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domingo, 5 de junho de 2022

Cannabis medicinal: o que é o sistema endocanabinoide e como a planta age no corpo

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Importação de produtos à base da planta cresceu 15 vezes nos últimos 5 anos e Anvisa já permite venda de 18 deles nas farmácias. Evidências vão do tratamento da epilepsia à ansiedade.
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Por Carolina Dantas, g1

Postado em 05 de junho de 2022 às 10h10m

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Cannabis medicinal está presente no tratamento de 26 condições médicas — Foto: Marcelo Brandt/G1
Cannabis medicinal está presente no tratamento de 26 condições médicas — Foto: Marcelo Brandt/G1

A cannabis é o gênero da planta proibida, a maconha, mas que também é a planta medicinal, utilizada para o tratamento de epilepsia refratária, dor crônica, Alzheimer, ansiedade, Parkinson – uma lista com 26 condições médicas.

Em meio à liberação da importação e a desmistificação dos usos da erva — cada vez mais direcionados às propriedades terapêuticas — os especialistas passam a utilizar termos nem sempre conhecidos por todos: CBD, THC e sistema endocanabinoide, entre outros.

Abaixo, o g1 explica alguns dos principais termos do universo da cannabis medicinal:

  1. CBD, THC, terpenos, flavonoides: entenda as substâncias presentes na planta
  2. Sistema endocanabinoide: o que é, para que serve e como agem as substâncias
  3. Quais são as principais doenças e condições tratadas pela cannabis
  4. O que pode e o que não pode no Brasil, de acordo com a regulamentação
1. As substâncias

Wilson Lessa Junior, psiquiatra e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), explica que são três grupos principais presentes na cannabis:

Fitocanabinoides:

São mais de 100 fitocanabinoides presentes da planta, de acordo com o especialista, mas os mais conhecidos são o tetrahidrocanabinol, que é o THC, e o canabidiol, que é o CBD.

Existem outros fitocanabinoides, como o CBG, que é o cannabigerol, e a THCV, a tetrahidrocanabivarina.

Essas substâncias se conectam ao sistema endocanabinoide (leia mais abaixo) no corpo humano e, assim, apresentem efeitos terapêuticos.

"A ação ocorre através da ativação do sistema endocanabiboide, mas existem várias evidências de que podem existir outros tipos de ativação por outros compostos da cannabis que a gente ainda está pesquisando. Na verdade, é um ramo enorme que está se abrindo", explica o médico e neurocientista Rogério Panizzutti, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Terpenos:

Os terpenos são os óleos essenciais. As substâncias que dão o cheiro para as coisas.

De acordo com Lessa, existem terpenos que apresentam atividades terapêuticas antiansiedade, anti-inflamatórias e antifúngicas.

"Temos o beta-cariofileno, que também está presente no cravo e na copaíba, que dá o cheiro dessas plantas. Temos o mirceno, que é um terpeno que tem efeito mais sedativo", explica o psiquiatra.

Flavonoides:

Eles dão sabor e cor à planta. De acordo com Lessa, os flavonoides têm ação antioxidante.

No total, são mais de 500 substâncias diferentes que trabalham em conjunto na cannabis, de acordo com os especialistas.

2. Sistema endocanabinoide

O sistema endocanabinoide tem um funcionamento independente da cannabis no corpo humano, esclarece Lessa. O médico explica que, até a década 80, a ciência não sabia exatamente como ocorria a ação dos compostos da planta.

Segundo o psiquiatra, o THC e o CBD eram conhecidos — foram descobertos na década de 40 e isolados em 60 —, mas os pesquisadores não sabiam a função dentro do cérebro.

"No final dos anos 80, dois pesquisadores descobriram que o THC se ligava a um local específico do cérebro dos ratos, que era na membrana da célula, mas depois eles também viram que esse lugar era um receptor e deram o nome de canabinoide", contou o especialista.

Os receptores são estruturas que, ao se conectarem com outras substâncias do corpo, são ativadas. Por exemplo: no caso da Covid-19, a infecção só ocorre quando a proteína S do vírus consegue se ligar a receptores específicos das células humanas. Assim, o coronavírus passa a se replicar.

