Espécie rara estava desaparecida há mais de um século e pensava-se que havia sido extinta por uma praga, mas ela foi encontrada por acaso recentemente no norte do Peru.
Por Lavinia Wanjau, BBC
09/08/2020 16h00 Atualizado há 21 minutos
Postado em 09 de agosto de 2020 às 16h30m

Variedade rara de cacau foi encontrada por acaso recentemente no Peru — Foto: Mariusz Szczawinski/Alamy
 Viajar para o cânion do rio Marañón, no norte do Peru, é como voltar no
 tempo. A paisagem montanhosa é repleta de casas de tijolos de barro. A 
eletricidade, que chegou a essa região há apenas três anos, está 
disponível apenas em algumas moradias, e o fornecimento de energia pode 
ser instável. Funciona só cinco dias por semana, e você nunca sabe quais
 cinco dias serão esses. Com poucas estradas pavimentadas, os moradores 
dessa região remota dependem de mulas e bicicletas para o transporte. 
 O fato de o cânion do rio Marañón ter permanecido relativamente 
intocado pelo homem foi uma bênção, uma vez que foi aqui que a árvore 
que produz uma das variedades de cacau mais raras do mundo floresceu. 
 
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 Este cacaueiro é nativo da selva amazônica e tem a honra de ser a 
variedade mais antiga do fruto — sua existência remonta há pelo menos 
5,3 mil anos. Entre os séculos 17 e 19, o chamado cacau puro nacional 
foi amplamente cultivado no Equador, onde suas cobiçadas vagens ajudaram
 a abastecer o então maior fornecedor de cacau do mundo. 
 Até que aconteceu uma tragédia: uma praga se espalhou pelas lavouras de
 cacau do Equador, dizimando a espécie, que era altamente vulnerável. 
Por meio do cruzamento com variedades mais fortes de cacaueiros, os 
agricultores conseguiram impedir a propagação da praga, mas as novas 
árvores fruto do cruzamento não eram capazes de produzir grãos com mesma
 qualidade do puro nacional. 
 No início do século 20, especialistas declararam extinta esta variedade
 de cacaueiro, e acreditava-se que seu delicioso fruto estivesse perdido
 para sempre. 
 Até recentemente. 
 Em 2007, dois americanos, Dan Pearson e seu enteado Brian Horsley, 
forneciam equipamentos e alimentos para empresas de mineração nos 
arredores do cânion do rio Marañón, perto da fronteira com o Equador, 
quando se depararam com uma árvore de aparência estranha, com vagens do 
tamanho de uma bola de futebol americano crescendo do seu tronco. 
 Intrigados, sem saber do que se tratava, eles enviaram várias amostras 
da espécie ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na 
sigla em inglês) em busca de uma resposta. Para surpresa de todos, as 
amostras eram de cacaueiro puro nacional. 
 Localizado entre os picos dos Andes, o rio Marañón (que por acaso é a 
cabeceira do rio Amazonas) esculpiu o cânion de mesmo nome, criando uma 
barreira natural que salvou um pequeno grupo de cacaueiros puro nacional
 da praga. Ninguém conseguia acreditar que aqueles dois homens haviam 
encontrado o cacau que há muito tempo dava-se como extinto. 
 "Quando eles ligaram com os resultados dos testes genéticos em mãos e 
perguntaram: 'Você está sentado?', eu sabia que havia encontrado algo 
especial", conta Pearson. 
O cânion do rio Marañón permanece até hoje relativamente intocado pelo 
homem — Foto: National Geographic Image Collection/Alamy
 Os cacaueiros são nativos da Floresta Amazônica, que se estende por 
grande parte do Peru moderno. Mas, diferentemente dos maias e astecas, 
que fermentavam, assavam e moíam o cacau para fazer uma bebida amarga 
usada em rituais religiosos, acredita-se que os incas, no Peru, não eram
 grandes consumidores do fruto. 
 Os missionários espanhóis do século 16 achavam a bebida maia asquerosa,
 mas quando adicionaram açúcar a ela, ao chegar na Espanha, o chocolate 
se tornou uma febre no mundo todo, fazendo nascer uma indústria global —
 que, nos séculos seguintes, seria dominada pelo chocolate produzido com
 o grão puro nacional. 
 Isso porque, enquanto a maioria das vagens de cacau contém apenas grãos
 roxos, o cacaueiro puro nacional também produz grãos brancos, 
conhecidos por seu sabor frutado e floral, sem ser amargo. 
 Por terem sobrevivido isoladamente por um século, os cacaueiros do 
cânion do rio Marañón desenvolveram uma mutação genética que os levou a 
produzir vagens com uma proporção significativamente maior de grãos 
brancos do que as árvores que haviam sido cultivadas no Equador séculos 
antes. 
