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domingo, 31 de janeiro de 2021

Com poder de esfriar a Terra, baleias ganham a atenção de ecologistas e economistas

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Esses mamíferos são excepcionalmente eficientes em tirar o dióxido de carbono da atmosfera. Por isso, sua caça causa muita preocupação em pesquisadores de ecossistemas marinhos, ao mesmo tempo em que surgem ideias para usá-los em programas de compensação de emissões. 
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TOPO
Por Sophie Yeo, BBC  
28/01/2021 19h51 Atualizado há 3 dias
Postado em 31 de janeiro de 2021 às 12h35m


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As baleias ajudam a enviar carbono para as profundezas do mar ao longo de suas vidas — e também quando morrem — Foto: Alamy via BBC
As baleias ajudam a enviar carbono para as profundezas do mar ao longo de suas vidas — e também quando morrem — Foto: Alamy via BBC

Ver uma baleia encalhada na praia costuma despertar fortes reações. Pode deixar as pessoas curiosas — baleias encalhadas podem fazer coisas estranhas, como explodir. Também pode ser triste testemunhar uma criatura tão magnífica na água reduzida a uma massa de gordura sem vida em terra.

O que raramente se registra, no entanto, é a oportunidade perdida de sequestro de carbono.

As baleias, especialmente as baleias-de-barbatana e cachalotes, estão entre as maiores criaturas da Terra. Seus corpos são enormes reservas de carbono, e sua presença no oceano influencia os ecossistemas ao seu redor.

Das profundezas do oceano, essas criaturas também estão ajudando a determinar a temperatura do planeta — algo a que só começamos a dar valor recentemente.

"Em terra, os humanos influenciam diretamente o carbono armazenado nos ecossistemas terrestres por meio da extração de madeira e queimadas nas florestas e pastagens", diz um artigo científico de 2010.

"Em mar aberto, o ciclo do carbono é considerado livre de influências humanas diretas." 
Mas essa suposição ignora o impacto surpreendente da caça às baleias.

Os seres humanos matam esses mamíferos há séculos, uma vez que seus corpos fornecem de tudo, desde carne a óleo.

O primeiro registro de caça comercial a baleias data de 1000 d.C. Desde então, milhões foram mortas, e especialistas acreditam que isso pode ter reduzido as populações de baleias entre 66% e 90% em todas as partes do mundo.

Quando as baleias morrem, elas afundam até as profundezas do oceano — e todo o carbono armazenado em seus enormes corpos é transferido da superfície da água para o fundo do mar, onde permanece por séculos ou mais.

No estudo de 2010, os cientistas descobriram que antes da caça industrial, as populações de baleias (excluindo cachalotes) teriam depositado entre 190 mil a 1,9 milhão de toneladas de carbono por ano no fundo do oceano — o que equivale a tirar entre 40 mil e 410 mil carros das estradas anualmente.

Mas quando a carcaça é impedida de afundar — e a baleia é caçada para ser processada —, esse carbono é liberado na atmosfera.

Andrew Pershing, cientista marinho da Universidade do Maine, nos EUA, e autor desse estudo, estima que, ao longo do século 20, a caça às baleias tenha adicionado cerca de 70 milhões de toneladas de dióxido de carbono à atmosfera.

"É muito, mas 15 milhões de carros fazem isso em um único ano. Os EUA têm atualmente 236 milhões de carros", afirma.

Os corpos das baleias são enormes reservas de carbono — Foto: Alamy via BBC
Os corpos das baleias são enormes reservas de carbono — Foto: Alamy via BBC 

Mas as baleias não têm valor apenas quando morrem. As marés de excrementos que esses mamíferos produzem também é surpreendentemente relevante para o clima.

As baleias se alimentam nas profundezas do oceano e depois voltam à superfície para respirar e evacuar. Suas fezes ricas em ferro propiciam as condições de crescimento perfeitas para o fitoplâncton.

Essas criaturas podem ser microscópicas, mas, em conjunto, os fitoplânctons têm enorme influência na atmosfera do planeta, capturando cerca de 40% de todo o CO2 produzido — quatro vezes a quantidade capturada pela Floresta Amazônica.

"Precisamos pensar na caça às baleias como uma tragédia que tira uma enorme bomba de sucção orgânica de carbono do oceano, que teria um efeito multiplicador muito maior na produtividade do fitoplâncton e na capacidade do oceano de absorver carbono", afirma Vicki James, gerente de políticas na Whale and Dolphin Conservation (WDC).

A falta de baleias no oceano também tem alguns impactos inesperados.

Por exemplo, com o declínio das populações de baleias, as orcas que eram seus predadores se voltaram para mamíferos marinhos menores, como as lontras.

As fezes de baleia são um poderoso fertilizante para os fitoplânctons, que têm um grande potencial para capturar carbono — Foto: Alamy via BBC
As fezes de baleia são um poderoso fertilizante para os fitoplânctons, que têm um grande potencial para capturar carbono — Foto: Alamy via BBC 

As populações de lontras consequentemente diminuíram, levando à proliferação dos ouriços-do-mar, que destroem florestas de algas ao redor do Atlântico Norte — com um efeito em cascata no sequestro de carbono marinho.

