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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Uma corrida quântica pelo computador do futuro

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Especialistas tentam vencer o desafio de construir máquinas que processam informações explorando a física do mundo microscópico, com a promessa de saltos na ciência e revolução na segurança digital.
Empresa canadense na fronteira da tecnologia vende máquina à Google e a gigante aeroespacial
RIO - “Foi como um terremoto”, lembrou um físico brasileiro. Em 2007, uma obscura empresa do Canadá organizou evento na Califórnia para contar que havia construído o primeiro computador quântico do mundo. Criar uma máquina daquelas vinha sendo, nas últimas duas décadas, uma obsessão entre cientistas, interessados na capacidade de processar informações em volume e velocidade inimagináveis para a física careta dos computadores clássicos.

Não obstante o interesse, os protótipos que existiam eram tão limitados que fatorar “21” em números primos era tarefa ousada para eles. Por isso a máquina da canadense D-Wave deixou boquiaberta a comunidade científica: resolvia Sudokus e vasculhava uma biblioteca de moléculas atrás de partículas similares às de uma droga. 

Mas os acadêmicos não gostaram da forma heterodoxa como conheceram a criatura, por meio de uma apresentação no Museu da História do Computador em vez de nas páginas vetustas de uma “Science” da vida. Não tinham certeza sequer se a proeza demonstrada era mesmo de origem quântica.

Desde aquele show, se passaram os sete anos mais movimentados da computação quântica. Nesse tempo, a D-Wave conquistou respeito junto à academia com um tipo bem peculiar de máquina e aliciou parceiros como Google e Nasa. Enquanto isso, o resto da comunidade se esforça para construir o computador quântico nos moldes que sempre sonhou, ainda que não haja certeza de que ele se tornará realidade um dia.

A utilidade dos números primos
Computadores quânticos são máquinas que processam informações a partir da estranha mecânica de partículas como fótons e elétrons. Como computadores clássicos obedecem à física clássica - aquela descrita por Isaac Newton -, seus circuitos só exibem um estado por vez. 

Assim, o transístor do chip é binário, armazena ou “1” ou “0”, e isso define o bit como unidade básica de informação.
No mundo quântico, aquele em escala microscópica, a física é tresloucada. 

As partículas exibem mais que um estado por vez: podem representar “1” ou “0” e também os dois simultaneamente, o que os cientistas chamam de superposição. Sua unidade básica de informação é o q-bit, cuja versatilidade lhe dá potencial para guardar muito mais informação que o bit.

Para um computador clássico, essa mecânica é um tremendo problema. Em 1959, o físico americano Richard Feynman previu que, em 2020, os transistores seriam tão diminutos que domar os elétrons se tornaria inviável, recorda Ivan Oliveira, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Seria o limite da Lei de Moore, teoria do fundador da Intel, Gordon Moore, que diz ser possível colocar o dobro de transistores dentro de um chip pelo mesmo custo a cada 18 meses.

Feynman sugeria que se criasse um computador capaz de explorar o fenômeno. No papel, o computador quântico realizaria cálculos simultâneos em ordem de magnitude muito superior à das máquinas clássicas.

— Os saltos na área de simulações seriam incríveis. Computadores de hoje são obrigados a simplificar muito seus modelos em previsão meteorológica e criação de moléculas, pois não conseguem trabalhar com a abundância de variáveis do mundo real. Os quânticos oferecerão um retrato digital do mundo físico com precisão sem precedentes — previu Ivan Oliveira.

Em 1994, o matemático Peter Shor provou que o computador quântico conseguiria fatorar em alguns segundos números gigantes, o que levaria milhares de anos nos tradicionais. Embora o ensino escolar deixe a lembrança de que números primos são uma chatice desimportante, depende deles toda a segurança da vida digital (cartões de crédito, sites etc.). 

Para quebrar códigos criptográficos, computadores precisam fatorá-los, mas os atuais são péssimos nisso. Não à toa, a Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em inglês) já gastou US$ 79,7 milhões na busca por um computador quântico, espécie de pedra filosofal da espionagem.

