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Niklas Höhne, especialista do NewClimate Institute, comenta relatório que avalia o impacto da guerra na Ucrânia no combate às mudanças climáticas.===+===.=.=.= =---____--------- ---------____------------____::_____ _____= =..= = =..= =..= = =____ _____::____-------------______--------- ----------____---.=.=.=.= +====
Por BBC, Ángel Bermúdez
Postado em 19 de junho de 2022 às 15h40m
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Gás natural liquefeito pode ser transportado em navio - e é uma das
alternativas usadas pelos países europeus para substituir o gás russo —
Foto: BBC/GETTY IMAGES
Alguns dos compromissos firmados por quase duzentos líderes durante a última Cúpula do Clima — a COP26, realizada em novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia — para combater as mudanças climáticas estão em risco diante da guerra na Ucrânia.
Entre elas estão a atualização até 2022 das metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e a eliminação gradual dos subsídios que reduzem artificialmente o custo de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás natural.
Um relatório publicado na última semana sobre o impacto do conflito causado pela invasão russa ao território ucraniano no combate às mudanças climáticas aponta a existência de uma espécie de "febre do ouro" global para a construção de infraestruturas de produção, transporte e processamento de combustíveis fósseis, em especial gás natural liquefeito (GNL).
O documento foi elaborado pelo Climate Action Tracker (CAT, na sigla em inglês), projeto independente que monitora as ações dos governos para enfrentar as mudanças climáticas e as contextualiza com o objetivo estabelecido pelo acordo de Paris de "manter o aquecimento bem abaixo de 2°C e fazer esforços para limitar o aquecimento a 1,5°C".
O relatório destaca, por exemplo, os planos de construção de novas usinas de GNL na Alemanha, na Itália, na Grécia e na Holanda, enquanto países como Estados Unidos, Canadá, Catar, Egito e Argélia planejam aumentar suas exportações do combustível.
Em paralelo, muitos países produtores de combustíveis fósseis incrementaram a produção e governos em mais de uma dezena de países desenvolvidos estão reduzindo impostos sobre o consumo de combustível ou de energia, incentivando, assim, o consumo.
A ideia de aumentar o consumo de combustíveis fósseis para responder à atual crise energética foi questionada na terça-feira (14/6) pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que argumentou que investir recursos em carvão, petróleo ou gás para enfrentar as consequências da guerra na Ucrânia é "ilusório".
A BBC News Mundo (serviço em língua espanhola da BBC) conversou com Niklas Höhne, especialista do NewClimate Institute, organização sem fins lucrativos com sede em Berlim que é parte do consórcio que elabora o CAT, sobre os achados do estudo e sobre as necessidades que existem hoje no contexto do combate às mudanças climáticas.
BBC News Mundo - O Climate Action Tracker elaborou um estudo sobre a resposta global à guerra da Ucrânia na perspectiva do combate às mudanças climáticas. Quais as conclusões?
Niklas Höhne - No momento há governos que estão tratando de fazer as coisas de maneira diferente por causa da crise energética. Têm que responder à atual situação em que não podem seguir importando combustíveis fósseis da Rússia.
E eles podem fazer duas coisas: tentar obter combustível de outro lugar ou trabalhar para aumentar a eficiência e aproveitar melhor a energia renovável.
Infelizmente, descobrimos que a maioria dos países está passando por uma espécie de "febre do ouro" em busca de novas infraestruturas em torno dos combustíveis fósseis, novos gasodutos de gás natural liquefeito (GNL), novos portos de GNL e novos campos de óleo e gás.
Isso é muito contraproducente para a política de combate à mudança climática porque, uma vez construída essa infraestrutura, ela será usada por várias décadas e nos prenderá a um futuro com muito carbono.
BBC News Mundo - Por que as novas infraestruturas seriam usadas por várias décadas?
Höhne - A questão sobre as novas infraestruturas é que é caro construir um gasoduto, por exemplo, e isso significa que, uma vez que você o constrói, os investidores vão querer usá-lo por décadas.
O problema é que queremos reduzir o consumo de gás para zero globalmente até meados do século — e se agora construirmos uma nova infraestrutura, essa redução será muito difícil. Esses investimentos nos vincularão a altas emissões de gases de efeito estufa ou acabarão como ativos ociosos.
Para importar GNL, os países precisam de terminais portuários
construídos especificamente para este fim — Foto: BBC/GETTY IMAGES
BBC News Mundo - O senhor se mostra preocupado com a construção dessas novas infraestruturas. Mas de que outras maneiras os governos estão trabalhando contra as metas climáticas em meio à crise atual?
Höhne - O principal problema é a infraestrutura, mas há outra questão - quase todos os governos que avaliamos têm acenado aos consumidores com reduções de impostos sobre combustíveis fósseis. Isso não é uma boa ideia.
Entendo que os governos queiram ajudar os consumidores e a indústria, mas devem apoiar apenas aqueles que realmente necessitam, mais para a população pobre ou para a indústria que está realmente em perigo.