Isso significa que restabelecer as populações de baleias aos números anteriores à caça comercial pode ser uma ferramenta importante no combate às mudanças climáticas, sequestrando carbono direta e indiretamente, e ajudando, assim, a diminuir o enorme volume de CO2 emitido por combustíveis fósseis a cada ano.

Várias outras propostas foram feitas para alcançar essa redução, incluindo o plantio de árvores na Terra e o estímulo à proliferação de fitoplâncton por meio da adição de ferro ao oceano, uma forma de geoengenharia conhecida como fertilização oceânica.

O plantio de árvores requer um recurso escasso: terra, que pode já estar em uso como outro habitat valioso ou área agrícola. A beleza de restaurar as populações de baleias é que há muito espaço no oceano — outrora repleto desses mamíferos.

As plumas resultantes das fezes das baleias também superariam de longe o potencial da fertilização oceânica. Seriam necessárias 200 florações bem-sucedidas por ano para corresponder ao potencial de uma população de baleias totalmente restaurada, de acordo com o estudo de Pershing.

E, diferentemente das técnicas de geoengenharia arriscadas, os benefícios não seriam apenas para o clima, mas para todo o ecossistema.

"As carcaças de baleia fornecem um habitat único para espécies de águas profundas, muitas das quais só são encontradas nessas carcaças afundadas. A pesquisa mostra que um único esqueleto pode fornecer alimento e habitat para até 200 espécies durante os estágios finais de decomposição," diz James, do WDC.

Em 2019, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou um relatório analisando os benefícios de se colocarem as baleias de volta no oceano. E fez isso de uma forma que os políticos entenderiam: colocando um valor em dólares.

O fitoplâncton marinho captura dióxido de carbono por meio da fotossíntese, atuando como sumidouro de carbono — Foto: Alamy via BBC
O fitoplâncton marinho captura dióxido de carbono por meio da fotossíntese, atuando como sumidouro de carbono — Foto: Alamy via BBC 

Esse estudo mostrou que, quando você soma o valor do carbono sequestrado por uma baleia durante sua vida, junto a outros benefícios para a atividade pesqueira e ecoturismo, uma baleia grande vale em média mais de US$ 2 milhões — e sua população global corresponde a mais de US$ 1 trilhão.

Os economistas responsáveis ​​pelo estudo agora estão trabalhando em um projeto para transformar a teoria da "precificação" em realidade, por meio de um mecanismo conhecido como compensação de carbono.

A ideia é convencer os emissores de carbono a pagar determinada quantia para proteger as populações de baleias, ao invés de investir na redução de suas próprias emissões, ajudando-os a obter uma pegada de carbono neutra.

"O que você está fazendo é valorizar o serviço prestado pelas baleias, porque elas estão sequestrando dióxido de carbono", diz Thomas Cosimano, um dos economistas que é coautor do artigo do FMI.

"Isso não significa que as baleias não estejam fazendo outras coisas. Esta é apenas uma referência que podemos usar para estabelecer uma base de qual seria o valor da baleia."

É um modelo complicado, mas não está além das possibilidades: a equipe está trabalhando em uma abordagem semelhante baseada no mercado de carbono para proteger elefantes de caçadores ilegais nas florestas tropicais centrais da África, que deve ser colocada em prática até o fim do ano.

Ao quantificar o potencial de captura de carbono das baleias, economistas estão elaborando um esquema de compensação de carbono focado nesses mamíferos — Foto: Alamy via BBC
Ao quantificar o potencial de captura de carbono das baleias, economistas estão elaborando um esquema de compensação de carbono focado nesses mamíferos — Foto: Alamy via BBC

Uma instituição beneficente chilena chamada Fundación MERI já está desenvolvendo os alicerces para um mercado de carbono baseado em baleias, instalando boias acústicas de alerta que vão monitorar a localização desses mamíferos e gerar rotas alternativas para os navios.

Acredita-se que seja o primeiro projeto do mundo para proteger as baleias em decorrência do armazenamento de carbono que elas fornecem.

O estudo do FMI conclui que a proteção às baleias precisa se tornar uma prioridade no esforço global para combater as mudanças climáticas.

"Visto que o papel das baleias é insubstituível na mitigação e construção de resiliência às mudanças climáticas, sua sobrevivência deve ser integrada aos objetivos dos 190 países que em 2015 assinaram o Acordo de Paris para o combate aos riscos climáticos", escreveram os autores.

Ainda neste ano, será realizada a conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU) na Escócia, país cuja costa abriga regularmente espécies como as baleias-minke (ou baleia-anã) e jubarte.

Com o mercado de carbono para baleias se tornando uma possibilidade real, talvez seja hora de colocar essas criaturas na ordem do dia.

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Coronavírus: 5 dias que determinaram o destino da pandemia de Covid-19

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Antes de decretar lockdown na cidade de Wuhan em 23 de janeiro de 2020, autoridades chinesas afirmavam que o surto de uma doença desconhecida estava sob controle — quando, na verdade, o vírus já estava além das fronteiras da cidade. 
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TOPO
Por Jane McMullen, BBC  
31/01/2021 08h04 Atualizado há 3 horas
Postado em 31 de janeiro de 2021 às 11h10m


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Pedestres caminham em Wuhan, na China, em frente ao mercado de animais fechado onde teria começado o surto de Covid-19; foto de 23 de janeiro de 2021 — Foto: Hector Retamal/AFP
Pedestres caminham em Wuhan, na China, em frente ao mercado de animais fechado onde teria começado o surto de Covid-19; foto de 23 de janeiro de 2021 — Foto: Hector Retamal/AFP

Há semanas as autoridades de saúde chinesas vinham repetindo que o surto causado por uma doença desconhecida estava sob controle — apenas algumas dezenas de casos ligados a um mercado em que eram vendidos animais vivos. Naquele momento, entretanto, o vírus já havia ido além da fronteira da cidade e se espalhado pelo país.

