Tratores e colheitadeiras que dispensam motorista já são possíveis e devem chegar ao mercado antes dos carros autônomos. Porém, legislação e conectividade são os desafios para a implementação das "máquinas do futuro".
Por Rikardy Tooge, G1
02/09/2020 07h00 Atualizado há 4 horas
Postado em 02 de setembro de 2020 às 11h00m
Um veículo sem motorista, que siga uma rota pré-determinada e que tome
decisões com o máximo de precisão, e, o mais importante: sem correr
riscos ou exceder a velocidade. A descrição poderia muito bem ser para o
carro do futuro, mas essa tecnologia está mais próxima do campo.
Fabricantes e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) afirmam que as máquinas agrícolas já têm tecnologia suficiente para não precisar de nenhum operador dentro do veículo.
Apesar de a internet no campo ser restrita e de difícil acesso, os especialistas dizem que o equipamento que já está à disposição do produtor rural tem mais tecnologia do que um carro moderno da cidade grande.
E alguns fatores explicam isso:
- Bom momento do agronegócio, único setor da economia a crescer;
- Busca por tecnologias que ofereçam aumento de produtividade;
- Ambiente controlado da fazenda, que ajuda a desenvolver novas ferramentas.
“O carro de hoje é muito parecido com o de 15 anos atrás. Já a máquina agrícola, não. Eu vim da indústria automotiva, e o que eu vi é que o mercado agrícola é mais receptor de novas tecnologias", explica Silvio Campos, diretor de marketing da Case IH.
"Se o produtor entender que faz sentido, ele compra”, acrescenta Silvio.
A autonomia completa, ou seja, uma máquina sem um motorista dentro dela, é considerada uma “cereja do bolo” do pacote tecnológico que já existe para o produtor rural.
O desenvolvimento da autonomia total está a pleno vapor, com as grandes
fabricantes com protótipos em testes, assim como acontece com os
carros.
Porém a chegada dessas “máquinas do futuro” ao mercado ainda é incerta. Isso pode ser explicado por 3 motivos:
- Pouco interesse do consumidor pela autonomia total até o momento;
- Dificuldade no acesso à internet e conectividade no campo;
- Falta de uma legislação específica para veículos autônomos.
“Talvez o mercado ainda não esteja maduro (para autônomos). Ainda é possível ter uma melhoria no sistema sem precisar da autonomia. Hoje ainda não é um gargalo ou demanda do produtor, algo que vá trazer um ganho substancial”, afirma Ricardo Inamasu, pesquisador da Embrapa.
Setor avançado
O agronegócio é único setor da economia que conseguiu crescer de maneira consistente durantes as duas últimas grandes crises da economia: a de 2014-2016 e a provocada pelo novo coronavírus.
Tanto no Brasil quanto no mundo, o agro tem dinheiro para investir em
novas tecnologias, especialmente àquelas ligadas ao aumento da
produtividade.
Vale destacar que uma máquina agrícola não é barata: seu preço pode ultrapassar as centenas de milhares de reais.
“Todo tipo de tecnologia precisa se pagar, e o agro paga muito rápido,
seja pela falta de mão-de-obra, seja pelo tamanho da oportunidade que
existe (para melhora da produtividade)”, diz Maurício de Menezes,
gerente de marketing tático da fabricante americana John Deere no
Brasil.
Essa combinação de capital junto com a necessidade do produtor rural
fez o setor de máquinas agrícolas deslanchar. Com isso, as fabricantes
multinacionais começaram a trabalhar no desenvolvimento de novas
ferramentas.
“Muitas vezes, no meio urbano, nós consumimos tecnologia porque gostamos, já o agricultor consome porque precisa. Nós chegamos a um nível em que, para crescer a produtividade, entramos no controle dos detalhes”, afirma Niumar Aurélio, supervisor de marketing da AGCO, dona da Massey Ferguson.
Ou seja, a
avaliação do mercado é de que o produtor rural não busca a máquina mais
moderna por um desejo pessoal, mas, sim, por algo que torne o negócio
dele mais rentável.
E foi dentro deste contexto que o maquinário agrícola avançou.
Hoje, a maioria dos equipamentos já possuem piloto automático, autoajuste para algumas tarefas, como a colheita de grão e a aplicação de agrotóxicos.
