Cientistas estão na vanguarda de estudos sobre potenciais de drogas como LSD, ayahuasca, psilocibina, ibogaína e MDMA para patologias que têm se mostrado difíceis de tratar.
Por BBC
11/09/2020 09h45 Atualizado há 3 horas
Postado em 13 de setembro de 2020 às 12h50m
"Sou hoje (semanas depois da primeira experiência) um homem mais
desamarrado, sobretudo bem mais livre de mim mesmo [...] Livrei-me de
algumas túnicas da minha fantasia, quase todas depressivas. Despertei
certa manhã de domingo, muito mais curioso do universo e muito menos
angustiado pela catástrofe humana. Existir ficou um pouco menos
difícil."
O trecho acima é parte de uma série de crônicas em que o escritor Paulo
Mendes Campos (1922-1991), um dos mais importantes nomes da literatura
brasileira, relatou suas experiências com o LSD (dietilamida do ácido
lisérgico), uma substância psicodélica hoje proibida.
Em 1962, quando participou dos testes, a droga estava sendo explorada e
pesquisada pela ciência e pela medicina. Poucos anos depois, o LSD e
outras substâncias psicotrópicas foram proibidas e criminalizadas
praticamente no mundo todo, interrompendo os estudos científicos sobre o
potencial dessas drogas.
Nos últimos anos, no entanto, as pesquisas com as drogas psicotrópicas,
também chamadas simplesmente de "psicodélicos", renasceram como uma
possibilidade de tratamento eficaz para patologias que têm se mostrado
difíceis de tratar: depressão, ansiedade, dependência química, transtorno de estresse pós-traumático, entre outras. E, mais uma vez, cientistas brasileiros estão na vanguarda dos estudos nessa área.
Médicos, psiquiatras, neurocientistas, psicólogos e terapeutas do país
estão pesquisando os efeitos positivos de substâncias sintéticas, como
LSD e MDMA, mas também algumas que têm origem na natureza, como
ibogaína, psilocibina e ayahuasca.
Nas últimas semanas, a BBC New Brasil conversou com alguns deles para
entender o que vem sendo estudado, qual o potencial dos psicodélicos e
como eles podem ser usados por pacientes e médicos brasileiros.
MDMA e estresse pós-traumático
MDMA e estresse pós-traumático
Um dos pesquisadores é o neurocientista Eduardo Schenberg, diretor do
Instituto Phaneros. Neste ano, ele publicou um estudo sobre uso
psiquiátrico de MDMA (metilenodioximetanfetamina), em parceria com uma
entidade americana que também pesquisa essas drogas.
No mercado ilegal de drogas, o MDMA já teve dezenas de apelidos, como
ecstasy e molly, e é usado principalmente por jovens em festas e baladas
— também é conhecido como "a droga do amor", por sua capacidade de
gerar empatia.
No tráfico, as substâncias são produzidas sem controle de qualidade: já
foram apreendidas centenas de tipos diferentes de ecstasy, grande parte
deles sem nenhuma molécula de MDMA.
Já o composto puro, sem acréscimo de elementos que podem fazer mal à
saúde, é considerado seguro e não causa grandes efeitos colaterais — no
máximo, dor de cabeça e no maxilar, náusea, inquietude e uma angústia
temporária.
No ensaio, Schenberg utilizou a droga em três pacientes diagnosticados
com transtorno de estresse pós-traumático (Tept), cujo gatilho, em
geral, são experiências de violência extrema, como abuso sexual,
tiroteios, sequestros, morte repentina na família e, hoje, até a
Covid-19.
"O transtorno causa um medo paralisante: a pessoa tem pesadelos recorrentes, ataques de pânico, palpitações, desespero, raiva. Para lidar com isso, ela reprime as emoções, pois não consegue falar sobre o trauma. Algumas vivem num estado de anestesiamento, sem propósito. Esse transtorno tem uma taxa alta de suicídios", diz o neurocientista.