Esta é a história de cinco dias críticos no início do que se tornaria uma pandemia.

Em 30 de dezembro de 2019, muitas pessoas já haviam sido recebidas em hospitais na cidade de Wuhan com sintomas parecidos: febre alta e pneumonia. O primeiro caso de que se tem notícia foi de um homem que tinha por volta de 70 anos, que adoeceu no dia 1º de dezembro.

Naquele momento, muitos dos pacientes estavam direta ou indiretamente ligados ao mercado de peixes Huanan — o que levou os médicos a suspeitarem que poderiam estar observando um outro tipo de pneumonia.

Amostras colhidas do pulmão de pessoas infectadas foram então enviadas a laboratórios de sequenciamento genético para que a causa da doença fosse identificada. Resultados preliminares indicaram, por sua vez, que se tratava de um vírus ainda desconhecido, semelhante ao da Sars. Autoridades de saúde locais e o Centro para Controle de Doenças do país já haviam sido notificados, mas nada havia sido tornado público.

Hoje acredita-se que já houvesse entre 2,3 mil e 4 mil pessoas infectadas, conforme um modelo matemático desenvolvido pelo MOBS Lab, da Northeastern University, em Boston, nos EUA.

Também é provável que o surto estivesse dobrando seu alcance a cada poucos dias. Epidemiologistas dizem que, no estágio inicial de uma epidemia, cada dia e até mesmo cada hora são críticos.

30 de dezembro de 2019: um alerta

Por volta de 16h do dia 30 de dezembro, a chefe da emergência do Hospital Central de Wuhan recebeu os resultados dos testes processados em Pequim pelo laboratório de sequenciamento genético Capital Bio Medicals.

Ela suava frio ao ler o relatório, conforme relatou posteriormente a uma publicação estatal chinesa.

No topo, duas palavras alarmantes: "Sars Coronavírus". Ela as circulou em vermelho e enviou a colegas pelo aplicativo de compartilhamento de mensagens WeChat (semelhante ao WhatsApp).

Em uma hora e meia, a imagem granulada havia chegado ao médico do departamento de oftalmologia do hospital Li Wenliang. Ele a dividiu, por sua vez, com um grupo de colegas da universidade com um aviso: "Não circulem esta mensagem fora deste grupo. Digam a seus familiares e entes queridos que tomem precauções".

Pequim tentou acobertar a epidemia de Sars quando ela inicialmente se espalhou no sul da China entre 2002 e 2003, insistindo que a situação estava sob controle. A resposta, na época, foi bastante criticada pela comunidade internacional e chegou a motivar protestos dentro do país. Entre 2002 e 2004, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) infectou mais de 8 mil pessoas e matou quase 800 pelo mundo.

Nas horas seguintes, imagens da mensagem de Li acabaram se espalhando pela web e milhões de pessoas já falavam sobre Sars na China.

O laboratório de sequenciamento havia, entretanto, cometido um erro — não se tratava da Sars, mas de um novo coronavírus, bastante semelhante. Notícias sobre um possível surto começaram a circular.

O Comitê de Saúde de Wuhan já estava ciente de que havia algo acontecendo nos hospitais da cidade. Naquele dia, funcionários da Comissão Nacional de Saúde chegaram de Pequim e novas amostras foram enviadas a pelo menos cinco laboratórios públicos em Wuhan e Pequim para que fossem sequenciados concomitantemente.

Enquanto mensagens sobre um possível retorno da Sars viralizavam no país, o Comitê de Saúde de Wuhan emitiu ordens aos hospitais instruindo-os a reportar todos os casos diretamente ao órgão e a não darem nenhum tipo de declaração sem autorização prévia.

Em 12 minutos, as ordens até então sigilosas foram vazadas online.

O tempo entre a explosão de comentários nas redes sociais chinesas e a disseminação da notícia no resto do mundo talvez tivesse sido maior, não fosse pela experiente epidemiologista Marjorie Pollack.

Editora da ProMed-mail, newsletter que costuma emitir alertas globais sobre surtos de doenças, ela recebeu um e-mail de um contato em Taiwan perguntando se tinha ouvido algo sobre os rumores que circulavam na internet na China.

Em fevereiro de 2003, a ProMed havia sido o primeiro veículo a dar a notícia ao mundo sobre o primeiro surto de Sars. Agora, Pollack sentia que estava vivendo uma espécie de déjà-vu.

"Minha reação foi: 'Temos um grande problema'", contou à BBC.

Três horas depois, ela havia acabado de escrever um post pedindo a quem pudesse que ajudasse com mais informações sobre o surto. A mensagem foi enviada a aproximadamente 80 mil assinantes faltando um minuto para meia-noite.

31 de Dezembro: cientistas oferecem ajuda

À medida que a notícia começou a se espalhar, o professor George F. Gao, diretor-geral do Centro para Controle de Doenças da China, passou a receber ofertas de ajuda vindas dos quatro cantos do mundo.