As fabricantes afirmam que o maquinário disponível no mercado já está no nível 3 de automação, em uma escala que vai até 5, criada pela Sociedade dos Engenheiros Automotivos (SAE). Para se ter uma ideia, os carros vendidos no mercado brasileiro conseguem chegar até o nível 2.
No nível 3, chamado de “automação condicional”, a movimentação ocorre
por conta própria e o operador só precisa assumir o controle em uma
condição extrema. Isso é até onde a legislação atual permite porque, se
depender das indústrias, já existe tecnologia para mais (leia mais abaixo).
“Para falar de máquina autônoma, nas operações agrícolas, não é
simplesmente a máquina andar sozinha pela lavoura, um trajeto... isso as
máquinas já fazem. As máquinas são geradoras de dados e precisamos que
ela consiga interpretar esses dados para que atue com precisão e sem
desperdício (de alimento ou de insumos)”, explica Niumar.
Além de tratores, colheitadeiras e pulverizadores com piloto
automático, autoajuste e central de controle, existem também veículos
pesados de olho neste segmento.
A Mercedes-Benz lançou em 2018, em parceria com a empresa de tecnologia
agrícola Grunner, seu primeiro caminhão no Brasil com direção autônoma.
O equipamento é o primeiro ser utilizado em uma operação regular, no
caso, nas lavouras de cana-de-açúcar do interior de São Paulo, principal
região produtora do país.
O veículo se enquadra no nível 2 de automação,
necessitando de um operador para realizar os comandos e para assumir o
controle em caso de emergência. Isso já representa um grande avanço para
o segmento dos pesados.
O gerente de produto de caminhões da fabricante, Marcos Andrade,
explica que o veículo foi pensado especificamente para as necessidades
da cultura, tanto no tamanho do eixo quanto no peso. Segundo ele, a
ideia é que o equipamento possa disputar mercado com os tratores.
“O desafio foi encontrar uma solução que auxiliasse o produtor na hora
do plantio e da colheita, oferecendo maior precisão ao passar pelas
linhas de plantio. É um trabalho muito sensível e é impossível que o ser
humano consiga manter a mesma precisão durante tanto tempo”, afirma.
Se o piloto automático é uma realidade nas máquinas mais modernas do
campo, o que explica a aplicação rápida dele é relativamente simples: o
ambiente controlado.
Lavouras são áreas muito abertas e com pouca movimentação de pessoas.
Além disso, as linhas de plantio criam uma condição ideal para a
programação das máquinas.
“Na lavoura existe o que a gente chama de paralelismo, ou seja, as
linhas são paralelas. O veículo segue o caminho por ela (linha), manobra
e retoma na linha paralela. Com essa programação, a máquina segue o
espaço certinho”, diz Ricardo Inassu, da Embrapa.
Isso explica também porque a adoção de máquinas com alto nível de
automação ocorrem mais facilmente em lavoura de soja, milho, algodão e
cana-de-açúcar. Em áreas de café, por exemplo, os desníveis de terra
dificultam o uso de alguns equipamentos.
Desafios
A máquina agrícola sem motorista é considerada pelo mercado como uma
“cereja do bolo”, porém existe ainda um longo caminho para que ela
chegue até as fazendas do Brasil.
Previsões já existem, pode ser daqui 5 ou, no máximo, 10 anos, mas
enquanto a legislação e a conectividade no campo não melhorarem, a
“máquina do futuro” segue longe da lavoura brasileira.
“A tecnologia (para automação completa) já existe, sem dúvida. Estamos prontos para lançar agora, mas o usuário não está pronto e a legislação não existe”, resume Maurício de Menezes, da John Deere.
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Como não existe nenhuma regulamentação sobre uso de veículos sem
motorista no país, a principal discussão é sobre quem assume a
responsabilidade em caso de acidente: a fabricante, o dono do
equipamento, ou quem deu o comando para a máquina.
Na outra ponta, a percepção das indústrias é de que o produtor rural
ainda não viu a necessidade ou um ganho claro em ter uma máquina
agrícola sem o operador.
“Todo mundo quer uma máquina que consiga se autogerenciar, mas não fica
triste de ter ainda um operador nela. Em vez de ir para algo totalmente
autônomo, você começa a criar a automação de partes da máquina”,
explica Silvio Campos, da Case IH.
