Ao todo, foram encontradas 383 partículas plásticas no trato gastrointestinal e em brânquias de 67 de 68 peixes coletados em riachos de comunidades ribeirinhas no Pará.
Por BBC
19/08/2020 11h24 Atualizado há 2 horas
Postado em 19 de agosto de 2020 às 13h30m
Um estudo realizado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) encontrou,
em média, seis pedaços de plástico dentro do corpo de 98% dos peixes
coletados por um grupo de pesquisadores em nascentes e riachos da Amazônia.
Ao todo, foram encontradas 383 partículas plásticas, sendo 201 no trato
gastrointestinal e 182 em brânquias (órgão respiratório de animais
aquáticos, também conhecido como guelras) de 67 dos 68 peixes analisados
pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Ecologia e Conservação
(Labeco), da UFPA.
Pesquisadores afirmam que a ingestão de plástico pode provocar
mortandade desses peixes ou afetar a reprodução deles e levar ao
desequilíbrio da cadeia alimentar; ou mesmo que esse material sintético
pode, em última análise, parar no corpo humano.
Esse tipo de poluição dá sinais de estar espalhado por toda a bacia
amazônica. Em janeiro de 2019, um grupo de pesquisadores liderados pelo
ictiólogo Marcelo Andrade, também ligado à UFPA, identificou pela
primeira vez a presença de plástico em peixes amazônicos. Na ocasião,
eles encontraram partículas no trato gastrointestinal de quase 25% dos
peixes coletados no rio Xingu, incluindo a piranha-vermelha (Pygocentrus
nattereri).
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Um estudo publicado na revista Nature Communications em junho de 2017
estima que sejam despejadas no oceano 39 mil toneladas de plástico por
ano via rio Amazonas — que passa por Peru, Equador, Colômbia e Brasil.
Desequilíbrio ecológico
Estudos anteriores já haviam investigado esse tipo de poluição em
peixes que vivem em outros locais do curso da água, como rios e oceanos,
e são consumidos pelo homem.
A diferença desse trabalho, feito por um grupo de pesquisadores de
peixe de água doce e publicado em julho na revista científica
Environmental Pollution, é apontar a extensão dos danos ao sistema
respiratório dos animais e que esse problema ambiental atinge com mais
intensidade nascentes de rios e riachos, onde os peixes têm, em média,
10 cm na fase adulta, não costumam ser consumidos pelo homem e enfrentam
riscos maiores de desequilíbrio ecológico.
Foram analisadas 14 espécies de peixe coletadas em 12 locais na bacia
do rio Guamá, no município paraense de Barcarena, e na bacia do
Acará-Capim, nos municípios de Ipixuna do Pará, Concórdia do Pará e Tomé
Açu.
Essas duas regiões ribeirinhas não têm tratamento de esgoto e utilizam
essas nascentes e riachos tanto como espaço de lazer quanto para
descartar dejetos.
Nesses lugares, esses peixes menores têm papel fundamental no
equilíbrio ecológico da região. Eles podem ser predadores responsáveis,
por exemplo, pelo controle de insetos ou servir de alimento para sapos.
“Sem a presença no futuro de uma dessas espécies que consomem larvas de
insetos, por exemplo, poderia haver a explosão de uma população de
mosquitos e o espalhamento desenfreado de doenças”, explica a
pesquisadora Danielle Ribeiro-Brasil, uma das autoras do artigo e
integrante do grupo de pesquisa da UFPA, em entrevista à BBC News
Brasil.
Um dos animais estudados é o Crenicichla regani, conhecido também como
jacundá ou joaninha. Os peixes dessa espécies são predadores que se
alimentam de pequenos crustáceos e larvas de insetos e podem demonstrar
um comportamento agressivo. Com boa visão noturna, muitas vezes se
alimentam no escuro e às vezes nem são percebidos pelas pessoas no
ambiente, já que não costumam passar de 8 cm de comprimento na fase
adulta.
Essa espécie, analisada no estudo da UFPA, continha mais plástico em
suas brânquias e em seu trato gastrointestinal que as outras.
Segundo ela, os próximos estudos vão analisar o impacto dessa poluição
para a perda de espécies ou diminuição dessas comunidades. Deve-se
analisar também a origem dessas partículas, mas a principal hipótese é
que esses pedaços achados em riachos e nascentes amazônicas tenham saído
de roupas sintéticas. Do total, 93% das partículas encontradas nos
animais são fibras.
Em geral, essas partículas são originárias de fontes diversas, como
roupas, pneus, tintas e escovas de dente. Calcula-se que entre 2% e 5%
de todo o plástico produzido por ano acabe descartado nos mares, mas não
se sabe direito qual é a dimensão real do problema.
Um estudo do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido, divulgado
nesta semana, estima que a quantidade de plástico boiando no oceano
Atlântico seja capaz de encher mais de mil navios-cargueiros, somando 21
milhões de toneladas (uma quantidade dez vezes maior do que se
pensava).
À medida que esses materiais vão se deteriorando, acabam sendo
consumidos por animais marinhos, entrando na cadeia alimentar — um
caminho que, em última instância, traz o plástico para o organismo
humano.
Nesta semana, um outro estudo, de pesquisadores da Universidade do
Arizona, nos EUA, apontou pela primeira vez micropartículas plásticas em
tecidos de pulmão, fígado, rim e baço humanos.
Ainda não há informações conclusivas sobre o impacto desse tipo de
poluição na saúde das pessoas, mas já se sabe o que a presença de
plástico dentro do corpo pode causar aos peixes.
Essas partículas podem atacar dois pontos centrais dos peixes em
riachos: as brânquias e o trato digestivo. No primeiro, o plástico
interfere na aptidão física do animal, afetando sua energia para a
captura de alimentos e para a reprodução. No segundo, essas partículas
podem dar uma falsa sensação de saciedade ao peixe ou mesmo feri-lo até a
morte.
Segundo o estudo, os peixes que vivem nesses riachos analisados
consomem proporcionalmente mais plástico do que os encontrados em rios.
“Não é todo peixe que ingere o plástico. Isso está relacionado também
ao comportamento dele no ambiente. Se é carnívoro, por exemplo, faz uma
busca ativa por alimentos e pode confundir o pedaço de plástico com algo
que possa comer”, afirma Ribeiro-Brasil.
Outros estudos apontam que esses plásticos são ingeridos por algumas
espécies não apenas porque se parecem com comida mas também porque
cheiram a comida.
Segundo cientistas do Instituto Real Holandês de Pesquisas Marítimas,
essas partículas de plástico no oceano são rapidamente colonizadas por
uma fina camada de micróbios, normalmente chamada de "plastisfério", que
libera substâncias químicas que fazem o plástico ter cheiro e gosto de
alimento para alguns animais marinhos.
Para o grupo de pesquisadores da UFPA, as ações para evitar o aumento
da contaminação por plástico da bacia Amazônica demandam o envolvimento
da população local, iniciativas de educação ambiental de manejo dos
resíduos sólidos e o engajamento de instituições públicas e privadas,
entre outros pontos.
Eles defendem, por exemplo, medidas de incentivo para a redução do
consumo de plásticos de uso único, como cotonetes e canudos, e de
regulação para garantir a preservação desses ecossistemas atingidos pela
poluição.
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