O país reativou a infraestrutura de combate a doenças infecciosas montada depois da epidemia de Sars — em 2019, Gao havia prometido que o amplo sistema de vigilância chinês seria capaz de antever um episódio como aquele.

Dois dos cientistas que entraram em contato com o professor, entretanto, dizem que o CDC não parecia preocupado.

"Mandei uma mensagem longa a George Gao, me oferecendo para enviar uma equipe para apoiá-lo em tudo o que precisasse", disse à BBC Peter Daszak, presidente do grupo de pesquisa EcoHealth Alliance, baseado em Nova York.

A resposta, contudo, foi breve — apenas para desejar Feliz Ano Novo.

O epidemiologista Ian Lipkin, professor da Universidade de Columbia, em Nova York, também tentou entrar em contato com Gao — que retornou a ligação quando Lipkin estava jantando, já próximo da meia-noite. O relato sobre a conversa dá contorno ao discurso das autoridades chinesas naquele momento crítico.

"Ele disse que tinha identificado o vírus. Era um novo coronavírus. E não era altamente transmissível. Isso não fazia muito sentido para mim porque já tinha ouvido que muitas, muitas pessoas haviam sido infectadas."

"Não acho que ele estava sendo dúbio, acho que ele estava apenas errado", afirma o epidemiologista.

Para o americano, o colega chinês deveria ter compartilhado naquele momento os sequenciamentos genéticos que já tinha obtido. "Na minha visão, seria preciso divulgar. É algo muito importante para hesitação."

Gao, que recusou os pedidos de entrevista para esta reportagem, declarou à imprensa chinesa que os sequenciamentos foram divulgados assim que possível, e que ele nunca afirmara publicamente que não havia transmissão de humano para humano.

Naquele dia, o Comitê de Saúde de Wuhan publicou um comunicado em que informava sobre 27 casos de pneumonia viral identificados na região, sem evidência clara, entretanto, de que houvesse transmissão entre seres humanos.

Seriam necessários mais 12 dias até que a China compartilhasse o sequenciamento genético do patógeno com a comunidade internacional.

O governo chinês recusou vários pedidos de entrevista da BBC para comentar o assunto. Em posicionamentos enviados por escrito, afirmou que a China "sempre havia agido de forma aberta, transparente, com responsabilidade e celeridade" no combate à Covid-19.

1º de janeiro de 2020: frustração internacional

A lei internacional estipula que surtos de doenças infecciosas que possam gerar preocupação global devem ser reportados à Organização Mundial de Saúde (OMS) em até 24 horas.

No dia 1º de janeiro, entretanto, a OMS ainda não havia sido notificada sobre o que ocorria na China.

No dia anterior, membros da organização haviam visto a publicação da ProMed, além de algumas informações na internet, e resolveram entrar em contato com a Comissão Nacional de Saúde do país.

"Era para ter sido reportado", diz Lawrence Gostin, professor do O'Neill Institute for National and Global Health Law da Universidade de Georgetown, nos EUA, e colaborador da OMS.

"A falha em reportar (o surto) foi claramente uma violação do Regulamento Sanitário Internacional (International Health Regulations)."

A epidemiologista Maria Van Kerkhove, que se tornaria uma das principais líderes técnicas da OMS no combate à pandemia, participou da primeira de muitas reuniões à distância no meio da noite em 1º de janeiro.

"Nós tínhamos uma suspeita inicial de que pudesse ser um novo coronavírus. Para nós, não era uma questão de se havia ou não transmissão de humano para humano, mas qual era a extensão naquele momento e onde estava acontecendo."

Dois dias depois, as autoridades chinesas responderam à OMS. O retorno, entretanto, foi vago — de que haviam sido registrados 44 casos de uma pneumonia viral de causa desconhecida.

A China afirma ter se comunicado regularmente com a OMS a partir do dia 3 de janeiro. Mas registros de reuniões internas da organização obtidas pela agência de notícias Associated Press (AP) e compartilhadas com a BBC mostram uma realidade diferente e revelam a frustração de funcionários de alto escalão da OMS na semana seguinte.

"Dizer que 'não há evidência de transmissão de humano para humano' não é suficiente. Precisamos ver os dados", diz, segundo os registros, Mike Ryan, diretor de emergências da OMS.

A organização era legalmente obrigada a reproduzir as informações fornecidas pela China. Ainda que houvesse suspeita de transmissão entre humanos, a OMS só conseguiria confirmá-la três semanas depois.

"Essas preocupações nunca foram expressas publicamente. Eles apenas reproduziram as informações dadas pela China", diz o repórter da AP Dake Kang.

"No fim do dia, a impressão com que o mundo ficou foi aquela que as autoridades chinesas queriam, de que tudo estava sob controle. E é claro que não estava."

2 de janeiro: médicos silenciados

O número de infectados dobrava a cada poucos dias, e cada vez mais pessoas procuravam os hospitais de Wuhan.

Neste momento, em vez de abrir espaço para que os médicos compartilhassem suas preocupações, a imprensa estatal deu início a uma campanha para silenciar os profissionais de saúde.

No dia 2 de janeiro, a emissora estatal Televisão Central da China (CCTV) veiculou uma reportagem sobre os médicos que haviam falado sobre o surto quatro dias antes, retratando-os como "usuários da internet" que haviam "espalhado rumores".

