Cientistas levam equipamentos para debaixo da superfície de gelo da Antártida e para o fundo do Mediterrâneo em busca dessas partículas 'fantasmas'.
Por BBC
13/06/2020 21h25 Atualizado há 2 horas
Postado em 13 de junho de 2020 às 23h30
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Os detectores de neutrinos IceCube ficam abaixo da superfície de gelo da Antártida — Foto: Jamie Yang Iceclube Collaboration
Eles são viajantes do Universo, atravessam nossos corpos.
"Dia e noite, a cada segundo, bilhões de neutrinos passam por nós", diz o físico Juan de Dios Zornoza, professor da Universidade de Valência (Espanha).
Os neutrinos estão entre as partículas mais enigmáticas da Física.
Uma das razões para isso está no fato de que eles são extremamente difíceis de se detectar. Assim, os cientistas têm de desenvolver estratégias criativas para tentar "capturá-los".
Alguns chegaram a instalar instrumentos a mil metros abaixo da superfície da Antártida e nas profundezas do mar Mediterrâneo, outros colocaram antenas em um balão que sobrevoa o continente congelado.
"Assim como um astrônomo vai para uma montanha com seu telescópio e observa as estrelas, queremos saber como o Universo funciona. Mas, em vez de usar a luz, usamos outro mensageiro cósmico, que são os neutrinos", explica Zornoza, coordenador do grupo espanhol ANTARES, que busca neutrinos no Mediterrâneo.
Os neutrinos podem vir de outras galáxias, mas também de estrelas mais próximas, como o nosso Sol.
"Eles nos dão informações sobre lugares impossíveis de se acessar", disse à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) o físico peruano Carlos Alberto Argüelles, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e membro do IceCube, projeto que busca neutrinos abaixo do gelo antártico.
O cientista explica que as as fusões nucleares no centro do Sol emitem neutrinos. Assim, estudando essas partículas, seria possível saber o que está acontecendo dentro do astro, por exemplo.
O que a Ciência sabe sobre os neutrinos
Os neutrinos são partículas elementares, um dos blocos fundamentais da natureza.
"Eles são a segunda partícula mais abundante do Universo", explica Zornoza. "O que mais há no Universo são fótons, isto é, partículas de luz. Em segundo lugar, vêm os neutrinos."
E essas partículas têm a especificidade de dificilmente interagirem com o que encontram em seu caminho, passando facilmente pela matéria.
"Das quatro forças que conhecemos — gravidade, força eletromagnética, força nuclear forte e força nuclear fraca —, os neutrinos só interagem com uma, a força nuclear fraca", aponta Argüelles.
E justamente por isso, diz Zornoza, os neutrinos "são capazes de atravessar uma barreira de anos-luz de chumbo e chegar ao outro lado, o que os torna muito difíceis de serem detectados".
Há muitas características dessa partícula ainda não conhecidas.
"Os neutrinos são estranhos, sabemos que eles têm uma massa, mas ainda não sabemos o quanto é ou como se origina. Possivelmente, eles estão conectados a outra partícula que pode lhes dar uma massa secreta, algo que esteja produzindo essa massa", diz Argüelles.
"Há também um fenômeno conhecido como oscilação de neutrinos, porque existem vários tipos de neutrinos e eles podem se transformar."
Eles viajam em linha reta
Os neutrinos não têm carga elétrica e, portanto, são uma ferramenta eficiente para o estudo do Universo.
"Como é uma partícula neutra, sem carga, é ideal para a astronomia, porque ela não é desviada por campos magnéticos", explica Juan Antonio Aguilar, pesquisador espanhol da Universidade Livre de Bruxelas e chefe do grupo IceCube local.
"Isso significa que, se existe uma fonte no Universo que emite neutrinos, esses neutrinos virão diretamente de lá para nós".
Ao viajar em linha reta e interagir de forma fraca com a matéria, os neutrinos revelam em qual direção está sua fonte, diferente de outros "mensageiros", como os raios cósmicos ou raios gama.
