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Trata-se de um organismo que pode calcular e navegar em sistemas complexos com incrível eficiência e objetividade. Desde 2018, eles são "professores convidados não humanos" em uma universidade em Massachusetts.<<<===+===.=.=.= =---____-------- ----------____---------____::____ ____= =..= = =..= =..= = =____ ____::____-----------_ ___---------- ----------____---.=.=.=.= +====>>>
Por BBC
Postado em 31 de agosto de 2022 às 19h30m
#.*Post. - N.\ 10.453*.#
Uma criatura amarela que mora na floresta e não tem cérebro, mas é capaz de pensar — Foto: RONALD GRANT
Que tal começarmos com um teste rápido.
Você está perdido em uma enorme loja que parece um labirinto e não sabe como sair dela. A quem você pede ajuda?
Pergunta 2: Você está redigindo um documento de política para assessorar o governo dos Estados Unidos sobre como governar suas fronteiras nacionais. Onde você procura conselhos?
Última pergunta: Você precisa desenhar um mapa da teia cósmica, como você faz isso?
Existem, é claro, várias respostas para essas perguntas, mas em todos os casos você poderia ser inspirado por um organismo: o bolor limoso, que também pode ser conhecido por muitos nomes diferentes.
Sendo cientificamente preciso ele não é exatamente um bolor... mas pelo menos uma de suas espécies é extraordinária.
"O bolor é uma divisão do mundo dos fungos, mas o bolor limoso é na verdade um protista (não é um animal, planta ou fungo) - é essencialmente uma célula gigante", diz o biólogo Merlin Sheldrake, autor do livro Entangled Life, que aborda o tema.
O bolor limoso é um plasmódio, ou seja, uma célula que contém muitos núcleos. Então, ao contrário da maioria dos organismos unicelulares, você não precisa de um microscópio para vê-lo.
E essa única célula é capaz de tecer vastas redes exploratórias feitas de tentáculos semelhantes a veias que podem se estender até um metro.
Existem cerca de 900 espécies de bolor limoso, mas vamos nos concentrar no Physarum Polycephalum, que literalmente quer dizer "bolor de várias cabeças". Ele também é conhecido como "blob" (referindo-se ao clássico filme de 1958 The Blob).
Clássico filme The Blob serviu de inspiração para nomear popularmente o bolor limoso — Foto: GETTY IMAGES
Por que os cientistas do mundo estão tão empolgados com essa espécie em particular?
"Ele se tornou um organismo emblemático de resolução de problemas. É fácil de cultivar e cresce rápido, o que é uma das razões pelas quais tem sido tão bem estudado", explica Sheldrake.
"Mas acima de tudo, seus comportamentos são extraordinários."
Ele pode fazer todos os tipos de coisas.
"Explorar, resolver problemas, adaptar-se a novas situações, tomar decisões entre cursos alternativos de ação - e tudo sem cérebro!"
Como ele faz isso?
"O Physarum é sensível ao gradiente químico, então pode crescer em direção a sinais químicos ou ficar longe dos pouco atraentes".
"Primeiro, ele tende a crescer em todas as direções ao mesmo tempo. E então, quando encontra comida, ele se retrai e forma as conexões entre suas fontes de alimento."
É um pouco como se você estivesse no deserto e precisasse procurar água. Você tem que escolher apenas uma direção para caminhar.
O Physarum Polycephalum pode "andar" em todas as direções ao mesmo tempo até encontrar alimentos; depois encolhe os ramos que não encontraram nada e fortalece os que encontraram, através de uma série de contrações químicas.
Em um experimento memorável, "blob" aprendeu a "ignorar" os químicos
colocados para bloquear seu caminho para a comida. Esse comportamento
sugere uma forma primitiva de memória, e ninguém sabe como ela realiza
essa façanha — Foto: SCIENCE PHOTO LIBRARY
"Nunca deixa de me surpreender que eles possam usar essas contrações para fazer esse tipo de cálculo analógico, para integrar informações sem precisar de um cérebro. Que sua coordenação ocorra em todos os lugares ao mesmo tempo e em nenhum lugar em particular."