Em seguida, os profissionais foram chamados pela Secretaria de Segurança Pública de Wuhan para prestar depoimento e foram "tratados de acordo com a lei", segundo as autoridades.

Um dos médicos era Li Wenliang, o oftalmologista cujo relato havia viralizado, que chegou a assinar uma confissão. Em fevereiro, ele morreu de Covid-19.

O governo chinês afirma que isso não chega a ser indicativo de que estava tentando suprimir as notícias sobre o surto, e que pedia apenas a médicos como Li que não espalhassem informações ainda não confirmadas.

Mas o impacto da postura das autoridades chinesas foi significativo. Enquanto ficava cada vez mais aparente para os médicos que havia, de fato, transmissão entre humanos da doença, eles eram impedidos de se manifestar publicamente.

Um profissional da saúde que trabalhava na mesma unidade que Li, o Hospital Central de Wuhan, disse à reportagem que, nos dias seguintes, "havia muitas pessoas com febre".

"Estava fora de controle. Entramos em pânico, mas o hospital nos disse que não tínhamos autorização para falar com ninguém."

Segundo o governo chinês, "é preciso seguir um rigoroso processo científico para determinar se um vírus pode ser transmitido de pessoa para pessoa".

As autoridades seguiriam afirmando que não havia transmissão entre seres humanos por outros 18 dias.

3 de janeiro: o memorando sigiloso

Laboratórios em todo país estavam em uma corrida contra o tempo para fazer o sequenciamento completo do genoma do vírus. Entre eles, estava um renomado virologista de Xangai, Zhang Yongzhen, que começou o sequenciamento no dia 3 de janeiro.

Depois de trabalhar por dois dias consecutivos, ele obteve um genoma completo. Os resultados revelavam um vírus semelhante ao da Sars e, portanto, provavelmente transmissível.

No dia 5 de janeiro, o escritório de Zhang escreveu à Comissão Nacional de Saúde recomendando a tomada de medidas de precaução em espaços públicos.

"Naquele mesmo dia, ele estava trabalhando para ter os dados prontos assim que possível, para que o resto do mundo pudesse saber do que se tratava e avançássemos no diagnóstico", afirma Edward Holmes, virologista e biólogo evolutivo da Universidade de Sidney, na Austrália, que trabalha com Zhang.

Mas Zhang não conseguia tornar seus achados públicos. No dia 3 de janeiro, a Comissão Nacional de Saúde havia enviado um memorando sigiloso aos laboratórios proibindo que cientistas sem autorização analisassem o vírus e divulgassem informações.

"Isso acabou silenciando cientistas e laboratórios, que não puderam investigar o vírus — sob o risco de que suas análises vazassem para o mundo externo e alarmassem as pessoas", diz o jornalista da AP Dake Kang.

Nenhum laboratório veio a público anunciar o sequenciamento do genoma do vírus. As autoridades continuaram afirmando que se tratava de uma pneumonia viral sem evidência clara de transmissão entre humanos.

Apenas seis dias depois divulgariam que o patógeno era um novo coronavírus, e, mesmo naquele momento, não compartilhariam nenhum sequenciamento genético — o que impediu que outros países analisassem os dados e pudessem começar a mapear a disseminação do vírus em seus territórios.

Três dias depois, em 11 de janeiro, Zhang toma uma decisão que o coloca em risco, mas acaba pondo um fim no impasse. Enquanto embarcava em um voo entre Pequim e Xangai, ele autoriza o colega australiano Edward Holmes a divulgar o sequenciamento que havia feito.

No dia seguinte, o laboratório de Zhang foi fechado para "retificação" — mas, a partir daquele momento, outros cientistas também decidiriam tornar públicos seus achados.

A comunidade científica internacional entrou em ação, e um kit para teste de diagnóstico estaria pronto no dia 13 de janeiro.

Apesar das evidências coletadas por médicos e cientistas, a China não confirmaria que havia de fato transmissão entre humanos da doença até o dia 20 de janeiro.

No começo, todo surto epidêmico é caótico, diz o especialista em saúde Lawrence Gostin.

"Seria difícil de qualquer forma controlar o vírus, desde o dia 1. Mas, no momento em que fomos informados de que ele era transmissível entre humanos, a vaca já tinha ido para o brejo, o vírus já tinha se espalhado."

"Essa foi uma oportunidade que tivemos (de tentar controlar a disseminação) e que perdemos", acrescenta.

Para o virologista que pesquisa morcegos Wang Linfa, da Escola de Medicina Duke-Nus, em Singapura, "antes do dia 20, a China poderia ter feito muito mais".

"Depois disso, o resto do mundo deveria estar de fato em estado de alerta e ter combatido melhor o vírus."

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sábado, 30 de janeiro de 2021

As ocultas marcas deixadas pelo homem no leito mais profundo do oceano

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Longe do continente, as primeiras tentativas de mineração em alto mar deixaram marcas que ainda perduram décadas depois — um símbolo da colisão de duas escalas de tempo diferentes. 
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TOPO
Por BBC  
30/01/2021 17h31 Atualizado há 03 horas
Postado em 30 de janeiro de 2021 às 20h35m


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No fundo do Oceano Pacífico, a centenas de quilômetros da terra, há algumas marcas curiosas em seu leito que nenhum animal poderia ter feito. Algumas parecem estreitos canais esculpidos no lodo claro. Outras se assemelham a marcas de garras, escavadas nos ecossistemas das profundezas marinhas por um monstro subaquático.