Os três pacientes passaram por uma terapia assistida por drogas
psicodélicas de quatro meses. Foram 15 consultas de 90 minutos cada uma,
sob supervisão de dois terapeutas, mas em apenas três delas houve uso
de MDMA, com quantidade escalonada. Nessas consultas, o paciente ouve
música e é estimulado a ficar introspectivo, em contato com seus
sentimentos e memórias. Mas ele também pode dialogar com os terapeutas
sobre o que está sentindo.
Dois dos participantes ficaram curados do transtorno, segundo o
pesquisador. O terceiro melhorou muito, mas ainda precisa continuar se
tratando. "Os resultados no Brasil foram espetaculares, muito parecidos
com o que vem sendo observado no exterior. As estatísticas mostram que
dois terços dos pacientes saem do tratamento curados", diz.
Nesse contexto, o MDMA surge como uma possibilidade efetiva de melhorar
o transtorno. Hoje, a medicação tradicional consegue tratar apenas
sintomas secundários, como ansiedade, depressão e insônia. Já a terapia
com MDMA propõe justamente o contrário: ela busca curar o trauma em si.
Mas como ela pode fazer isso?
Mas como ela pode fazer isso?
"O MDMA não causa visões alucinatórias, como outros psicodélicos. Muita gente nem o considera parte dessa classe. Ele funciona como uma espécie de turbo neuroquímico, induzindo a produção de serotonina e dopamina, noradrenalina. No cérebro, ele estimula os neurônios a liberar mais neurotransmissores", explica Schenberg.
"Basicamente, ele acelera o raciocínio e intensifica as emoções. Quem
usa consegue enxergar com muita clareza seus problemas afetivos e suas
próprias emoções. A droga tem o poder de reduzir o medo que o paciente
de Tept sente o tempo todo, aumentando a capacidade de uma análise
profunda do trauma e de outros problemas pessoais", diz.
Recentemente, os ótimos resultados de pesquisas realizadas nos Estados
Unidos fizeram a FDA (autoridade americana de saúde e medicamentos) a
permitir uma expansão das pesquisas de tratamentos com ecstasy para
transtorno de estresse pós-traumático.
Ayahuasca para depressão
Ayahuasca para depressão
Outro psicodélico em estudo no Brasil é a famosa ayahuasca, um chá produzido com várias plantas originárias da Amazônia e historicamente utilizada em rituais indígenas.
No país, a substância também é conhecida por ser o elemento sacramental
de algumas religiões, como o Santo Daime e a União do Vegetal — e por
causa do uso religioso, ela é não é proibida.
A ayahuasca é rica em DMT (dimetiltriptamina), um poderoso psicoativo.
Estudos em universidades brasileiras têm apontado efeitos positivos da
substância em tratamentos de depressão crônica e dependência química.
Segundo Dráulio Barros de Araújo, professor do Instituto do Cérebro da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um dos focos de pesquisa
tenta compreender os efeitos da ayahuasca no corpo, como as imagens
psicodélicas são representadas no cérebro e quais são as bases neurais
da introspecção e da autoanálise de emoções, processo relatado pelos
usuários durante o efeito da substância.
Outro caminho é mais terapêutico. "Estamos avaliando os efeitos
antidepressivos da ayahuasca fora do contexto religioso. Nosso grupo é o
único no mundo a fazer ensaios clínicos com ayahuasca dentro do
hospital com pacientes com depressão resistente ao tratamento", diz
Araújo, que comanda uma das equipes pioneiras nos estudos do composto.
Mas de onde vem esse efeito antidepressivo?
Mas de onde vem esse efeito antidepressivo?
Pesquisadores brasileiros avaliaram o sistema imunológico de dois
grupos de pacientes com depressão. Uma das turmas tomou ayahuasca, e
outra ingeriu um placebo que simulava apenas os efeitos colaterais da
droga, como vômitos.
"Hoje, já se sabe que pacientes com depressão apresentam um aumento de
marcadores de inflamação, como a proteína C-reativa.
Inclusive, há
teorias que falam que a depressão é uma doença do sistema imunológico.
Depois da sessão, percebemos que os pacientes que beberam ayahuasca
diminuíram a concentração da proteína C-reativa, o que não aconteceu com
quem recebeu o placebo", explica Araújo.