"Os raios cósmicos, compostos principalmente de prótons, viajam de fontes muito distantes de nós, mas, como eles têm carga elétrica, se houver campos magnéticos, eles são desviados", detalha Argüelles.
Os raios gama, por outro lado, são luz. E a luz pode ser bloqueada ou obscurecida por nuvens de poeira ou gás.
"Então temos o neutrino, que, mesmo que haja campos magnéticos, ele segue seu caminho; e mesmo que haja nuvens de poeira, ele as atravessa. Por isso, eles são mensageiros diretos dos objetos de onde vêm e nos fornecem informações verdadeiramente únicas", acrescenta.
"Sendo partículas quase 'fantasmas', que atravessam tudo, elas podem nos trazer informações de lugares muito energéticos e muito densos, como aqueles ao redor dos buracos negros."
Pesquisas no Polo Sul e no Mediterrâneo
O projeto ANITA também explora neutrinos na Antártida — Foto: Anita
Para capturar os esquivos neutrinos, cientistas usam táticas diferentes.
O telescópio de neutrinos IceCube, no Polo Sul, é uma iniciativa internacional que envolve cerca de 300 pesquisadores de instituições de 12 países da Europa, América do Norte, Ásia e Oceania.
Eles recebem dados por satélite de sensores instalados abaixo da superfície antártica — e o trabalho não parou durante a atual pandemia de coronavírus.
No caso do projeto ANTARES, os detectores estão a 2,5 mil metros de profundidade no mar Mediterrâneo, perto da costa francesa da Marselha.
O ANTARES ganhará um novo telescópio subaquático de neutrinos, chamado KM3NeT e atualmente em construção. Ele será instalado em profundidades ainda maiores no Mediterrâneo.
Embora os neutrinos se comportem como partículas "fantasmas", os cientistas conseguem encontrá-los.
"De todos os neutrinos que chegam até nós, de tempos em tempos, alguns interagem e produzem outra partícula, chamada múon, que é um tipo de elétron, mas com mais massa", explica Zornoza.
"Então esse múon, se estivermos em um meio transparente, como água ou gelo, emite o que é chamado de luz Cherenkov, uma luz azul que se pode ver."
"No Mediterrâneo ou na Antártida, colocamos detectores de luz. Muitos neutrinos escapam, mas alguns produzem um múon que emite luz."
Equipamentos do projeto ANTARES detectam flashes quando um neutrino produz um múon — Foto: Antares
Equipamentos do projeto ANTARES detectam flashes quando um neutrino produz um múon — Foto: Antares
Já o projeto ANITA (Antártida Transitive Boost Antena), financiado em parte pela Nasa, a agência espacial americana, usa outra estratégia para detectar neutrinos.
Ele recorre a dezenas de antenas presas a um balão estratosférico.
Os detectores ANITA não procuram flashes de luz, mas sim sinais de rádio produzidos pela interação entre o gelo e os neutrinos.
Um mistério centenário
Por que os cientistas fazem estes esforços e desenvolvem projetos mirabolantes para entender melhor os neutrinos?
Primeiro, eles podem ajudar a resolver grandes enigmas, como o da matéria escura, da qual 80% do Universo é constituído, mas que é praticamente uma desconhecida.
"É provável que a matéria escura se acumule em lugares como o centro de nossa galáxia ou do Sol. Ali, se emitiriam, entre outras coisas, neutrinos", explica Zornoza.
"Detectar neutrinos dessas fontes nos daria pistas para entender do que a matéria escura é feita."
E há outro grande mistério que os neutrinos podem ajudar a esclarecer: a origem dos raios cósmicos.
"Mais de 100 anos atrás, esses raios cósmicos que chegam à Terra foram descobertos, mas ainda não entendemos de onde vêm. Entretanto, é muito provável que haja neutrinos nestes lugares (de origem)", afirma.
"Se conseguirmos detectar esses neutrinos, eles podem nos ajudar a resolver o mistério secular do que produz os raios cósmicos."
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