Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, diz que Brasil pode acabar 'totalmente isolado do mundo' ao decidir não confinar sua população: 'Por que deixariam entrar brasileiros e colocar tudo a perder?'.
Por BBC
Postado em 20 de maio de 2020 às 17h45m
Postado em 20 de maio de 2020 às 17h45m
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'Se a Coreia do Norte é isolada do mundo por questões ideológicas, o Brasil vai pelo mesmo caminho nas questões sanitárias. Vamos nos tornar uma Coreia do Norte nesse aspecto, uma pária internacional', diz Domingos Alves — Foto: Getty Images/ BBC
Sem medidas efetivas para conter a pandemia do coronavírus, o Brasil vai se tornar "uma Coreia do Norte em questões sanitárias", diz à BBC News Brasil Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.
Segundo ele, a alusão ao país mais fechado do mundo se deve ao fato de que o Brasil pode acabar "totalmente isolado" por ter decidido não confinar sua população, deixando o vírus se alastrar livremente.
"Se a Coreia do Norte é isolada do mundo por questões ideológicas, o Brasil vai pelo mesmo caminho nas questões sanitárias. Vamos nos tornar uma Coreia do Norte nesse aspecto, uma pária internacional", diz ele.
"O mundo inteiro vem tomando medidas muito duras para controlar a pandemia do coronavírus, às custas de um impacto econômico nunca antes visto. Mas o Brasil vem nadando contra a corrente. Quando esses países reabrirem as suas fronteiras, por que deixariam entrar brasileiros e colocar tudo a perder?", questiona.
Alves liderou estudo que mostra que casos de coronavírus no Brasil já superaram 3 milhões — Foto: Arquivo Pessoal/ BBC
Alves liderou estudo que mostra que casos de coronavírus no Brasil já superaram 3 milhões — Foto: Arquivo Pessoal/ BBC
Na terça-feira (19), o Brasil ultrapassou a marca simbólica de mais de mil mortes diárias por Covid-19. O país registrou 1.179 novos óbitos em 24 horas, segundo o Ministério da Saúde. Ao todo, são 17.971 óbitos por coronavírus e 271.628 casos confirmados.
No mesmo dia, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse "estar considerando" impor barreiras em viagens do Brasil ao território americano, depois de o país se tornar o terceiro em número de casos confirmados de Covid-19, atrás dos próprios Estados Unidos e da Rússia.
"Não quero que as pessoas venham aqui e infectem nosso povo. Também não quero que as pessoas ali fiquem doentes", afirmou ele a repórteres na Casa Branca. "Esperamos que não tenhamos problemas, o governo da Flórida está fazendo um bom trabalho testando — particularmente lá porque uma grande parte vai para a Flórida", acrescentou Trump, sobre os brasileiros. "Eles estão tendo problemas."
Presidente dos EUA, Donald Trump, fala a jornalistas na Casa Branca, em Washington, na terça-feira (19) — Foto: Reuters/Yuri Gripas
Presidente dos EUA, Donald Trump, fala a jornalistas na Casa Branca, em Washington, na terça-feira (19) — Foto: Reuters/Yuri Gripas
Na semana passada, a União Europeia divulgou as orientações para a reabertura de fronteiras internas. Segundo o documento, um dos principais critérios é saber se os viajantes vêm de um país com "uma situação epidemiológica em evolução positiva e semelhante" em relação à Covid-19, com a consolidação de "uma taxa de transmissão suficientemente baixa".
O problema é que essa taxa de transmissão, ou R0 (número básico de reprodução), é muito mais alta no Brasil do que no restante do mundo. O R0 indica para quantas pessoas, em média, cada infectado transmite o coronavírus. Quando está acima de 1, a doença está fora de controle e a infecção está se acelerando.
Dados da Universidade Imperial College de Londres atualizados na semana passada mostraram que o Brasil tinha o terceiro R0 mais alto do mundo, 2, atrás apenas de Porto Rico e Bangladesh. O levantamento analisou 54 países com transmissão ativa do vírus.
Mas esse número teria caído para 1,4, depois das primeiras medidas de isolamento social e, agora, com mais Estados promovendo a quarentena, segundo um estudo recente realizado pelo físico nuclear Rubens Lichtenthäler Filho, professor da Universidade de São Paulo (USP), e seu filho, Daniel, médico do Hospital Israelita Albert Einstein.
Ainda assim, permanece alto. Isso significa que duas pessoas no Brasil podem passar a doença para outras três.
Nos Estados Unidos, o país com o maior número de casos confirmados atualmente, esse número é 1,11. Na vizinha Argentina, 1,16.
Baixa adesão
Dados recentes mostram que menos da metade da população brasileira vem aderindo ao isolamento social. Segundo o último levantamento da empresa Inloco, essa taxa é de 42,6%.
Alves, do LIS, liderou um estudo recente que sugere que o total de infectados no Brasil teria ultrapassado 3 milhões, 11 vezes mais do que os divulgados pelo Ministério da Saúde. Em sua visão, o país teria se tornado o epicentro da pandemia de coronavírus no mundo. Os dados podem acessados no portal Covid-19 Brasil, que reúne pesquisadores de diversas universidades brasileiras.
Especialistas apontam a baixa testagem como um dos motivos principais para tamanha discrepância dos dados. Até agora, o Brasil realizou apenas 3.462 testes por milhão de habitantes. Para efeitos de comparação, os Estados Unidos realizaram 37.188 testes por milhão de pessoas e a Espanha, o país que mais testou a população, realizou 64.977 testes por milhão de habitantes, segundo a empresa de dados Statista.
Sem realizar testes, o Brasil não tem ideia do tamanho da pandemia. Dessa forma, não consegue adotar medidas específicas para frear o contágio, seja pelo isolamento dos casos assintomáticos ou com sintomas leves, seja pelo rastreamento dos contatos desses infectados.
Crítico do lockdown, o presidente Jair Bolsonaro alega que o custo econômico de um confinamento nacional seria gigantesco e vem se opondo às tentativas dos governadores de manterem a população dentro de casa.
Na semana passada, o então ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão, menos de um mês depois de ocupar o comando do órgão. Ele substituiu Luiz Henrique Mandetta, demitido. Com a saída de Teich, assumiu interinamente o general Eduardo Pazuello.
O Brasil foi o único país no mundo a trocar dois ministros em plena crise do coronavírus.
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