Mas há outro ponto importante. Pessoas com depressão normalmente apresentam alteração de uma proteína chamada "fator neurotrófico derivado do cérebro" (BDNF,
na sigla em inglês). Esse marcador químico está conectado à
neuroplasticidade, ou seja, à capacidade do sistema neural de promover
novas sinapses.
"Vimos que pacientes que apresentavam alteração do BDNF tiveram uma
melhora para níveis normais depois de tomarem ayahuasca.
Além disso,
trabalhos de bioquímica molecular no Brasil apontaram que os componentes
da ayahuasca podem aumentar os processos de neuroplasticidade, que em
pacientes com depressão tendem a se reduzir", explica Araújo.
Segundo ele, o psicodélico também tem outros resultados mais sutis, como uma tendência de afastar pensamentos repetitivos.
"Uma característica comum da depressão são os pensamentos negativos e ruminativos, ou seja, a pessoa sempre volta para eles sem conseguir sair. Aparentemente, a ayahuasca promove uma mudança desse padrão", diz.
Araújo, entretanto, não enxerga um futuro uso hospitalar da substância,
principalmente por causa de seus efeitos colaterais, como náuseas e
vômitos. "Acredito mais em um uso clínico da psilocibina, outro
psicodélico que tem demonstrado potencial para tratamento de depressão
grave", diz.
Psilocibina e dependência química
Psilocibina e dependência química
A psilocibina, substância alucinógena presente em alguns cogumelos,
é outro psicodélico em estudo, principalmente nos Estados Unidos. No
Brasil, há pesquisas sobre possíveis tratamentos contra depressão e
dependência de drogas, como álcool, cigarro e crack.
Um dos estudiosos à frente desse campo é Renato Filev, pesquisador do
Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), que também já trabalhou com cannabis e
ayahuasca.
Ele explica que, como acontece com outros psicodélicos, a terapia com
psilocibina tem potencial de mudar comportamentos repetitivos e
problemáticos.
"No exterior já há diversos estudos apontando a eficácia de psilocibina nesse tratamento, mas queremos testá-la no Brasil, pois o vício também é um fenômeno social e local", explica Filev, que está em processo de importação do composto para iniciar sua pesquisa.
Segundo ele, os psicodélicos atuam numa região do córtex relacionada a uma série de sincronizações do ritmo cerebral. Quando o composto "bate" no cérebro, ele dessincroniza esse ritmo, fazendo-o atuar em modo extraordinário.
"Essas mudanças criam condições para uma análise profunda do eu e do
sentido de individualidade. Essa experiência muda a forma como o
paciente enxerga sua personalidade, seus comportamentos e suas emoções.
Quando você está sob esse efeito, acaba aceitando uma segunda opinião
sobre você mesmo, algo que não aceitava antes", afirma.
Nesse sentido, as experiências têm mostrado que, em muitos casos,
pessoas que eram dependentes de drogas acabaram perdendo a vontade de
usá-las novamente depois de sessões terapêuticas com psilocibina. Mas
Filev pondera:
"Não é um milagre. Essa interrupção do uso problemático pode ocorrer, mas também pode não acontecer. Por isso as pesquisas científicas são tão importantes. Precisamos responder: 'por que isso funciona com alguns e com outros não?'"
Ibogaína e abuso de drogas
No campo do tratamento de dependência, algumas clínicas no Brasil já utilizam legalmente uma substância psicodélica, a ibogaína.
Princípio ativo da raiz africana iboga, a substância não é proibida no
país, ao contrário do MDMA, psilocibina e LSD — que só podem ser
utilizados pela ciência. Mas seu uso também não está regulamentado. Esse
limbo jurídico permite que a ibogaína seja manipulada no tratamento de
dependência de outras drogas.
Anúncios de clínicas na internet prometem curar o vício do paciente (em
álcool ou drogas) com apenas uma sessão de psicoterapia com a
substância, procedimento que chega a custar R$ 8 mil.
Um trabalho da Unifesp, comandado pelo cientista Dartiu Xavier da
Silveira, analisou o tratamento com ibogaína em 75 pacientes com
dependência química. Um ano depois, 72% deles tinham parado de usar
drogas.
