Conhecida como um dos últimos países de cultura nômade no mundo e por estar localizada entre dois gigantes, Mongólia agora ganha destaque por sua estratégia bem-sucedida contra o coronavírus.
Por BBC
20/07/2020 16h30 Atualizado há 3 horas
Postado em 20 de julho de 2020 às 19h35m
Conhecida como um dos últimos países de cultura nômade no mundo e por estar localizada entre dois gigantes, a Mongólia agora ganha destaque por sua estratégia bem-sucedida contra o coronavírus.
O país ostenta um feito extraordinário: desde o início da pandemia, não registrou nenhum caso de transmissão local de Covid-19 e nenhuma morte atribuída ao novo coronavírus. Zero.
E tudo isso mesmo levando-se em conta que o país tem algumas características que, em tese, o colocariam em posição vulnerável.
A Mongólia faz fronteira com a China, onde se identificou pela primeira vez o vírus que tem mexido com todo o planeta. E tem estreitos laços com a Coreia do Sul,
que experimentou um dos primeiros surtos, depois de Wuhan, e onde
existe uma população relativamente grande de trabalhadores mongóis.
Mas a pequena Mongólia, de 3,2 milhões de habitantes, agiu rápido, de forma contundente e holística, com uma estratégia elogiada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas que não recebeu tanta atenção internacional.
O vizinho do sul
Voltemos alguns meses na linha do tempo. Estamos em janeiro de 2020 e, quando o mundo todo ainda presta atenção na virada de ano, más notícias começam a ser confirmadas na China.
- 7 de janeiro: Pequim confirma a existência de um novo coronavírus, um patógeno da mesma família do causador da Sars, que preocupou especialmente a Ásia no início dos anos 2000, deixando quase 800 mortos e mais de 8 mil casos em todo o mundo, a maioria naquela região;
- 20 de janeiro: Autoridades chinesas confirmam que o novo coronavírus, que acabaríamos conhecendo como SARS-CoV-2, pode ser transmitido entre seres humanos. Na época, havia apenas quatro mortes confirmadas no país e cerca de 200 casos registrados.
As notícias do país vizinho ao sul chegam a Ulan Bator, capital mongol, que age rápido.
Entre as medidas, estão o fechamento de escolas (a partir de 24 de janeiro), restrições de movimento vindo da China
(a partir de 31 de janeiro) e, posteriormente, fechamento total de
fronteiras e suspensão de todas as viagens aéreas, ferroviárias ou
rodoviárias internacionais.
Além disso, outra medida controversa e sem precedentes: o cancelamento das celebrações do Tsagaan Sar, o Ano Novo lunar mongol.
"Como resultado desses primeiros passos, o país conseguiu ganhar um
tempo valioso para fortalecer (seu sistema de preparação)", disse o
escritório regional da OMS na Mongólia à BBC News Mundo, o serviço em
espanhol da BBC.
As razões, para a OMS, são claras: medidas precoces e firmes, mas
também um sistema de rastreamento de casos para detectar contágios o
mais rápido possível, localizar contatos e interromper a transmissão com
a participação da população.
Lições da Sars
População seguiu as recomendações e medidas do governo mongol — Foto: Getty Images via BBC
Nesta pandemia, a Mongólia testou um sistema que está em construção há
uma década, desde a eclosão da Sars no início dos anos 2000, mas também
de um novo vírus da influenza A (H1N1), que se tornou uma pandemia em
2009.
Entre os destaques da resposta da Mongólia está um sistema de
vigilância multissetorial, que detecta qualquer incidente e emite
alertas para as agências de saúde e outras áreas, como a imprensa, em
uma abordagem "que abarca toda a sociedade", segundo a OMS
"As autoridades abriram linhas de comunicação direta e expandiram suas ações contra a Covid-19 em um estágio inicial do surto", acrescentam eles, com sessões de informações conjuntas entre o governo e a OMS transmitidas por diferentes canais ou redes sociais.
E a população ouviu.
"Graças à ação do sistema de saúde da Mongólia, tanto o governo quanto a
população ficaram muito preocupados com o vírus e as pessoas seguiram a
todas as recomendações", disse à BBC News Mundo Baljmaa T., jornalista
de Ulan Bator.
Casos importados
O uso de máscaras
— uma prática à qual, como grande parte da população asiática, os
mongóis estão acostumados — também tem sido destacado por especialistas
do país.
Desde janeiro, o governo exigiu o uso de máscaras nos espaços públicos e
para trabalhadores, funcionários de bancos, lojas ou mercados, sob o
risco de multas de 54 dólares (R$ 290).
Equipes de saúde e líderes comunitários insistiram na importância dessa
prática, assim como da lavagem das mãos, disse o oncologista
Gendengarjaa Baigalimaa, que trabalha em um hospital na capital da
Mongólia em um artigo para a Universidade de Stanford, publicado em
maio.
