A década de 2010 foi a mais quente da história e os anos 2016 e 2019, os mais quentes de todos os tempos. No contexto das mudanças climáticas, o controle dos microclimas urbanos depende de estratégias de adaptação a temperaturas mais altas.
O Central Park, em Nova York, visto de cima — Foto: Jermaine Ee/Unsplash
Muitas das grandes cidades do mundo são verdadeiras "selvas de pedra". E estão ficando mais quentes: o concreto, o asfalto e a canalização de rios fazem com que seja mais difícil dissipar o calor que vem do Sol.
Tudo isso já é uma preocupação para as populações e os administradores públicos, mas, num contexto em que sobem as temperaturas médias do mundo, por causa do aquecimento global, o controle dos microclimas das cidades torna-se ainda mais urgente. A década de 2010 foi a mais quente da história, sendo 2016 e 2019 os anos mais quentes de todos os tempos.
Pesquisadores, arquitetos e ambientalistas já há alguns anos fazem o alerta de que é preciso recompor as áreas verdes nas zonas urbanas.
As plantas absorvem água da chuva, produzem sombra e umidade, ajudando a reduzir a temperatura interna das cidades, ainda que de forma localizada. Isso pode ser feito de modo estratégico, planejado. Além do controle das temperaturas, áreas verdes promovem a qualidade de vida dos moradores.
Conforme um relatório de setembro de 2019 do banco Goldman Sachs sobre o tema da adaptação das cidades às mudanças climáticas, elas já abrigam 55% da população mundial, ou seja, um total de 4,2 bilhões de pessoas. A Organização das Nações Unidas (ONU) prevê que o índice chegue a 68% até 2050.
"A área ocupada pelas cidades no mundo é relativamente pequena, mas elas concentram a maior parte da população global", diz Denise Helena Silva Duarte, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e especialista no tema.
"Um desastre natural num lugar em que não tem ninguém é ruim, mas um desastre natural na cidade afeta a vida de milhões de pessoas", acrescenta. O Banco Mundial estima que as cidades consumam 75% de todos os recursos naturais do mundo, sendo encarregadas de 80% do PIB mundial.
Temperaturas mais altas que os arredores
A minimização dos problemas ambientais nas cidades, portanto, pode melhorar a vida de muita gente. Justamente porque concentram inúmeras atividades humanas, as cidades demandam energia, comida, água, insumos, materiais de construção... elas também poluem muito, contribuindo para desequilíbrios ambientais.
Nesse contexto, o aquecimento urbano resulta tanto de fatores ambientais quanto de consequências da ação humana.
E, além desses dois fatores, existem as consequências da urbanização. "Há fenômenos de aquecimento urbano que são devidos, sim, à ação humana. A diferença de temperatura entre as cidades e os arredores pode ser intensificada", diz.
São as chamadas "ilhas de calor", um termo conhecido desde os anos 1970. O calor absorvido pela cidade durante o dia fica acumulado e, sem passagem de vento pelos edifícios, a cidade retém esse calor.
"O calor fica ricocheteando nos prédios e sua perda é muito mais difícil do que em áreas não urbanas. É o 'heat trap', o calor aprisionado", explica a professora.
Ilhas de calor provocam mudanças na temperatura de grandes cidades
A especialista explica que as áreas verdes em cidades grandes têm duas funções principais:
"Não é a temperatura do ar a grande mudança, é a temperatura de superfície bem mais baixa. Na sombra, a sensação de conforto é brutal", analisa. "Chega menos calor no solo debaixo de uma árvore."
Portanto, a supressão da vegetação, realizada de forma histórica e gradual, impede esse resfriamento localizado ocorrer.
Segundo, o efeito chamado de "evapotranspiração" das plantas. Elas capturam a água no solo e transpiram pelas folhas. "Se falta água no solo, ela fecha os estômatos e guarda a água para si. Tendo água no solo, a planta é um evaporador natural", afirma. Essa liberação de umidade tira calor do ar.
É justamente a reconstituição de áreas verdes que permite que as plantas possam captar água do solo.
Visão estratégica
O relatório do Goldman Sachs diz que as cidades são vulneráveis às mudanças climáticas em diversas frentes, mas os riscos maiores "vêm da elevação das temperaturas, tempestades mais fortes e mais frequentes, o aumento do nível do mar", o que pode afetar a atividade econômica e a infraestrutura.
Por isso, de acordo com Todd Gartner, diretor do projeto Cities4Forests e da iniciativa de infraestrutura natural do World Resources Institute (WRI), é preciso investir em árvores, florestas e sistemas fluviais nas áreas urbanas. Ele aponta três estratégias para controlar o clima das cidades.
A primeira estratégia, segundo ele, envolve expandir as áreas verdes dentro das cidades. "É preciso lidar com esse microclima, melhorar a qualidade do ar, a emissão de gases dos veículos e a qualidade de vida. Além disso, investir em parques públicos e no armazenamento de água", diz.
A terceira estratégia é o foco nas florestas que estão distantes das cidades, numa visão global. "É preciso fazer conexões entre cidades na Europa e nos Estados Unidos, com outras na América Latina e no Caribe, por exemplo."
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Migrantes climáticos
Segundo o Goldman Sachs, se o aquecimento global continuar se fortalecendo, as pessoas tendem a se mudar para as cidades mais adaptadas, intensificando a densidade da população e pressionando ainda mais os recursos naturais e econômicos nesses lugares.
Gartner concorda: "Se você só colocar uma árvore aqui e ali, não vai adiantar nada. O aquecimento global é um problema global. Mas há muito que as cidades podem fazer, em microimpactos, em parcerias entre elas, especialmente sobre o clima e o ar. As populações que sofrem mais são as de renda mais baixa, que têm menos árvores perto de casa."
Por isso, para Denise Duarte, é preciso ajudar as pessoas a viverem melhor e se adaptarem a uma nova realidade nas suas cidades. Ela defende, também, que os edifícios sejam feitos para aquecer menos, usar menos ar-condicionado e acumular menos calor, por exemplo.
"É preciso que as autoridades adotem uma série de soluções de mitigação das mudanças climáticas. Mas enquanto elas não dão conta do recado, as pessoas precisam viver. Temos que viver com esse fato dado, que já está conosco no nosso dia a dia. As cidades precisam se adaptar", avalia ela.
Parque da Cidade em Jundiaí — Foto: Divulgação/Prefeitura de Jundiaí
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