Uma rede ferroviária no Japão
Tudo isso significa que o "blob" é capaz, em termos humanos, de resolver problemas, fazer redes, navegar em sistemas e labirintos com uma eficiência incrível.
Há um estudo japonês icônico de 2010, quando o Physarum traçou a rede ferroviária da Grande Tóquio, e para isso precisou somente de uma pequena placa de Petri e um punhado de aveia.
Segundo os estudos, o Physarum adora aveia, é a sua comida preferida.
"Então, eles modelaram a área da Grande Tóquio colocando copos de aveia nos centros urbanos e depois o lançaram. Ao longo de algumas horas, havia formado uma rede eficiente que conectava os copos de aveia, e essa rede parecia muito com a rede de metrô existente na área da Grande Tóquio", detalha o estudo.
O Physarum havia estabelecido, em questão de horas, uma rede eficaz que levou décadas para ser feita na vida real.
Adaptação da ilustração do estudo do professor Toshiyuki Nakagaki sobre
a criação e otimização de redes por parte do P. polycephalum. — Foto:
TIM TIM / WIKIPEDIA
O "blob" no universo
Após o estudo de Tóquio, experimentos com Physarum Polycephalum decolaram em todo o mundo, para projetar novas redes de transporte urbano ou encontrar rotas eficazes de evacuação de incêndio, até mesmo mapear a teia cósmica... o que parece estranho, mas ocorreu.
Uma equipe de cientistas fez uma simulação digital traçando as localizações das 37.000 galáxias conhecidas.
Então, um algoritmo inspirado no "blob", adaptado da placa de Petri para trabalhar em três dimensões, foi liberado em um banquete virtual onde as galáxias estavam representadas por pilhas de copos de aveia digital, por assim dizer.
A partir daí, o algoritmo produziu um mapa digital em 3D da teia cósmica subjacente, visualizando os fios em grande parte invisíveis de matéria que os astrofísicos acreditam que unem as galáxias do universo.
Eles compararam com dados do Telescópio Espacial Hubble, que detecta traços da teia cósmica, e descobriram que tudo combinava em grande parte.
Portanto, parece haver uma estranha semelhança entre as duas redes, a rede de "blob" formada pela evolução biológica e as de estruturas no cosmos criadas pela força primordial da gravidade.
Os astronômos apelaram à criatividade ao tentar rastrear a
indescrítivel teia cósmica, a coluna vertebral do cosmos. As imagens
mostram algumas das galáxias das quais o "blob" se "alimentou"
(representadas em amarelo) e os fios de conexão da rede cósmica (roxo)
sobrepostos — Foto: NASA, ESA Y J. BURCHETT Y O. ELEK (UC SANTA CRUZ)
Os "blobs" acadêmicos
Vamos voltar para a dura realidade daquele pequeno ponto azul no espaço que é o nosso mundo.
O Physarum também pode nos ajudar com problemas que vão além do mapeamento e da criação de redes, como para coisas humanas mais complexas, como formulação de políticas e governança.
"De certa forma, os Physarum são economistas, em termos de alcançar um ótimo universo", diz o filósofo experimental Jonathon Keats.
Em 2018, ele foi ao Hampshire College, em Massachusetts, EUA, com uma ideia.
"Propus que os "blobs" fossem nomeados como professores visitantes, com a ideia de ter um grupo desses especialistas no campus para refletir sobre alguns dos problemas mais desafiadores do mundo."
Foi o primeiro programa acadêmico do mundo para uma espécie não humana e foi chamado de Consórcio Plasmodium.
Página de universidade americana tem área dedicada ao consórcio — Foto: Reprodução/Hampshire College
Os polycephalies de Physarum se tornaram estudiosos, com direito a escritório.
"Não tem janelas, mas os "blobs" não gostam muito de luz, então do ponto de vista deles foi bom, e logo que eles se instalaram lá, pudemos começar."
Eles modelaram os problemas humanos de maneira que os blobs pudessem "entendê-los" para obter sua perspectiva imparcial.
"Os Physarum são superorganismos: eles são um apesar de serem muitos. Portanto, eles são mais objetivos do que nós quando se trata de assuntos humanos."