Longe do continente, as tentativas de mineração em alto mar deixaram marcas que ainda perduram décadas depois — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT
Longe do continente, as tentativas de mineração em alto mar deixaram marcas que ainda perduram décadas depois — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT

A humanidade deixou muitas marcas na superfície da Terra, mas esses traços de longa data no fundo do mar permanecem praticamente invisíveis. Ocasionalmente, eles são iluminados pelos refletores de veículos submersíveis operados remotamente, mas logo em seguida voltam à escuridão. Estão lá há décadas. Assim como as pegadas e rastros que os astronautas deixaram na Lua, ainda são visíveis agora, não há nada para apagá-los.

A trilha que aparece na imagem do topo deste artigo tinha 37 anos quando foi fotografada há alguns anos, enquanto as marcas abaixo datam de 1989.

Essas marcas deliberadas no leito do oceano tinham 26 anos nesta foto tirada em 2015 — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT
Essas marcas deliberadas no leito do oceano tinham 26 anos nesta foto tirada em 2015 — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT

Essas marcas, que remontam às décadas de 1970 e 1980, são as primeiras tentativas dos ensaios de mineração em alto mar, deixadas para trás por navios equipados com dragas e arados, que partiram há muito tempo.

Recentemente, cientistas voltaram com câmeras e sondas para ver o que aconteceu com os ecossistemas locais — e o que eles encontraram são cicatrizes que nunca foram totalmente curadas.

Logo, haverá muito mais trilhas como essas esculpidas em todas as planícies abissais do oceano, uma das últimas áreas selvagens intocadas do planeta. O que as futuras gerações podem fazer com elas, e o que vão dizer sobre a busca da humanidade por recursos naturais no início do século 21?

Para entender por que essas marcas estão lá — e por que são importantes — precisamos mergulhar em um mar pré-histórico.

Um dia, um tubarão perdeu um dente, que afundou centenas de metros até o leito do oceano. Gradualmente, conforme a precipitação de metais a partir da água do mar se acumula no sedimento, o dente é revestido de minerais. E assim começa um dos fenômenos geológicos mais lentos da Terra: o crescimento de um nódulo polimetálico.

Nem todos começam com um dente — outros contêm fragmentos de conchas, de ossos ou nada — mas o ritmo lento de crescimento é sempre o mesmo. Eles levam milhões de anos para crescer apenas alguns centímetros. Mas com o tempo, se tornaram tão abundantes que cobrem grandes áreas da planície abissal do oceano.

Os nódulos foram descobertos durante uma viagem do HMS Challenger, navio da Marinha Real Britânica, em 1873. Quando trouxeram os depósitos minerais à superfície, os marinheiros os teriam agarrado com as mãos, fazendo-os esfarelar nas bordas.

Ao toque, eles deviam parecer mais suaves na parte de cima, mas ásperos na parte inferior, como pedra-pomes, onde haviam crescido envolvendo grãos sedimentares. Se tivessem levado ao nariz, não teriam detectado nenhum cheiro.

O químico da expedição foi um dos primeiros a notar que os nódulos não eram insignificantes. Eles eram feitos de "peróxido de manganês", escreveu ele, que é "uma das principais substâncias utilizadas na fabricação de alvejante". Sua localização remota, no entanto, significava que "eles nunca poderiam se tornar uma fonte rentável de suprimento".

Mal sabia aquele químico como eles seriam importantes — para os organismos das profundezas do oceano e, mais tarde, para os seres humanos.

Anos depois, os cientistas descobririam que esses nódulos são como ilhas para algumas formas de vida. A planície abissal em que se encontram representa 50% da superfície da Terra — uma dimensão sublime que pode ser difícil de imaginar.

Se os oceanos fossem removidos repentinamente, veríamos que metade do nosso planeta é um vasto deserto de sedimentos soltos.

Em meio a essa planície árida, os nódulos oferecem uma superfície rara e firme para a vida se agarrar. Algumas esponjas e moluscos são específicos deles, enquanto nematelmintos e larvas de crustáceos foram encontrados vivendo em suas fendas.

Nódulos polimetálicos encontrados no sudeste do Oceano Pacífico ao longo do Peru — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT
Nódulos polimetálicos encontrados no sudeste do Oceano Pacífico ao longo do Peru — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT

"Eles são como as áreas rochosas em um jardim — você vai ter mais espécies vivendo lá do que se tivesse apenas terra", diz Daniel Jones, do National Oceanography Centre em Southampton, no Reino Unido, que estuda os efeitos das intervenções humanas na vida marinha.

Mas, recentemente, esses nódulos também chamaram a atenção de um mamífero terrestre voraz, que precisa deles para seus smartphones. O que aquele químico da expedição de 1873 não identificou é que os nódulos também contêm metais, como cobalto, níquel, cobre, titânio e elementos de terras-raras. E que estes um dia teriam um valor imenso para os seres humanos.

À medida que a tecnologia do século 21 avança, também aumenta a demanda por matéria-prima, como o cobalto, que é usado em baterias íon lítio de carros e eletrônicos. O problema é que, atualmente, grande parte do material é proveniente de fontes problemáticas.