"Essas medidas ajudaram imensamente a conter a disseminação da
covid-19. Elas também significaram uma redução drástica no número de
casos de gripe (...). E outro benefício inesperado foi a queda de
infecções gastrointestinais entre menores: as crianças estavam em casa e
lavando as mãos da maneira ideal", explicou.
O primeiro caso de Covid-19 foi detectado na Mongólia no início de
março: um cidadão francês que viajou para o país desde a Rússia e se
recuperou com sucesso.
Desde então, e até 14 de julho, 243 casos foram registrados, todos importados. Destes, 204 se recuperaram.
A OMS reconhece que sempre há a possibilidade de haver casos que não
serão detectados, mas a entidade afirma que as fontes disponíveis
sugerem que não há evidências de transmissão local pela comunidade.
Em um país como a Mongólia, que tem a menor densidade populacional do
mundo (2 habitantes por km2), pode-se pensar que trata-se de uma tarefa
fácil.
Mas a situação é mais complexa.
Cerca de 40% de população total (mais de 1,5 milhão) está concentrada
na capital, uma cidade dramaticamente poluída que tem conexões diretas e
diárias com a China e outros países da região - é preciso apenas um voo
de duas horas para se chegar de Pequim a Ulan Bator, e menos de quatro
horas vindo de Seul.
As consequências das medidas
Apesar do sucesso contra a Covid-19, a estratégia da Mongólia não foi bem recebida por todos.
Ao fechar rapidamente suas portas para o exterior, o país também
bloqueou a entrada de seus próprios cidadãos, colocando milhares em uma
situação muito difícil no meio da pandemia.
"Há críticas duras contra o governo pelo repatriamento lento de seus cidadãos no exterior, pois muitas pessoas estão presas fora do país desde fevereiro", explica Baljmaa.T.
As autoridades lançaram um sistema de repatriação por meio da companhia
aérea estatal MIAT, com um duro período de quarentena após a chegada:
21 dias em instalações administradas pelo governo e 14 dias em casa
depois disso.
Quase 13 mil pessoas foram repatriadas desde fevereiro, mas estima-se que outras 10 mil ainda estão esperando para retornar.
Dentro do país, acrescenta o jornalista, também estão crescendo as
críticas ao duro impacto que as medidas de restrição tiveram na vida
cotidiana da sociedade - desde a limitação no horário de funcionamento
de restaurantes ou bares e o fechamento de museus, cinemas, à proibição
de que as crianças estejam em locais públicos, o que ainda continua em
vigor, apesar dos bons resultados.
"A proibição de reuniões significou um declínio acentuado da atividade econômica, especialmente para pequenas empresas", disse Saranzaya Gerelt-Od, pesquisadora veterana da Fundação Ásia na Mongólia, no podcast da InAsia.
"Entre janeiro e março, as pessoas ficaram muito assustadas porque a
China está muito próxima", disse o escritório da fundação em Ulan Bator,
destacando a difícil situação pela qual os empresários do país,
especialmente as mulheres.
A essa atmosfera soma-se a recente campanha para as eleições
parlamentares de 24 de junho, nas quais o social-democrata e herdeiro do
ex-Partido Comunista, Partido Popular da Mongólia (PPM), revalidou sua
maioria.
Algumas cenas de atos de campanha sem distanciamento social causaram a
críticas da população, que este ano também viu seu outro grande feriado
nacional, o Festival Naadam, ocorrer com severas restrições.
Os chamados "três jogos do homem", que rememoram o império de Genghis
Khan e comemoram o dia em que a Mongólia se levantou como país livre e
independente, terminaram no dia 15 de julho (quase) sem público.
Um grupo de pessoas privilegiadas - entre elas, políticos de alto
escalão - conseguiu assistir às competições de arco e flecha, às
perigosas corridas de cavalos protagonizadas por menores ou à luta de
pesos pesados, que geralmente atraem pessoas de todas as idades e de
todas as partes do país.
As cenas dessa competição colorida lembram o passado imperial mongol e é
a esta fase da história que alguns retornam para explicar a vitória
mongol contra o coronavírus até o momento.
Personalidades de diferentes perfis, como um historiador, um xamã ou um
médico, evocaram o nome de Genghis Khan para falar sobre o sucesso
mongol, conta o autor e economista de Ulan Bator Antonio Graceffo em um
artigo no jornal South China Morning Post.
"Fizemos agora como nos dias de Genghis Khan. As mensagens do governo
de Ulan Bator chegaram rapidamente aos nômades nas Províncias mais
remotas", disse Chinburen Jigjidsuren, assessor especialista em questões
de saúde do primeiro-ministro.
"O exército de Genghis Khan era muito disciplinado. E essa disciplina chegou até nós", defendeu. "Então, quando o governo dá a ordens de usar máscaras ou ficar em casa, as pessoas obedecem."
CORONAVÍRUS
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