguia alcançar. E, pelo menos até agora, a conectividade criou um novo tipo de pluralismo de calendários.

O Nepal é um dos poucos países do planeta em que o calendário nacional não é o gregoriano. Oficialmente, o país vive no ano 2080 (pelo calendário Bikram Sambatou 1144 (segundo o Newari Nepal Sambat), ou ambos.

Ao todo, pelo menos quatro calendários são usados entre diferentes grupos étnicos do país, com diversos dias de Ano Novo.

O Nepal também está 15 minutos fora de sincronia com os demais fusos horários. É um país com sua própria linha temporal.

Ainda assim, muitos cidadãos nepaleses não veem motivo para usar diversos calendários simultaneamente. O caso de Sanjeev Dahal é um exemplo.

"Uso apenas o calendário Bikram Sambat", explica ele. "Nunca usei o Nepal Sambat na vida."

Esta não é exatamente uma questão monotemporal. O calendário Bikram Sambat inclui diversas formas religiosas e culturais de contagem do tempo ao longo do seu ano solar, com 12 meses lunares e seis estações.

Mas Dahal é hindu e mora na capital do Nepal, Katmandu. E, para ele, este sistema cobre todos os aspectos da sua vida, dos dias de jejum até o dia de pagamento.

Dahal precisa de apenas um calendário dentro do Nepal, mas ele é estudante de PhD à distância do Boston College, nos Estados Unidos. Ele estuda a diáspora nepalesa.

Por isso, ele mantém uma complicada interação com o calendário de outra cultura: a cultura digital, que é quase exclusivamente gregoriana, como a Europa imperialista do século 19.

"Eu existo em dois espaços e tempos", explica Dahal.

Ele encontrou uma solução tecnológica para esse enigma. Seu laptop está em 2024 e seu telefone celular em 2080. E um aplicativo o ajuda a se orientar entre os dois.

Para Dahal, existe uma divisão geracional no uso do calendário. Seus pais não usam o calendário gregoriano para nada.

Mas, entre seus amigos, existe também uma divisão funcional, com o gregoriano sendo usado comercialmente e o Bikram Sambat para eventos sociais e familiares.

O calendário ocidental pode dominar as redes sociais (e, portanto, decidir quando as pessoas enviam votos de feliz aniversário), mas é inútil para aspectos importantes da cultura nepalesa, como determinar dias auspiciosos e acompanhar os ciclos lunares.

Por todos estes motivos, Dahal não acredita que o calendário gregoriano venha a ser oficializado no futuro próximo.

No Nepal, a sensação de tempo é diferente do resto do planeta.

Padronização x diversidade cultural

A história pode correr em círculos.

Como no movimento pelo Calendário Mundial no final do século 19, o século 21 vem observando uma tendência pela unificação do calendário, por razões econômicas.

Em 2016, a Arábia Saudita mudou o cronograma de pagamento dos funcionários do governo do calendário islâmico para o gregoriano, o que foi interpretado, em grande parte, como uma medida de redução de custos.

E, em dezembro de 2022, a Coreia do Sul aprovou uma lei alinhando a contagem de idade das pessoas aos padrões internacionais. A contagem tradicional deixou de ser oficial no país, já que o sistema de múltiplas idades é considerado economicamente ineficiente.

Mas o que se ganha e o que se perde ao consolidar o calendário em um só, especialmente um calendário criado para ser usado em outra época e em um lugar diferente?

"Bem, os governos podem aumentar seu controle impondo calendários centralizados", afirma Clare Oxby. Ela também escreveu sobre a dinâmica de poder do uso dos calendários.

Mas "o país pode perder em história e diversidade cultural. As pessoas podem sair perdendo. Se elas fizerem parte de uma cultura regional minoritária, elas podem se sentir subvalorizadas nacionalmente."

Mais uma vez, 150 anos de globalização não tornaram o pluralismo obsoleto. Os calendários vão e vêm – e, mais frequentemente, eles mudam.

E, se há uma coisa que os seres humanos fazem muito bem, é mudar.

Leia a versão original (em inglês) das duas matérias que deram origem a esta reportagem:

"Leap year: Can you solve these time riddles?", de Martha Henriques.

"The people who live in multiple timelines", de Erin Craig.

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