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Vários municípios já entraram em situação de emergência por conta da seca no Brasil
Com base em dados levantados pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Fundação S.O.S. Mata Atlântica acredita que a crise de água no sistema Cantareira é apenas a ponta de um iceberg que deverá atingir Rio e Minas, além de São Paulo, caso não sejam feitas mudanças na gestão dos recursos hídricos.
Na última segunda-feira (10), a fundação lançou um edital para seleção de áreas prioritárias para a restauração florestal da Mata Atlântica, com propostas diretamente relacionadas com a conservação e proteção dos recursos hídricos do sistema Cantareira.
De acordo com Rafael Fernandes, coordenador de restauração florestal da fundação, projetos de recuperação de florestas em área de manancial são fundamentais para reverter situações de crise hídrica.
“O reflorestamento é uma das pontas, é preciso que haja também economia de água, uma consciência do uso mais racional dela. Floresta e água têm uma relação muito íntima e esse projeto seleciona um número de municípios que de fato influenciam no sistema Cantareira”, explica.
O conjunto de bacias convive há 30 anos0 com quase 80% de desmatamento de sua cobertura florestal nativa e possuindo atualmente apenas 48,8 mil hectares de remanescentes, ou 21,5% de sua área de Mata Atlântica original.
Através do programa Clickarvore, que apoia iniciativas e projetos de restauração florestal, até R$ 2 milhões serão investidos em propostas enviadas até o dia 15 de janeiro por pessoas físicas ou jurídicas, associações, OSCIPs ou ONGs ambientalistas ou por proprietários de terras. Até 1 milhão de mudas de espécies florestais nativas da Mata Atlântica deverão ser doadas.
Rafael Fernandes lembra que iniciativas de reflorestamento atingem ainda questões ambientais como a conectividade de fragmentos de mata espalhados e o salvamento de corredores de biodiversidade. “Tivemos uma seca muito atípica e a gente viu que faltou muito planejamento.
Tratamos a maioria dos nossos rios como esgotos a céu aberto. Lançamos uma carga enorme de poluentes em rios que podiam ser fontes de abastecimento. Com todos os holofotes voltados para essa causa, é uma oportunidade de pelo menos fazer as pessoas”, acredita.
É importante ressaltar que a crise hídrica, principalmente em sua manifestação na cidade de São Paulo, não é fruto apenas de aspectos climáticos. Inúmeros outros fatores contribuíram para a atual situação. O aumento populacional cresce no Brasil em uma taxa de 0,9% ao ano – enquanto que São Paulo cresceu em uma média de 1,1% na última década.
A urbanização galopante dos grandes centros também aumentou consideravelmente a poluição de rios ao mesmo tempo em que dificultou o acesso à água potável. Com crescimento urbano, aumenta ainda o desmatamento, a impermeabilização do solo e a sobrecarga do sistema de abastecimento e coleta – e todos esses fatores influem no quadro hídrico.
Aliança pela água
A busca por soluções que resolvam a crise hídrica a longo e curto prazo acaba sendo acelerada em situações complicadas como a atual. No fim do último mês, foi lançada na capital paulista, uma associação formada por mais de 20 organizações não governamentais que trabalham na defesa do meio ambiente.
O objetivo do projeto chamado Aliança pela Água é trazer sugestões que ajudem a solucionar a falta de água em São Paulo. A iniciativa teve início em um mapeamento feito junto a 281 especialistas, que enumeram propostas e chegaram a 20 ações principais, de curto e longo prazo. O levantamento reuniu 368 organizações, contextualizando cerca de 60 municípios atingidos pela crise.
Em relação às iniciativas de curto prazo, a Aliança pela Água sugere a instalação de um comitê de gestão de crise e de salas de situação de crise, pelo governo estadual, com ampla participação das prefeituras e da sociedade.
A transparência na gestão, ampliação da divulgação de informações públicas, a promoção de campanhas que garantam acesso da população aos horários e dias com risco de falta de água também foram medidas consideradas importantes.
