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segunda-feira, 26 de junho de 2023

Dois em cada três domicílios chefiados por negros sofrem com insegurança alimentar, diz estudo

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Situação é mais grave entre as mulheres negras: apenas 30,1% dos domicílios chefiados por elas não sofrem com algum tipo de insegurança alimentar no Brasil.
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Por Raphael Martins, g1

Postado em 26 de junho de 2023 às 06h10m

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A fome foi mais frequente em lares chefiados por pessoas pretas (20,6%), seguidas de pardos (17%) e brancos (10,6%). — Foto: Jornal da USP
A fome foi mais frequente em lares chefiados por pessoas pretas (20,6%), seguidas de pardos (17%) e brancos (10,6%). — Foto: Jornal da USP

Mais de 60% dos lares chefiados por pessoas autodeclaradas pardas e pretas, o que se aglutina em raça negra, sofre com algum tipo de insegurança alimentar no Brasil.

Esse corte de raça teve o desempenho de mais vulnerabilidade alimentar no país, como mostrou o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), divulgado nesta segunda-feira (26).

Pelos critérios da pesquisa, um domicílio com Segurança Alimentar (SA, pela sigla usada pelos pesquisadores) é aquele com acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.

No lado oposto, a Insegurança Alimentar (na sigla, IA) foi dividida em três esferas de intensidade, que vão de leve a grave, e uma extra que junta os piores tipos de vulnerabilidade.

  • IA leve: engloba preocupação ou incerteza em relação ao acesso aos alimentos no futuro próximo, qualidade inadequada dos alimentos para não reduzir quantidade.
  • IA moderada: engloba casos de redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação por falta de alimentos no domicílio.
  • IA grave: realidade de fome, de não comer por falta de dinheiro, de fazer apenas uma refeição ao dia ou ficar o dia inteiro sem comer.
  • IA moderada + grave: considera as formas mais severas de IA na mesma categoria, com restrição moderada ou grave aos alimentos; junta domicílios com qualidade da alimentação e quantidade de alimentos comprometidos, e os que estão enfrentando a fome.

A IA moderada + grave foi encontrada em 34,4% dos lares chefiados por pessoa parda e em 39,1% daqueles onde uma pessoa preta era a referência, diz o relatório.

A IA grave, que pode ser traduzida em fome, foi mais frequente em lares chefiados por pessoas pretas (20,6%), seguidas de pardos (17%) e brancos (10,6%).

A pesquisa realizou entrevistas presenciais, entre novembro de 2021 e abril de 2022, com 12.745 domicílios de 577 municípios brasileiros. Foram contempladas áreas urbanas e rurais de todas as regiões do país.

Cada um dos domicílios recebeu uma pontuação de acordo com o número de respostas afirmativas para problemas na rotina alimentar. Foram classificados com boas condições de Segurança Alimentar os domicílios que zerassem o questionário. O nível de Insegurança Alimentar foi definido por um placar de 1 a 8.

Corte de gênero agrava a situação

A situação é mais grave entre as mulheres negras: apenas 30,1% dos domicílios chefiados por elas não sofrem com algum tipo de Insegurança Alimentar no Brasil.

Depois das mulheres negras, os domicílios chefiados por homens negros vêm a seguir como os mais vulneráveis (39,7% de Segurança Alimentar). Depois, entram as mulheres brancas (47,5%) e homens brancos (58,3%).

Recortes socioeconômicos

A pesquisa também aprofunda os dados com segmentações socioeconômicas, como de escolaridade. Os números mostram que, quanto mais comprometidas as variáveis, pior o resultado.

Entre as mulheres negras que estudaram menos que 8 anos, o percentual de domicílios com Segurança Alimentar perde cerca de 7 pontos percentuais em relação à média e cai para apenas 23,8%.

E mesmo que as mulheres negras que chefiam o domicílio tenham estudado mais do que 8 anos, os resultados são piores do que os demais perfis. O resultado sobe para 36,2%, que ainda representa 10 pontos percentuais a menos do que os homens negros (46,7%).

Veja abaixo os resultados gerais do quesito.

Nos domicílios chefiados por pessoas sem escolaridade ou com menos de 8 anos de estudo, destacamos as elevadas prevalências de IA moderada e grave em lares chefiados por mulheres, diz o relatório. 
Condições de trabalho

O estudo mostra que a variável que leva a questão de Segurança Alimentar ao limite é a condição de emprego do chefe de família. A distância entre desempregados ou trabalhadores informais para aqueles com emprego formal é gritante.

Os domicílios chefiados por mulheres negras do primeiro grupo só têm Segurança Alimentar em 19,4% dos casos, enquanto 31,8% têm Insegurança Alimentar grave. Para aquelas que têm empregos formais, o percentual de SA sobe para 48,1%, ao mesmo passo que a IA grave é reduzida para apenas 9,3%.

E ainda que as mulheres negras com emprego formal persistam com o menor percentual de domicílios com Segurança Alimentar, a diferença para os demais grupos é muito menor: domicílios de homens negros passam a 50%, de mulheres brancas a 55,9% e homens brancos, 65,5%.

Famílias chefiadas por pessoas negras e em situação de trabalho informal ou desemprego, comparadas com aquelas chefiadas por pessoas brancas na mesma condição, apresentavam prevalência mais elevada de IA moderada e grave e inferior de SA, diz o relatório.

Já o desemprego de algum dos membros da família já traz impactos significativos. No extrato mais baixo de renda, de até meio salário mínimo per capita, os domicílios chefiados por brancos têm uma redução de 22,3% para 18,4% em Segurança Alimentar quando se compara uma situação em que não há desempregados contra ao menos um desempregado na família.

Entre os negros, o indicador passa de 17,3% para 11, 6%. E a Insegurança Alimentar moderada + grave sobe de 54,7% para 69%.

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