A República Democrática do Congo extrai mais de 60% do suprimento mundial de cobalto de minas terrestres, mas a atividade no país foi associada a abusos de direitos humanos e trabalho infantil.

Isso torna os nódulos oceânicos um alvo cada vez mais atraente, apesar dos enormes desafios de engenharia para chegar até eles. Em uma região do Pacífico — a Clarion Clipperton Zone (CCZ) —, uma estimativa conservadora sugere que há cerca de 20 bilhões de toneladas, se os nódulos forem removidos e secos.

Embora por décadas sua exploração tenha sido considerada não rentável, várias organizações de mineração estão se mobilizando agora para removê-los, junto com outros tipos de depósitos minerais subaquáticos. Se for adiante, centenas de quilômetros quadrados serão dragados por ano.

Qual será o impacto disso? Nas décadas de 1970 e 1980, pesquisadores e empresas de mineração deram os primeiros passos na tentativa de avaliar a viabilidade e as consequências ambientais.

Em várias áreas dentro da CCZ, assim como em outro local próximo ao Peru chamado Discol (DIS-turbance and re-COL-onisation), navios arrastaram ancinhos e arados de metal especializados sobre o leito do Pacífico para recolher os nódulos e trazê-los para a superfície.

Embora não simule exatamente o maquinário de dragagem planejado para futuras minas, e a escala seja muito menor, seus efeitos oferecem algumas das melhores evidências que temos.

Os nódulos polimetálicos foram descobertos em 1800, mas até recentemente só haviam despertado interesse científico — Foto: ALAMY
Os nódulos polimetálicos foram descobertos em 1800, mas até recentemente só haviam despertado interesse científico — Foto: ALAMY

Em alguns casos, os rastros foram deixados para trás por cientistas curiosos sobre o que aconteceria com um ecossistema intocado. Em outros, foram as próprias organizações de mineração emergentes, testando suas tecnologias de extração. Uma tentativa chegou a envolver, inclusive, a CIA, agência de inteligência americana.

A Ocean Minerals Company (OMCO), um consórcio de grupos da indústria liderado pelo que agora é a Lockheed Martin, realizou testes de extração no Hughes Glomar Explorer. Este navio mais tarde ganharia fama por outros motivos — ele também carregava uma garra gigante projetada para uma tentativa secreta de içar um submarino russo do fundo do mar.

Anos mais tarde, à medida que os planos para a mineração em alto mar se aceleravam e licenças exploratórias eram emitidas, os pesquisadores voltaram a esses locais no Pacífico para estudar os efeitos de longo prazo. O que eles descobriram é que, mesmo após décadas, a vida nessas trincheiras artificiais ainda não voltou ao normal.

Em terra, a vida tende a brotar nas cavidades aradas de um campo, mas nas profundezas do mar, as trincheiras são relativamente estéreis. As criaturas que dependiam dos nódulos, agora removidos, não podem recolonizar.

E outras, que requerem sedimentos moles para escavar e encontrar alimento, não podem viver nas superfícies compactadas artificialmente.

"As comunidades desses nódulos nas planícies abissais serão especialmente vulneráveis ​​ao risco de extinção causado pelos esforços para extraí-los", concluiu Lara Macheriotou, da Ghent University, na Bélgica, e seus colegas em um artigo publicado no início de 2020.

E é possível, dizem os cientistas, que tais efeitos durem centenas ou até milhares de anos.

A socióloga Barbara Adam propôs certa vez que o mundo pode ser pensado em termos de "timescapes" adjacentes, que são caracterizados por seu ritmo.

Ela descreveu como as escalas de tempo industriais ou agrícolas se movem em um ritmo muito mais rápido do que as naturais e ecológicas. Todos esses regimes temporais estão interligados, mas quando um é forçado a se mover no ritmo do outro, o dano ambiental de longo prazo se torna um risco.

Uma anêmona do mar e uma esponja agarrada a um nódulo polimetálico — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT
Uma anêmona do mar e uma esponja agarrada a um nódulo polimetálico — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT

O timescape das profundezas do oceano é lento e paciente. Portanto, quando a humanidade envia seu maquinário para lá para remover recursos naturais submarinos, há dois regimes diferentes de tempo colidindo: o ritmo de uma planície abissal versus uma ânsia desenfreada e de curto prazo por novas tecnologias.

A profundeza dos oceanos não poderia estar mais distante dos ecossistemas verdejantes e das sociedades apressadas que povoam os continentes. As temperaturas na planície abissal oscilam perto de zero, a pressão é esmagadora e quase não há luz.

Os organismos que se agarram à vida sobrevivem com uma dieta de "neve marinha". Essa tempestade contínua de detritos orgânicos, geralmente digeridos três ou quatro vezes, cai da parte mais próxima da superfície do mar.

"É um ambiente com baixa temperatura, pouca comida e pouca energia, e isso tende a definir o ritmo de vida", diz Jones.

"Os animais não estão sujeitos às mudanças físicas extremas que você tem em águas rasas. Esta é provavelmente uma área onde qualquer distúrbio é duradouro."

Mas, embora essas regiões possam parecer desertos do mar — certamente em comparação com os vibrantes corais de águas rasas tropicais —, elas são grandes reservatórios de biodiversidade e desempenham um papel vital no ciclo do carbono por meio do sequestro natural.