“Essa aliança tem essa prerrogativa de gerar uma sinergia e uma pressão social sobre decisões que devem ser tomadas a curto e médio prazo. Essa coalizão de mais de 20 organizações da sociedade civil vêm contribuir para uma plataforma de segurança hídrica, incentivando ações existentes e fazendo com que novas medidas sejam lançadas sem esperar só ações do governo”, explica.
Samuel acredita que é preciso voltar as atenções para medidas como a recuperação dos mananciais. Mais de 80% da cobertura verde foi perdida com o tempo e isso, segundo o especialista, tem impacto direto tanto na qualidade quanto na quantidade da água que chegam às torneiras.
“É preciso rever o modelo atual, recuperar áreas de mananciais, aplicar mecanismos melhores de gestão de oferta de forma a reduzir as perdas de forma mais robusta. A média brasileira é que se perda 40% de tudo o que produzimos. Em vez de usar e descartar a água, é preciso reutilizar. A gente tem em média 60 metros cúbicos por segundo de esgoto sendo gerados e essa água poderia ser reaproveitada para diversas finalidades”, indica.
A especialista em gestão de recursos hídricos, sustentabilidade e meio ambiente Marussia Whately, do Instituto socioambiental (Isa), que assim como o TNC também integra o grupo de entidades da Aliança Pela Água, explica ainda que hoje são três as principais fontes de degradação da água: os esgotos urbanos, o desmatamento em várias áreas e o uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes.
“Esses três fatores trazem alto impacto de degradação dos recursos hídricos e não vêm sendo tratados de uma forma integrada. Uma parte do território passa por uma estiagem severa e a gente não tem visto respostas à altura: apesar da existência de menos chuva não foram tomadas medidas para controlar a água retida nos mananciais.
Já era algo anunciado, a Agência Nacional de Águas já apontava que em 2015 mais da metade das cidades brasileiras poderiam ter problemas de abastecimento por conta de infraestrutura”, lembra.
Marussia Whately diz ainda que, nesse momento, é necessário pensar em ações emergenciais para garantir o acesso à água visto que, segundo a especialista, as perspectivas de chuva não estão sendo animadoras. “De forma imediata, não apenas em São Paulo, é preciso garantir transparência para lidar com a crise.
É preciso criar comitês de gestão de crise envolvendo o governo, a sociedade, o segmento agrícola e o industrial. É preciso trabalhar de forma integrada e fornecer informações para as pessoas acerca da real dimensão da situação.
A Cadesp vem fazendo há seis meses uma campanha de bônus na conta de água para quem economizar e mesmo assim 25% dos contribuintes aumentaram o consumo. É preciso outra forma de comunicar e de chegar a esses consumidores”, afirma.
Na busca por água doce, muitos países esbarraram na técnica de dessalinização. No Brasil, o sistema já é usado em nove estados, desde o sertão do Ceará até Fernando de Noronha, que ainda depende fundamentalmente da chuva para o abastecimento visto que 40% da água consumida na ilha vêm de açude e de poços.
Marussia acredita que, em momentos de crise, soluções que envolvem investimentos caríssimos começam a ser apresentadas. “Dessalinização, fora alguns lugares, é uma medida muito extrema quando se olha para o potencial hídrico que o Brasil tem.
O que precisamos aprender é a cuidar melhor da água e recuperar nossas florestas, antes de começarmos a avançar em questões dessa escala”, acredita.
Samuel Barreto também acredita que o contexto do Brasil pede outro tipo de ações prioritárias. Para o especialista, é fundamental sempre considerar novas tecnologias, mas que ações como a dessalinização podem nem ser viáveis em determinadas situações.
“Em São Paulo não é viável, por conta da questão do nível do mar, por exemplo. Talvez seja algo que poderia ser feito no Rio, mas, mesmo sendo viável, muita coisa pode ser feita antes. Seja resolver o problema do uso ineficiente, resolver o desgaste dos mananciais. Temos muita lição de casa para fazer antes disso”, conta.
* Do programa de estágio do JB
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