Mas o que estão fazendo é reduzir os impostos sobre os combustíveis fósseis [de maneira ampla], reduzindo assim os custos para todos os cidadãos e empresas petrolíferas, mesmo aqueles que podem pagar e que podem abandonar os combustíveis fósseis. Isso também não é uma boa ideia.
BBC News Mundo - Mas no contexto atual, em que a inflação e os preços da energia estão tão altos, quais são as alternativas para os governos? Muitas pessoas hoje têm dificuldade de encher o tanque para ir trabalhar. Existe alguma solução viável?
Höhne - Sim, se a ideia é compensar o aumento dos preços de energia, então deve-se compensar as famílias mais pobres, e não as mais ricas.
Alguns sugeriram uma política de compensação com base per capita, para que cada pessoa recebesse a mesma quantia. Outros dizem que é melhor passar pelo sistema tributário, para que a população pobre receba um incentivo fiscal adicional ou dinheiro extra no bolso, o que definitivamente seria possível e seria uma opção melhor.
A verdadeira solução a longo prazo, entretanto, é economizar energia e usar mais energia renovável. Economizar energia é sempre uma opção lucrativa.
Por exemplo, dirigir mais devagar, diminuir um pouco o aquecimento no inverno, restringir o acesso de carros às cidades para que as pessoas usem o transporte público. Subsidiar mais o transporte público para que as pessoas não usem carros, mas sim transporte coletivo — são muitas as opções para os governos ajudarem seus cidadãos e empresas nesta crise.
BBC News Mundo - No relatório, o senhor aponta que a maioria dos países ocidentais procurou reduzir ou parar completamente de comprar combustíveis fósseis da Rússia, e muitos anunciaram metas ambiciosas para a transição para fontes de energia renováveis, como eólica e solar. Isso não é bom para a luta contra as mudanças climáticas?
Höhne - Sim, há coisas que alguns países estão fazendo bem. Vários aumentaram suas metas para energia renovável e alguns também introduziram subsídios para o transporte público.
Tudo bem, mas estamos tão atrasados na política climática e precisamos cortar as emissões tão drasticamente que não temos tempo para cometer erros.
A Agência Internacional de Energia diz que, a partir de agora, não devemos investir em nenhuma nova infraestrutura de combustíveis fósseis. E se agora vemos uma "corrida do ouro" em investimentos em infraestrutura de energia de combustíveis fósseis, isso seria um problema sério nesse sentido.
Neste momento, devemos usar o mesmo dinheiro, esforço e tempo para impulsionar a eficiência energética e energia renovável, e não expandir a infraestrutura de combustíveis fósseis.
BBC News Mundo - Mas é realmente possível aproveitar no curto prazo as fontes renováveis para resolver a crise atual?
Höhne - Bom, a expansão das energias renováveis não é rápida, mas a construção de um novo gasoduto ou a construção de um novo terminal de GNL também não. Na essência, é o mesmo problema.
O mais rápido é reduzir o consumo de energia — dirigindo mais devagar ou diminuindo o aquecimento. Isso seria muito rápido, mas infelizmente muitos governos não estão usando essa opção.
BBC News Mundo - O relatório do CAT não menciona a China, o maior consumidor de energia do mundo. Qual sua opinião sobre a resposta de Pequim a esta crise?
Höhne - Acho que a China tem sido um pouco menos afetada pela crise. O país tem algum comércio de energia com a Rússia, mas não é tão dependente quanto a Europa.
A China também está pensando em aumentar suas metas para energia renovável. Isso seria bom. Mas, ao mesmo tempo, tem considerado comprar petróleo e gás mais baratos da Rússia. Em condições de mercado, até poderia ser, mas por outras razões isso não seria um bom sinal.
A China é muito importante do ponto de vista climático. É responsável por um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa, e o que acontece lá é muito importante para as emissões globais e o clima do planeta.
BBC News Mundo - E a América Latina? Não há menção a países latino-americanos no relatório.
Höhne - Não. Atualmente, as exportações de GNL e gás estão mais concentradas na América do Norte, África e Ásia.
Mas há outra coisa positiva que vimos: alguns governos estão fazendo acordos para fornecer ou comprar hidrogênio verde. Acho que é uma nova oportunidade. Pensávamos que isso aconteceria em cinco anos ou mais, mas já está acontecendo agora. Portanto, há uma aceleração que é boa.
A América Latina tem muito potencial para energia renovável. Poderia pensar em exportar hidrogênio verde feito a partir de energia renovável e vendê-lo para a Europa ou outras regiões, e acho que seria uma boa oportunidade de negócio.
BBC News Mundo - O senhor tem outras recomendações ou soluções alternativas para esta crise?
Höhne - Tem mais uma coisa. Muitas empresas de combustíveis fósseis estão tendo lucros recordes porque os preços da energia estão altos, enquanto os custos de produção permanecem os mesmos.
Alguns governos começaram a tributar esses lucros adicionais e investir os recursos arrecadados em energias renováveis. Apenas alguns, entretanto, o fizeram — e essa poderia ser outra medida tomada pelos governos neste momento.
- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-61805434
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