"Muitos dos animais que vemos são novos para a ciência... e alguns organismos têm compostos ativos farmaceuticamente", diz Jones.

No longo prazo, também há potencial para interação com a atividade pesqueira mais acima na coluna de água.

"Há funções desempenhadas por essas comunidades que podem não se tornar valiosas por séculos em alguns casos."

Ao contrário de outros residentes, os pepinos-do-mar podem se mover pela superfície dos sedimentos — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT
Ao contrário de outros residentes, os pepinos-do-mar podem se mover pela superfície dos sedimentos — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT

Muitas vezes não conseguimos ver a vida dentro deste vasto espaço, porque é muito pequena e dispersa demais para se capturar sua dimensão com uma fotografia. Não há megafauna carismática para exibir em cartazes. Mas a vida existe em uma diversidade impressionante e cobre metade do nosso planeta.

Alguns podem argumentar que danificar a vida nas profundezas do oceano é um sacrifício que vale a pena ser feito, se comparado aos abusos de direitos humanos cometidos em minas na África.

No entanto, é improvável que um tipo de mineração simplesmente substitua o outro, diz David Santillo, do Greenpeace Research Laboratories da Universidade de Exeter, no Reino Unido, que recentemente foi coautor de uma análise sobre mineração no fundo do mar e seus potenciais impactos publicada na revista científica Frontiers in Marine Science.

"Há diferentes empresas envolvidas, diferentes mercados de certa forma, diferentes pressões por parte da demanda e incentivos... então, se a mineração no fundo do mar decolar, é mais provável que se torne simplesmente uma fonte adicional de minerais."

Embora a importância da vida nas profundezas do oceano possa ser difícil de quantificar em termos morais ou econômicos, ela tem um valor intrínseco. E o fato de suas escalas de tempo lentas e de longo prazo serem interrompidas tão rápido deveria ser motivo para cautela, de acordo com os cientistas com quem conversei.

Quanto às trilhas dragadas, se as futuras gerações um dia as encontrarem no fundo do oceano, elas terão perdurado por muito tempo além da vida útil do smartphone, laptop ou carro elétrico que ajudou a esculpi-las.

Nas palavras de David Farrier, autor do livro Footprints, esses vestígios acabam por se tornar os "futuros fósseis". Na era do Antropoceno, Farrier argumenta que estamos deixando para trás ​​heranças industriais, químicas e geológicas indesejáveis que persistirão por séculos.

"Os futuros fósseis são nosso legado e, portanto, nossa oportunidade de escolher como seremos lembrados", escreve ele.

Criaturas maiores são raras nesses ambientes — Foto: DANIEL JONES
Criaturas maiores são raras nesses ambientes — Foto: DANIEL JONES

"Eles vão registrar se continuamos imprudentes, apesar dos perigos que sabíamos que estavam à frente, ou se nos importamos o suficiente para mudar nosso rumo. Nossas pegadas vão revelar como vivemos para quem ainda estiver por aqui para descobri-las, sugerindo as coisas que estimamos ou negligenciamos, as jornadas que fizemos e a direção que escolhemos seguir."

É possível que essas marcas possam ser interpretadas como um sinal contundente de nossos hábitos de consumo no início do século 21.

"Se vamos ficar sem certos minerais, a menos que destruamos uma grande área do leito oceânico, então certamente este é o sinal para repensar o quão esbanjadores estamos sendo com os minerais que temos", diz Santillo.

"Se o que acabamos fazendo com a mineração no fundo do mar é simplesmente estender os padrões de consumo insustentáveis ​​por mais 30 anos, ou até mesmo acelerá-los trazendo ainda mais produtos para o mercado... não teremos mudado nada."

Sentado em Londres enquanto escrevo este artigo, meu mundo é pequeno e de curto prazo, circunscrito às restrições do lockdown no Reino Unido e do home office.

No entanto, minha mente vagou nas últimas semanas de volta às planícies abissais. Em uma época em que muitos dos mapas que vejo traçam a propagação do coronavírus, eis uma região do planeta que não poderia estar mais distante da pandemia.

Talvez parte do que me atrai seja o extremo absoluto deste deserto oceânico. Provavelmente nunca vou conseguir ver com meus próprios olhos. Até mesmo os cientistas que o estudam agora usam câmeras operadas remotamente, em vez de descerem eles próprios até o leito do oceano.

O fundo do mar, e a vida dentro dele, tem uma escala que desafia a imaginação, tanto espacial quanto temporalmente. Não é afetado pelo o que está acontecendo em terra — e isso é verdade há milênios.

Outro tipo de rastro — uma espiral curiosa deixada por uma minhoca do mar, observada acima por uma água-viva — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT
Outro tipo de rastro — uma espiral curiosa deixada por uma minhoca do mar, observada acima por uma água-viva — Foto: GEOMAR/MININGIMPACT PROJECT

No entanto, este pode ser o século em que isso vai mudar; onde deixaremos muito mais do que um ou dois fragmentos no fundo do oceano.

Quando os pesquisadores falam sobre intervenções humanas no fundo do mar, uma palavra que costumam usar é "distúrbio". Na linguagem científica, se refere à suspensão e dispersão de pluma de sedimentos e os efeitos nas comunidades submarinas. Mas a palavra distúrbio tem outro significado — também é um transtorno irracional.

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