Voltando à cannabis, Lessa explica que o primeiro receptor do sistema endocanabinoide foi chamado de receptor canabinoide tipo 1, o CB1. Inicialmente, ele foi encontrado no sistema nervoso central, mas já foi detectado em diversas partes do corpo.

Na década de 90, pesquisadores descobriram também o receptor canabinoide tipo 2, o CB2, mais prevalente no sistema imunológico, mas que também está presente no sistema nervoso periférico.

Receptores endocanabinoides — Foto: Fernanda Garrafiel/g1
Receptores endocanabinoides — Foto: Fernanda Garrafiel/g1

As descobertas continuaram na década de 90, que "foi quando os humanos foram descobrindo qual era a função desses receptores dentro nossa fisiologia normal, nossa fisiologia basal", como explica Lessa.

"Então, agora a gente sabe que o sistema endocanabinoide é um grande sistema de busca de equilíbrio de outros sistemas fisiológicos", complementa.

O próprio corpo produz substâncias que interagem com os sistema endocanabinoide: são substâncias endógenas, produzidas sob demanda para essa busca de homeostase, de equilíbrio em alguns sistemas do corpo humano.

O que faz a cannabis ter propriedades medicinais é o fato de que o CBD, o THC e outros componentes da planta, quando ingeridos, também interagirem com os receptores do sistema endocanabinoide.

"Os fitocanabinoides acabam modulando o corpo, tanto para mais ou para menos, dependendo do sistema que a gente quer ajudar a pessoa. O THC de modo geral costuma estimular o sistema endocanabinoide. Já o CBD, uma das coisas que ele faz, já que ele age em outros receptores, é trazer uma diminuição de um hiperestímulo que está acontecendo no sistema endocanabinoide", explica Lessa.

3. Condições e doenças

A Kaya Mind, empresa criada para análise de mercado da planta, lista 26 condições médicas consideradas com potencial de atendimento por meio de produtos à base da cannabis. São elas:

  • Dor crônica
  • Alzheimer
  • Câncer
  • Depressão
  • Ansiedade
  • Transtornos do espectro autista
  • Artrite reumatoide
  • Epilepsia
  • HIV/AIDS
  • Transtornos alimentares
  • Mal de Parkinson
  • Glaucoma
  • Esclerose múltipla
  • Paralisia cerebral
  • Transtorno bipolar
  • Transtornos do sono
  • TDAH
  • Transtorno de Tourette
  • Distonia
  • Malformação congênita
  • Síndrome de down
  • Stress/Burnout
  • TOC
  • Psoríase
  • Diabetes
  • Esquizofrenia

Sidarta Ribeiro, neurocientista e fundador do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirma que existem diferentes níveis de evidências relacionadas ao uso da cannabis e determinadas doenças.

"Os graus de evidência variam conforme a doença. Para algumas delas, esses graus de evidência estão no [nível] máximo, como a epilepsia, por exemplo. Assim como para mitigar os efeitos adversos da quimioterapia ou da radioterapia do câncer, para lidar com dores, sobretudo dores neuropáticas que não têm outros tratamentos, para essas condições as evidências são muito sólidas e chegam no padrão ouro", explica.

Para outras condições, as evidências são crescentes, como define o especialista, "indo em direção ao padrão ouro". Ribeiro cita como exemplo os estudos sobre a ação direta contra os tumores, benefícios para pacientes de Parkinson, Alzheimer, autismo e Tourette.

4. O que pode e o que não pode?

Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite por meio do preenchimento de um formulário e da apresentação de uma receita médica a importação de produtos à base de cannabis. Nos últimos 5 anos, os pedidos de importação aumentaram 15 vezes, chegando a mais de 35 mil em 2021.

Já em 2019, a reguladora passou a permitir a venda de produtos com substâncias da cannabis na farmácia. São 18 aprovados até o momento, incluindo o medicamento Mevatyl, indicado para tratar pacientes adultos que apresentam espasmos por causa da esclerose múltipla.

À mesma época, a Anvisa chegou a avaliar a possibilidade de liberação do plantio para fins científicos e para a indústria, mas vetou a medida. Existem associações que obtiveram o direito de plantar a cannabis sob medida judicial, assim como pessoas físicas, para o tratamento de doenças. A prática não é permitida por lei a todos e, por isso, a matéria-prima e os produtos são importados no Brasil.

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