— O principal código de segurança da internet estaria morto. A solução seria empregar em larga escala uma criptografia também quântica, que já existe, ou inventar um tipo de problema matemático totalmente novo, que nem quânticos nem clássicos conseguissem resolver — explicou o físico Frederico de Brito, pesquisador da USP de São Carlos e que trabalhou na D-Wave entre 2008 e 2009.

Uma máquina muito particular
Mas computadores quânticos são extremamente difíceis de construir. O principal empecilho é o isolamento dos q-bits, que sob manipulação descuidada sucumbem ao fenômeno conhecido por “descoerência”, detalhou Guilherme Temporão, do Centro de Estudos em Telecomunicações da PUC-Rio. Quando perturbados, perdem suas propriedades quânticas, e não servem de muita coisa. 

Quanto mais q-bits, mais desafiadora é a engenharia, e por isso os protótipos existentes têm pouco mais de uma dezena, enquanto se faz necessária mais de uma centena para que sejam melhores que as máquinas tradicionais, projetou Ivan Oliveira.
O número de q-bits também alimentou a desconfiança sobre a D-Wave. O projeto que apresentou em 2007 já tinha 16 q-bits. 

Em 2011, anunciaram a primeira venda: a fabricante de equipamento aeroespacial Lockheed Martin adquiriu o D-Wave One, com 128 q-bits. No ano passado, a Google comprou por US$ 15 milhões o D-Wave Two, com estratosféricos 512 q-bits. Como tamanha quantidade é possível?
O motivo é técnico: a canadense utiliza um modelo alternativo de computação quântica, conhecida como “adiabática”. 

O resultado são máquinas mais limitadas, inúteis para fatoração, por exemplo. O diretor-executivo da D-Wave, Vern Brownell, explicou ao GLOBO, por telefone, que tratou-se de escolha comercial:
— Não víamos um mercado tão grande na criptografia quanto enxergávamos em outros nichos. A solução adiabática, que fizemos com base em sólida pesquisa, se mostrou, de fato, a melhor.

As máquinas D-Wave são especializadas em problemas de otimização: qual é a rota mais eficiente para uma frota de caminhões; qual é o estágio mais estável de energia para uma molécula etc. No laboratório que abriu com a Nasa, a Google já usou o D-Wave para otimizar a detecção de piscar pelo Google Glass.

‘Nossos clientes são visionários’
Embora a imagem da D-Wave tenha melhorado muito com suas grandes vendas e com publicações em revistas científica — em 2011, ela mostrou na “Nature” evidências de comportamento quântico em um chip de 8 q-bits —, ainda não se sabe se os computadores da D-Wave são mais rápidos que os clássicos. 

O conjunto de testes feitos até agora é inconclusivo. Para Brownell, isso não é um problema:
— Nosso clientes são visionários. Querem estar envolvidos com computação quântica não para solucionar problemas imediatos, mas pelo que veem no futuro. 

E a evolução dos computadores quânticos será muito mais veloz que a dos clássicos. Este ano vamos lançar um com mil q-bits. Estamos apenas no começo. Só conseguimos dar um jeito no hardware, mas ainda temos muito a melhorar nele e no software.

Mas e quanto ao computador quântico universal, capaz de dar conta de qualquer problema com muito mais eficiência que o clássico? Conseguirão os cientistas colocar centenas q-bits em uma máquina?
— Estudos recentes da IBM atingiram um nível tão elevado de controle que nos permitem acreditar que poderemos chegar a um computador universal com o número de q-bits necessário — disse Frederico de Brito.

Procurada, a IBM não disponibilizou porta-vozes para esta reportagem.
Mesmo se isso vingar, os computadores tementes às Leis de Newton, aqueles tradicionais, devem continuar por aí.

— Computadores quânticos jamais substituirão os clássicos. Eles não sabem somar, por exemplo. Mas são muito mais eficientes em algumas tarefas, e preencherão um vácuo de tarefas que os clássicos não conseguem realizar. Os dois modelos coexistirão — previu Temporão, da PUC-Rio.

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