Em 2007, Dan Pearson e Brian Horsley encontraram um cacaueiro raro que 
acreditava-se ter sido extinto no início do século 20 — Foto: Phil Crean
 Nature/Alamy
 A (re)descoberta dessa espécie foi o começo da jornada de Pearson e 
Horsley no mundo do chocolate. O cacaueiro com que se deparam ainda 
permanece de pé na propriedade de um fazendeiro local chamado Don 
Fortunato. 
 Usando mudas do que agora chamam de “árvore mãe”, os dois fundaram a 
empresa Marañón Chocolate e começaram a multiplicar a população de 
cacaueiros puro nacional no cânion. Em parceria com agricultores locais 
como Fortunato, Pearson e Horsley aprenderam a cuidar das árvores no 
viveiro, além de fermentar e secar os preciosos grãos de cacau depois de
 colhidos. 
 Após terem dominado devidamente essas etapas, Pearson viajou para a 
Suíça com o objetivo de transformar os grãos do cacaueiro em um 
chocolate exclusivo por meio de um acordo com um renomado fabricante. 
Esse chocolatier, que Pearson prefere não citar o nome, havia sido 
recomendado por Franz Ziegler, chef de confeitaria aclamado 
mundialmente, e seu colega Paul Edwards, da Chef Rubber, empresa 
dedicada à culinária. 
O cânion do rio Marañón impediu um pequeno grupo de cacaueiros de ser 
dizimado por uma praga na lavoura — Foto: National Geographic Image 
Collection/Alamy
 "Em nossos 50 anos somados trabalhando com chocolate, nunca provamos um
 sabor como este", disseram Zeigler e Edwards em uma declaração conjunta
 em 2011, quando o chocolate foi apresentado no Instituto de Educação 
Culinária (ICE, na sigla em inglês), nos Estados Unidos. 
 “Tivemos que ver com nossos próprios olhos, então, viajamos para o 
Peru, conhecemos as famílias das fazendas, vimos as árvores, os grãos 
brancos, o teste genético e depois observamos o processamento 
pós-colheita que eles desenvolveram. Vimos o passado e o futuro do 
chocolate.” 
 Hoje, Pearson e Horsley continuam cultivando os cacaueiros e colhendo 
os grãos de acordo com a tradição local, um processo que os visitantes 
podem presenciar entre meados de janeiro e início de junho. 
 Durante a temporada de colheita, mais de 400 agricultores que fornecem 
grãos para a Marañón Chocolate se levantam ao amanhecer para tirar 
manualmente as vagens das árvores, usando longas varas de bambu com 
lâminas curvas nas pontas. 
 As vagens são mantidas fechadas até Pearson ou Horsley chegarem para 
inspecioná-las e garantir que contenham a proporção correta de grãos 
brancos. Os grãos são então extraídos à mão, e eles compram na mesma 
hora dos agricultores, pagando um valor quase 50% acima do preço de 
mercado local para apoiá-los. 
 Os grãos colhidos são transportados até a unidade de processamento da 
Marañón Chocolate, a poucos quilômetros das fazendas, primeiro por 
burros e depois por motocicletas. Eles são secos e fermentados antes de 
serem enviados para o fabricante de chocolate na Suíça. 
 Lá, os grãos são processados mais uma vez em uma antiga máquina de 
conchagem (que permite misturar e arejar o chocolate líquido) de 1879 
para produzir o produto final: Fortunato Nº 4. O produto, que tem a 
assinatura da Marañón Chocolate, recebeu esse nome em homenagem ao 
fazendeiro Don Fortunato, e porque foi a quarta amostra genética enviada
 para teste que foi confirmada como sendo do lendário cacau. 
 Especialistas em chocolate do mundo todo elogiaram o Fortunato Nº 4 por
 seu sabor encorpado, textura suave e por não amargar. O chef de 
confeitaria suíço Roger Von Rotz o descreveu como "o Rolex dos 
chocolates", enquanto o chef peruano Gastón Acurio declarou: "Acabei de 
experimentar o melhor chocolate que já comi em toda a minha vida". 
 A venda do Fortunato Nº 4 é limitada a fabricantes de chocolate finos, 
que o transformam em criações voltadas ao consumidor e disponibilizam 
para venda na internet ou em lojas físicas locais. 
 Você pode comprar o chocolate fabricado com cacau puro nacional a 
partir de fornecedores como Moonstruck Chocolate Company, nos Estados 
Unidos, House of Anvers, na Austrália, e Solkiki Chocolatemaker, no 
Reino Unido. 
 Ser o berço do chocolate mais raro do mundo enche de orgulho a 
comunidade do cânion do rio Marañón. Graças aos grãos de cacau 
exclusivos, sua importância cresceu internacionalmente, sobretudo após o
 reconhecimento de chocolatiers de renome mundial. 
 Don Fortunato, que cobra royalties pelas vendas do Fortunato Nº 4, é um
 homem feliz. Isso me ajudou financeiramente e me tornou famoso", diz 
ele com um sorriso orgulhoso no rosto. 
 Até hoje, ele cuida do cacaueiro puro nacional em sua propriedade, vigiando a “mãe” do chocolate que renasceu das cinzas. 
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