Documento obtido com exclusividade pelo programa Fantástico mostra que entre os beneficiários estão empresários, parentes de políticos e até pessoas que já morreram.
Por Giovani Grizotti, RBS TV
28/06/2020 22h04 Atualizado há 9 horas
Postado em 29 de junho de 2020 às 08h00m
Exclusivo: TCU aponta que 620 mil pessoas receberam auxílio emergencial sem ter direito
Um levantamento obtido com exclusividade pelo programa Fantástico, da TV Globo, mostra que 620 mil pessoas, inclusive mortos, receberam o auxílio emergencial do governo federal sem ter direito.
Segundo o primeiro relatório de acompanhamento de dados, relacionados às ações de combate à Covid-19, feito pelo Tribunal de Contas da União, caso esses pagamentos indevidos não sejam interrompidos, podem gerar um prejuízo de mais R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
O benefício é destinado apenas para quem está enfrentando dificuldades financeiras durante a pandemia, mas o relatório mostra que até milionários receberam.
No documento, de 32 páginas, que ainda será apresentado aos demais ministros do órgão, os fiscais do TCU detalharam todas as irregularidades descobertas no primeiro mês de pagamento do benefício, em abril.
De acordo com o relatório, foram pagos R$ 35,8 bilhões para 50.228.253 milhões de beneficiários.
"Nessas irregularidades, tem pessoas que receberam sem ter solicitado, então a irregularidade certamente será resolvida com o chamamento para devolução, e tem aquelas irregularidades que constituem fraudes", explica a procuradora da República, Zélia Luiza Pierdona.
Ana Paula Brocco, de Espumoso, no Norte do Rio Grande do Sul, está na lista de beneficiados com o auxílio emergencial. Num site de casamentos, ela organiza a festa numa praia no Caribe e a lua de mel num resort de luxo. A cerimônia está marcada para dezembro deste ano.
Ela foi procurada pela reportagem, mas não quis se manifestar.
Na noite de sexta-feira (26), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul derrubou uma liminar que Ana Paula tinha conseguido na Justiça de Espumoso, que proibia a citação de seu nome na reportagem.
Ana Paula Brocco, de Espumoso, no Norte do Rio Grande do Sul, está na lista de beneficiados com o auxílio emergencial do governo federal. — Foto: Arquivo pessoal
Ana Paula Brocco, de Espumoso, no Norte do Rio Grande do Sul, está na lista de beneficiados com o auxílio emergencial do governo federal. — Foto: Arquivo pessoal
Na lista de beneficiários do governo federal também está Rosângela de Freire Melo, também de Espumoso. Ela mora numa casa confortável, dirige um carro de luxo e nas redes sociais mostra que tem visitado vários destinos internacionais, frequentando hotéis com diárias que podem passar de R$ 1,2 mil - valor que ela recebeu do auxílio emergencial.
Em um áudio, que vazou de um aplicativo de mensagens, Rosângela debocha do benefício.
"Acho que eu vou trocar de moto, vou comprar um carro novo pra mim", diz ela.
Rosângela também comenta que a filha, Lorraine, que mora na cobertura de um prédio da cidade, e já fez protestos contra a corrupção, também foi beneficiada.
"A Lorraine ganhou já e já gastou. O dela que era R$ 600. (...) eu quero dar tanta risada", fala.
Procurada pelo equipe do Fantástico, Rosângela não quis se manifestar.
O dono de uma vinícola, em Nova Roma do Sul, na Serra, também é um dos beneficiários do auxílio. O empresário Divanildo Kloss disse que se inscreveu de brincadeira.
"Eu não quis receber. Eu devolvi. Só fiz pra brincar. Era só pra saber se ia passar ou não, entendeu? Jamais ia querer nada. (...) Mas eu não saquei. Vou devolver", explica.
De acordo com o relatório, 235.572 empresários, que não são microempreendedores individuais, receberam o benefício irregularmente. Também foram pagos 15.850 auxílios para pessoas com renda acima do limite estabelecido pelo programa.
"O governo, exaustivamente, publicou na imprensa quais eram as pessoas que poderiam ter acesso a esse benefício. Ou seja, ter renda individual até R$ 522,50 ou renda mensal familiar ate R$ 3.135. Então, quem teve acesso a essa informação, de que haveria disponível um beneficio, e evidentemente que ele procurou e ouviu que tenha esses requisitos. E ele, mesmo assim, procurou o cadastro. Aí ela já rompeu o limite da moralidade. Ele começou a praticar algo de irregular. Já descambando para o ilícito", diz o advogado José Luís Blaszak.
Parentes de políticos também estão na lista de beneficiados. Em Santa Maria do Herval, a esposa de um vereador recebeu R$ 600. Neiva Lechner mora numa casa com piscina e a família é dona de uma financeira.
Ela não quis falar com a equipe do Fantástico, mas em pronunciamento na Câmara de Vereadores, o marido e vereador Diego Lechner tentou defender a mulher.
"Pelo que eu sei, a lei diz que esse dinheiro está disponível para quem tem direito. E não pra quem precisa", disse Diego Lechner.
"Se eu requeri esse benefício e prestei informações falsas, tem crimes", diz a procuradora da República.
De acordo com o TCU, 17.084 mortos sacaram o dinheiro. É o caso do José Carlos Líbano, morto por engano numa chacina há 4 anos, em Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. A viúva diz que não sabe como a fraude foi cometida.
"A senhora não tem nem ideia de quem possa estar sacando esse dinheiro?", pergunta o repórter. "Não, porque só quem tinha acesso mesmo seria eu", disse a desempregada Leci França.
Para preencher o cadastro do auxílio emergencial, basta fornecer dados pessoais como profissão, renda mensal e a conta para receber o dinheiro.
Foi desta forma que Márcia Oliveira de Aguiar, a esposa de Fabrício Queiroz e foragida da Justiça, conseguiu sacar R$ 600. Márcia é suspeita, junto com o marido, de participar de um suposto esquema de rachadinha no gabinete do senador Flávio Bolsonaro.
O Fantástico mostrou há um mês, traficantes, assassinos, ladrões de bancos e foragidos da Justiça que estavam na lista de beneficiários do auxilio emergencial.
no novo relatório do tcu, há fortes indícios de que 7.046 beneficiários estejam presos e, portanto, não teriam direito ao benefício.
De acordo com o Ministério da Cidadania, 47,7 mil pessoas que receberam o benefício, mas não se enquadravam nos critérios da lei, devolveram o dinheiro. Com isso, voltaram aos cofres públicos R$ 39,6 milhões. O Ministério também já suspendeu o pagamento de 600 mil benefícios entre a primeira e a segunda parcela, por irregularidades.
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