Eles começaram com as questões usuais de rede e mapeamento, distribuição e transporte, antes de passar para algumas preocupações políticas maiores, "desde políticas de drogas até questões de nosso uso de recursos", observa Keats.
O muro de Trump
Talvez os experimentos mais polêmicos tenham sido aqueles que exploraram a política de fronteira internacional.
"Criamos um mundo simplificado, que é realmente o que qualquer um faz quando está criando qualquer tipo de modelo (os economistas fazem isso o tempo todo)."
"O que fizemos foi pegar uma das condições mais fundamentais: um lugar tem alguma coisa, outro lugar tem outra coisa, e cada lugar quer proteger o que tem contra o outro."
O "blob" com seu prato preferido: aveia — Foto: SCIENCE PHOTO LIBRARY
Eles usaram dois recursos essenciais para os "blobs", proteína e açúcar, e os espalharam em uma placa de Petri, cada um em um lado oposto, e tentaram com uma parede entre eles e também sem ela, deixando Physarum descobrir o que fazer com esses recursos.
"Eles não apenas sobreviveram, mas prosperaram no caso de não haver muro e floresceram mais na área de fronteira", explica o pesquisador.
"Então escrevemos uma carta para Kirstjen Nielsen, que era a Secretária de Segurança Nacional nos EUA na época, e também enviamos para as Nações Unidas e muitos outros órgãos governamentais, dizendo a eles que as fronteiras não são uma boa ideia e que devemos superar o medo para reconhecer como ter fronteiras abertas beneficia a todos."
Absurdo?
É claro que esses problemas internacionais multifacetados não podem ser reduzidos a algumas poucas placas de Petri.
Mas o ponto é que esses experimentos são deliberadamente exagerados para nos desafiar a pensar de novas maneiras.
"O consórcio Plasmodium é, em certo sentido, absurdo. As pessoas riem quando ouvem que os "blobs" montaram um grupo de especialistas em colaboração com humanos em uma universidade nos Estados Unidos porque simplesmente não é assim que as coisas são feitas."
Mas acho que também há algo muito sério por trás disso. O Physarum têm uma inteligência excepcional, então precisamos incorporar algumas das ideias que obtemos ao observar como eles se comportam, pensando em nós mesmos de maneiras que não tínhamos feito antes", declara o pesquisador.
Esse é o aspecto mais atraente de tudo isso. Que um organismo sem cérebro pode nos ensinar a ser mais objetivos, a pensar mais a longo prazo, e que pode abordar um problema de uma maneira que simplesmente não pensaríamos.
E no caso de alguns enigmas, como mapear o cosmos, pode ser mais rápido do que a gente.
Tudo isso põe em dúvida nossas definições humanas de inteligência.
Do fundo de nossas hierarquias, Physarum é considerado um desafio que
tem sido cada vez mais estudado — Foto: SCIENCE PHOTO LIBRARY
"Nossa visão hierárquica da inteligência com humanos no topo da Grande Pirâmide revela o narcisismo de nossa espécie", afirma Sheldrake.
"Pensar sobre o mundo sem usar a nós mesmos como o padrão pelo qual todos os outros seres vivos devem ser julgados pode ajudar a amortecer algumas das hierarquias que sustentam o pensamento moderno", completa.
Essas hierarquias significam que nós, Homo sapiens, temos uma opinião incrivelmente alta de nós mesmos, e isso tem nos ajudado a chegar longe.
Mas talvez isso já tenha cumprido o seu propósito.
"Acho que nós, humanos, temos a necessidade de acreditar em um tipo de superioridade. Essa alta autoestima tem sido o motor da dominação. Temos sido capazes de fazer mais e isso é um resultado de acreditar que podemos mais", aponta Keats. .
"Mas estamos chegando a um limite, ao ponto em que essa forma de pensar está piorando o mundo para nós e para outras espécies. Então é hora de repensar."
E um catalisador para esse repensar é o Physarum Polycephalum, um protista de uma única célula sem cérebro que fica na parte inferior dessa hierarquia, de onde pode abalar todo o sistema.
Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62703311
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