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Versão de 'A guerra dos mundos' fechou comércio e levou Exército às ruas.
Livro reconstitui episódio que marcou a história. Confira trechos.
Primeira página do jornal "O Imparcial" de 31/10/71
relata o impacto do programa da rádio Difusora
relata o impacto do programa da rádio Difusora
Não se trata da célebre encenação levada ao ar em 1938 por Orson Welles nos EUA, mas de uma versão que, em 1971, comemorou o aniversário da rádio Difusora, de São Luís (Maranhão), transformando a rotina da cidade - como ocorrera 33 anos antes durante a emissão americana.
"O programa foi interpretado pelos ouvintes não como uma invasão alienígena, conforme seu roteiro, mas como se fosse o próprio fim do mundo", explica o professor Francisco Gonçalves da Conceição, organizador do livro "Outubro de 71 - Memórias fantásticas da guerra dos mundos", que reconstitui a histórica transmissão.
Fruto de três anos de trabalho de uma turma de graduação em Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão, a obra será lançada hoje à noite, em São Luís, com a presença de alguns dos protagonistas que transformaram o então pacato sábado 30 de outubro de 1971 naquele que, para muitos de seus ouvintes, seria seu último dia sobre a Terra.
Reação nas ruas
Os relatos sobre as consequências da transmissão são conflitantes, mas sabe-se com certeza que o comércio do centro histórico de São Luís fechou as portas - as pessoas queriam ir o quanto antes para suas casas a fim de "morrer" ao lado dos familiares. Naquele dia, os motoristas de táxi tiveram trabalho de sobra.
Na memória coletiva da cidade há lembranças de pessoas acendendo velas, pregadores reunindo grupos para a leitura do Evangelho, e personagens proeminentes (como políticos) confessando traições amorosas e pedindo perdão de joelhos às mulheres. Enfim, um pandemônio.
Além disso, uma unidade do Corpo de Bombeiros chegou a ser acionada durante o programa, e um oficial do Exército que participava de um churrasco em Pinheiro, a cerca de 190 km de São Luís, fretou um voo (depois pago pela rádio Difusora) para levá-lo à capital, onde constatou que o relato da Difusora não correspondia à realidade.
Por causa disso, e depois de encerrada a transmissão, uma patrulha do Exército invadiu a rádio e exigiu sua lacração - a emissora ficou fechada por três dias.
As consequências para os radialistas (ninguém foi preso ou processado) só não foram maiores porque eles conseguiram enxertar, em dois momentos da gravação que foi analisada à época pela Polícia Federal, o aviso de que o programa era uma obra de ficção, que não foram ao ar na emissão original.
Confira ao lado uma versão editada de 25 minutos do programa.
"Quando a ficha caiu, eu acho que as pessoas ficaram com muita vergonha de terem sido enganadas. Isso ajudou também a esfriar o assunto, deixar que ele praticamente ficasse esquecido por quatro décadas", analisa Pereirinha.
Da ideia à realização
Sérgio Britto, pseudônimo de José de Jesus Brito, hoje aos 72 anos, conta que teve a ideia do programa ao ler, numa edição da revista masculina "Ele&Ela" (publicada na década de 70 pela Bloch Editores), a sinopse da radionovela com a qual Orson Welles eletrizou - e apavorou - audiências em 1938 pela rádio CBS.
O roteirista da Guerra dos Mundos maranhense,
Sérgio Brito, em São Luís (Foto: Douglas Junior/G1)
Sérgio Brito, em São Luís (Foto: Douglas Junior/G1)
Como a visita de um cientista ao Maranhão e o pouso de um "estranho objeto" no Campo de Perizes, até hoje a única saída terrestre da ilha de São Luís. "Eu tinha medo de uma fuga em massa acontecer, então coloquei uma nave espacial ali", relembra.
Apesar de o roteiro ter sido aprovado pelo departamento de censura da Polícia Federal, Brito diz que estava debruçado sobre ele horas depois da liberação da PF. "Aprovaram um negócio qualquer lá, sem ter muita noção do que se tratava", conta. Dissociado dos efeitos sonoros, o programa também perdia muito de seu impacto.
Na época, a rádio Difusora já possuía uma emissora de TV, mas nos primórdios ela ficava no ar apenas algumas horas por dia (sempre entre a tarde e à noite, normalmente a partir das 14h). "É por isso que decidimos que a Guerra dos Mundos precisava ir ao ar pela manhã de qualquer jeito", diz Brito.
A Guerra dos Mundos maranhense foi ao ar sem nenhum tipo de ensaio: os participantes (entre eles o locutor Rayol Filho, que comandava o "São Luís Hit Parade", programa musical bastante popular na época) foram recebendo os textos praticamente no momento em que deveriam ser lidos.
Manoel Pereira, responsável pelos efeitos especiais
do programa, em São Luís (Foto: Douglas Junior/G1)
do programa, em São Luís (Foto: Douglas Junior/G1)
Diferentemente da versão de Welles, o programa maranhense foi ar transmitido em flashes durante dois programas musicais de bastante sucesso no rádio de São Luís, entre 7h30 e 12h30.
A gravação agora recuperada, porém, começa uma hora e meia depois porque o sonoplasta se atrasou naquele dia (toda a programação das emissoras de rádio e TV do país tinha de ser gravada obrigatoriamente por determinação da Censura Federal - eram os tempos da ditadura militar).
Lançamento do livro
Nesta quarta-feira (26), o livro "Outubro de 1971" será lançado a partir das 19h no Palácio Cristo Rei (Largo dos Amores, 351, na Praça Gonçalves Dias). A obra, organizada por Francisco Gonçalves da Conceição, inclui um CD com 120 minutos da versão maranhense de "A Guerra dos Mundos".
O livro foi financiado pela Fapema (Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão), com o apoio do Mavam (Museu da Memória Audiovisual), e contou com o trabalho de pesquisa de Aline Cristina Ribeiro Alves, Andréia de Lima Silva, Elen Barbosa Mateus, Kamila de Mesquita Campos, Karla Maria Silva de Miranda, Mariela Costa Carvalho, Romulo Fernando Lemos Gomes Gomes e Sarita Bastos Costa.
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