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quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Como a Peste Negra de 700 anos atrás ainda afeta nossa saúde hoje em dia

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Mutações genéticas que salvaram as pessoas na época estão causando doenças autoimunes hoje.
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TOPO
Por James Gallagher, BBC

Postado em 20 de outubro de 2022 às 13h35m

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Restos mortais das covas para vítimas da peste em Londres foram usados ​​na análise genética — Foto: MUSEUM OF LONDON/BBC
Restos mortais das covas para vítimas da peste em Londres foram usados ​​na análise genética — Foto: MUSEUM OF LONDON/BBC

A devastação causada pela pandemia de peste deixou uma marca genética tão forte na humanidade que ainda afeta nossa saúde quase 700 anos depois.

Cerca de metade da população morreu quando a Peste Negra varreu a Europa em meados de 1300.

Um estudo pioneiro que analisou o DNA de ossadas centenárias encontrou mutações que ajudaram as pessoas a sobreviver à doença.

Mas essas mesmas mutações estão ligadas a doenças autoimunes que afligem a população hoje.

A Peste Negra é um dos capítulos mais significativos, mortais e sombrios da história humana. Estima-se que até 200 milhões de pessoas morreram.

Pesquisadores de um novo estudo suspeitam que um evento de tamanha proporção pode ter moldado a evolução humana.

Eles analisaram o DNA retirado dos dentes de 206 esqueletos antigos — e foram capazes de datar com precisão os restos mortais como sendo de antes, durante ou depois da Peste Negra.

A análise incluiu ossadas das covas para vítimas da peste do cemitério de East Smithfield que foram usadas ​​para sepultamentos em massa em Londres, no Reino Unido, além de amostras vindas da Dinamarca.

Esta pesquisadora está analisando um dente antigo que contém DNA degradado — Foto: MCMASTER UNIVERSITY/BBC
Esta pesquisadora está analisando um dente antigo que contém DNA degradado — Foto: MCMASTER UNIVERSITY/BBC

A descoberta, publicada na revista científica Nature, envolve mutações em um gene chamado ERAP2.

Quem possui determinadas mutações tem 40% mais chances de sobreviver à peste.

"É bastante, é um efeito enorme, é uma surpresa encontrar algo assim no genoma humano", afirma Luis Barreiro, professor da Universidade de Chicago, nos EUA.

A função do gene é produzir as proteínas que desmembram os micróbios invasores e mostrar os fragmentos ao sistema imunológico, preparando-o para reconhecer e neutralizar o inimigo de forma mais eficaz.

O gene aparece em diferentes versões — aquelas que funcionam bem e aquelas que não fazem nada — e você recebe uma cópia de cada progenitor.

Assim, os sortudos, com maior probabilidade de sobreviver, herdaram uma versão de alto desempenho da mãe e do pai.

E os sobreviventes da peste tiveram filhos, transmitindo assim essas mutações úteis, de modo que de repente se tornaram muito mais comuns.

"É grandioso ver uma mudança de 10% ao longo de duas a três gerações, é o evento de seleção mais forte em humanos até hoje", afirma o geneticista evolutivo Hendrik Poinar, professor da Universidade McMaster, no Canadá.

Os resultados foram confirmados em experimentos modernos usando a bactéria causadora da peste — Yersinia pestis. Amostras de sangue de pessoas com as mutações úteis foram mais capazes de resistir à infecção do que aquelas sem.

"É como assistir à Peste Negra se desenvolver em uma placa de Petri — é revelador", diz Poinar.

— Foto: UNIVERSITY OF CHICAGO/BBC
— Foto: UNIVERSITY OF CHICAGO/BBC

Ainda hoje essas mutações resistentes à peste são mais comuns do que eram antes da Peste Negra.

O problema é que foram associadas a doenças autoimunes, como a doença inflamatória intestinal de Crohn — ou seja, a mesma coisa que ajudou a manter seus ancestrais vivos há 700 anos pode estar prejudicando sua saúde hoje.

Outras forças históricas em nosso DNA têm um legado que sentimos. Cerca de 1% a 4% do DNA humano moderno vem da procriação entre nossos ancestrais com neandertais — e essa herança afeta nossa capacidade de responder a doenças, incluindo a covid-19.

"Assim, essas cicatrizes do passado ainda impactam nossa suscetibilidade a doenças hoje, de uma maneira bastante notável", observa Barreiro.

Segundo ele, a vantagem de sobrevivência de 40% foi o "efeito de aptidão seletiva mais forte já estimado em humanos". Aparentemente, diminui o benefício das mutações de resistência ao HIV (vírus causador da Aids) ou daquelas que ajudam a digerir o leite — embora ele alerte que as comparações diretas são complicadas.

Mas a pandemia de covid-19 não deixará um legado semelhante.

A evolução funciona por meio de sua capacidade de reproduzir e transmitir seus genes. A covid mata em grande parte os idosos que já passaram da fase de ter filhos.

Foi a capacidade da peste de matar em todas as faixas etárias e em números tão grandes que fez a doença ter um impacto tão duradouro.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63325946

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