Assim como outros psicodélicos, não se sabe exatamente como a ibogaína age no cérebro.
Mas experimentos já mostraram que ela promove a produção de um hormônio
chamado GDNF, que por sua vez estimula um equilíbrio de
neurotransmissores.
Os efeitos visuais, bastante intensos e mais fortes que os do LSD, são
semelhantes aos de um sonho e por isso são chamados de "onirofrênicos" —
e duram de 12 a 15 horas.
"As pessoas normalmente têm muitas visões, lembranças, como se estivessem sonhando acordadas. E quanto maior o efeito psicodélico e místico, maior também será o efeito terapêutico", explica o psicólogo e pesquisador Bruno Ramos Gomes, que trabalha com pacientes de ibogaína em seu doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp).
Ele explica que psicodélicos causam um efeito chamado de afterglow, uma
sensação de bem-estar que persiste mesmo após as experiências visuais e
físicas já terem passado. "Em algumas substâncias, como o LSD, o
afterglow dura poucos dias. No caso da ibogaína, ele pode ser sentido
por meses. Alguns pacientes contam que nunca mais foram os mesmos depois
da sessão, e que não sentem mais aquela fissura pela droga que eram
dependentes", diz Gomes.
Por outro lado, há relatos de que a ingestão de altas doses de ibogaína
tenha causado mortes no exterior, embora o procedimento adequado e
controlado por profissionais de saúde não apresente riscos à vida,
segundo cientistas. No Brasil, há informação de que um paciente morreu
em 2016 depois de beber a substância — ele teria sofrido um ataque
cardíaco em uma clínica na cidade de Paulínia, interior de São Paulo.
Recentemente, o uso de ibogaína tem desagradado comunidades terapêuticas ligadas a igrejas.
Essas instituições oferecem tratamentos baseados principalmente em
abstinência do consumo de entorpecentes, espiritualidade e isolamento.
Muitas delas são financiadas pelo poder público, mantendo pacientes
internados por meses e até anos.
Em agosto, após reclamação de instituições religiosas, a Secretaria
Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred) publicou uma nota
técnica alertando para riscos do uso de ibogaína, como "alteração da
consciência, morte súbita e problemas cardiovasculares". Segundo a pasta
do governo Jair Bolsonaro, "não há evidências científicas robustas" que
comprovem a eficácia do tratamento.
Para Bruno Ramos Gomes, da Unicamp, embora estudos com a droga ainda
estejam em andamento, a controvérsia opõe duas visões distintas sobre
cuidados com a dependência química.
"Enquanto clínicas de ibogaína falam em cura, as comunidades terapêuticas dizem que não existe cura, e que o tratamento deve ser constante", explica.
Qual o futuro dos psicodélicos no Brasil?
Enquanto as pesquisas avançam, já é possível vislumbrar possíveis usos medicinais para as drogas psicodélicas no Brasil.
Cientistas acreditam que elas podem ser administradas em psicoterapia,
dentro de ambientes clínicos e com supervisão de médicos e outros
profissionais de saúde — para isso, mais pesquisas terão de feitas para
que esses procedimentos sejam aprovados pela Anvisa.
"Eles não serão remédios que o médico receita, o paciente compra na farmácia e toma em casa", explica o médico Luís Fernando Tófoli, professor de Psiquiatria da Unicamp, e que já participou de estudos com LSD e ayahuasca.
Dráulio Barros de Araújo, do Instituto do Cérebro, concorda. "Esse uso
deve acontecer como ocorre com anestésicos potentes: dentro do contexto
hospitalar e sob supervisão médica", diz.
Já Renato Filev, da Unifesp, acredita que as terapias deveriam ocorrer
em ambientes acolhedores. "O indivíduo deve ficar confortável, deitado,
em um local que não seja estéril como os hospitais", afirma.
Para Tófoli, "eles não dão muito retorno financeiro para as empresas,
porque são usados poucas vezes durante um tratamento. Não acho que a
grande indústria vá financiar esse setor, mas também não enxergo nenhum
movimento para impedi-lo", diz.