Outro motivo pode ser o receio do produtor rural de ter uma máquina andando sozinha pelo campo sem ter ninguém aparentemente no controle. "Um avião hoje tem todas as condições de voar sozinho, mas a gente se sente mais seguro com um piloto. É a mesma lógica”, acrescenta Silvio.
Neste cenário, a visão é de que quando a automação completa se tornar uma necessidade real é que será o momento em que a legislação vai avançar.
“Quando o produtor vai se acostumando, ele busca o próximo nível. O que
falta agora é adoção, quando a escala começar a crescer, a legislação
aparece. Quando o usuário vê a necessidade, a legislação costuma vir
depois, como foi o caso do Uber”, argumenta Maurício.
A dificuldade do acesso à internet no campo também é um entrave, porém
as próprias fabricantes oferecem serviços para que o produtor rural
consiga expandir a conexão.
Muitas vezes, existe internet apenas na sede da fazenda, mas
equipamentos e as próprias máquinas agrícolas podem expandir o acesso
por toda a propriedade.
Isso torna a conectividade um problema até menor perto da demanda e da regulamentação dos autônomos.
Futuro
Todas as fabricantes ouvidas pelo G1
possuem protótipos de máquinas 100% autônomas. Porém, os testes ocorrem
fora do país, normalmente na sede dessas multinacionais.
No caso de caminhões também, a sueca Scania já apresentou seu conceito de caminhão sem piloto no ano passado (veja o vídeo abaixo).
Veja como funciona um caminhão que dirige sozinho e não tem nem cabine
A New Holland, outra multinacional do setor, criou em 2016 o modelo de
um trator autônomo que dá a possibilidade de ter um operador dentro
dela, porém a operação pode ocorrer sem ninguém na cabine. É um conceito
que mistura o presente com o futuro.
“O trator ajuda a reduzir os riscos associados a erros humanos, pois
segue planos pré-determinados e otimizados para todas as atividades. É
capaz de atingir níveis mais elevados de produtividade e eficiência do
que os métodos tradicionais”, diz a empresa.
As empresas ouvidas pelo G1
acreditam que, mais importante do que uma máquina sem piloto, é saber
lidar com tantos dados que são gerados pelos equipamentos. Esse é
considerado o próximo passo do segmento.
“As máquinas geram os insumos mais caros da lavoura que são os dados. O
desafio é que os agrônomos possam acessar esses dados e que repassem
orientações para as máquinas, existe aí até uma oportunidade
profissional para cientistas de dados nesta área”, diz Maurício de
Menezes, da John Deere.
Inclusive, os especialistas afirmam que a retirada do operador do veículo não deve diminuir os empregos no campo.
A projeção é de que esses profissionais sejam remanejados, aos poucos,
para as centrais de comando das máquinas, trabalhando na definição de
rota e função de cada equipamento e na análise de métricas.
“A máquina é também uma consumidora de dados, já temos ferramentas para
transferir as informações, mas precisamos de conectividade, ter alguém
remotamente analisando isso, alguém com visão gerencial”, afirma Niumar
Aurélio, da AGCO.
O custo de um equipamento 100% autônomo não deverá ser barato e, por
isso, a adoção dele não deverá começar por produtores rurais, sendo mais
provável que comece pelas grandes empresas do setor.
“Essa tecnologias surgem com custos bastante elevados, algo que vai se
vencendo com a demanda e, depois, vai ficando acessível. E, hoje, a
necessidade não está tão forte. As máquinas de hoje têm cerca de 80% de
autonomia. Nós oferecermos os itens que os clientes mais desejavam”,
argumenta Silvio Campos, da Case IH.
Drones, robôs e máquinas: tecnologia se expande no campo e aumenta a produtividade do agro
Se ainda não existe uma data em que a máquina agrícola sem piloto vai
chegar ao campo, uma coisa é certa: todas as fabricantes pensam no
Brasil como um dos principais mercados para este produto. O motivo é
claro, o país é um dos grandes players do agro mundial.
“Brasil e a América do Sul são a bola da vez na nossa estratégia. Nossa parte autônoma é testada nos Estados Unidos, mas os olhos da agricultura estão no Brasil. Quando pensamos na tecnologia, pensamos que ela tem que funcionar aqui”, completa Maurício, da John Deere.
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