"Também acredito que esses tratamentos não serão massificados, porque usar psicodélico não é uma coisa fácil nem é indicado para todas as pessoas. E também não é todo mundo que está disposto a passar por essa experiência", explica o psiquiatra.
Repressão da ditadura
A história das pesquisas científicas com psicodélicos no Brasil não
começou agora. Os primeiros experimentos são dos anos 1950, e seguiram
uma tendência mundial.
Os efeitos do ácido lisérgico foram descobertos em 1943 pelo químico
suíço Albert Hofmann, que trabalhava na empresa farmacêutica Sandoz. A
companhia, interessada nas possíveis utilidades do composto, enviava
doses de LSD a praticamente qualquer pesquisador que quisesse se
aventurar.
"O LSD chegou ao Brasil pela via medicinal. É difícil dizer exatamente
quando isso ocorreu, mas há referências a estudos feitos já em 1952",
explica o jornalista e historiador Júlio Delmanto, autor do livro
História Social do LSD no Brasil (Editora Elefante). A obra relata as
primeiras pesquisas com o ácido lisérgico no país, seu uso pioneiro por
artistas e por adeptos da contracultura, além do início da repressão
policial, a partir da década de 1970.
"Os médicos brasileiros leram pesquisas do exterior, se interessaram
pela substância e conseguiram lotes da Sandoz para testar aqui. Eles
inicialmente usavam em si mesmos e, depois, fizeram experimentos com
outras pessoas, principalmente artistas", diz Delmanto.
Segundo ele, as primeiras pesquisas com LSD foram feitas por profissionais de diferentes correntes ideológicas.
"Na época, não havia esse estigma contra a substância. Ela atraiu médicos ligados à esquerda, mas também pesquisadores de direita, alguns deles ligados à ditadura militar e a instituições manicomiais", diz Delmanto.
Mas o LSD e outros psicodélicos foram proibidos no país em meio ao
endurecimento da ditadura militar e também ao aumento da repressão às
drogas por parte do governo dos Estados Unidos, que associou
negativamente o LSD e outros entorpecentes aos movimentos contrários ao
presidente Richard Nixon e à guerra do Vietnã.
Os alucinógenos foram importantes para a contracultura e para os
hippies, que viam neles uma forma de expandir a consciência, a
criatividade e o bem-estar. A proibição, além de criminalizar usuários,
traficantes e cientistas, interrompeu as pesquisas por mais de 50 anos.
Curiosamente, um novo decreto sobre drogas no Brasil foi assinado 13
dias depois da promulgação do AI-5, em dezembro de 1968. A nova lei
punia com prisão o uso ou a venda de qualquer substância que causasse
"dependência química e psíquica", mas não deixava claro quais drogas se
enquadravam neste conceito — ou seja, em tese, beber álcool e fumar
cigarro poderia dar prisão na ditadura, embora isso não acontecesse na
prática.
Essa controvérsia norteou o primeiro processo criminal por tráfico de
LSD no Brasil, de 1970, que foi analisado por Júlio Delmanto em seu
livro. A defesa dos acusados — um grupo formado por artistas e
estudantes — argumentou que a lei não citava o LSD como causador de
dependência (e, de fato, não há provas científicas de que isso ocorra).
Mesmo assim, o juiz Geraldo Gomes condenou os réus, principalmente com
base em preceitos morais. "Na sentença, ele criticou mulheres que
frequentavam festas à noite e até um dos rapazes do grupo que 'não
morava com os pais'. O juiz estava imbuído de mostrar quais eram os
valores morais da sociedade, dando um recado de classe, raça e geração".
Anos antes da proibição, em 1962, ninguém era preso por usar LSD. O
escritor Paulo Mendes Campos foi um dos primeiros brasileiros a
participar de experimentos com a droga. Em uma entrevista posterior ao
jornal "O Pasquim", ele relatou como foram suas viagens lisérgicas:
"Minha experiência foi esplêndida. [...] um curso de madureza de autoanálise, me conheci muito melhor. Durante uns dois ou três anos eu me senti com uma segurança muito maior, e vi profundidades minhas horrendas que me levaram a me conhecer melhor. Isso alterou muito a minha vida."
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