Total de visualizações de página

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Como a poeira da Lua poderia ser usada para combater mudanças climáticas

<<<===+===.=.=.= =---____--------   ----------____---------____::____   ____= =..= = =..= =..= = =____   ____::____-----------_  ___----------   ----------____---.=.=.=.= +====>>>


Método de combate ao aquecimento global consiste em criar grandes nuvens de poeira lunar no espaço para refletir a luz do Sol e resfriar a Terra
<<<===+===.=.=.= =---____--------   ----------____---------____::____   ____= =..= = =..= =..= = =____   ____::____-----------_  ___----------   ----------____---.=.=.=.= +====>>>
TOPO
Por Aaron Tang, BBC

Postado em 21 de fevereiro de 2023 às 07h45m

 #.*Post. - N.\ 10.691*.#

O piloto Buzz Aldrin desce os degraus da escada do módulo lunar enquanto se prepara para andar na Lua durante a missão Apollo 11 — Foto: Nasa
O piloto Buzz Aldrin desce os degraus da escada do módulo lunar enquanto se prepara para andar na Lua durante a missão Apollo 11 — Foto: Nasa

Um grupo de cientistas americanos propôs no início de fevereiro um método não ortodoxo de combate ao aquecimento global: criar grandes nuvens de poeira lunar no espaço para refletir a luz do Sol e resfriar a Terra.

O plano dos cientistas é extrair poeira da Lua e lançá-la em direção ao Sol. A poeira ficaria entre o Sol e a Terra por cerca de uma semana, reduzindo a luz solar na superfície terrestre em cerca de 2%. Depois, ela se dispersaria e nós lançaríamos mais poeira lunar.

A proposta envolve o lançamento de cerca de 10 milhões de toneladas de poeira lunar no espaço todos os anos. De certa forma, é uma ideia criativa. Se funcionar como anunciado do ponto de vista técnico, ela poderá fazer com que o mundo ganhe um tempo vital para controlar as emissões de carbono.

Mas, infelizmente, não é surpresa para ninguém que essa história de reflexão da poeira lunar não é tão simples quanto parece. 
Por que a poeira da Lua?

As medidas propostas para resfriar a Terra reduzindo a quantidade de luz solar que atinge a superfície do nosso planeta costumam ser chamadas de geoengenharia solarou gestão da radiação solar.

O método mais discutido envolve a injeção de uma fina camada de partículas de aerossol na atmosfera superior da Terra. Mas mexer com a atmosfera desta forma provavelmente irá afetar os padrões de chuva e seca e pode ter outras consequências inesperadas, como danos à camada de ozônio. A poeira lunar no espaço deveria eliminar essas armadilhas, já que nossa atmosfera permaneceria intocada.

Outros sugeriram refletir a luz solar com espelhos ou filtros gigantescos no espaço, ou com enormes grupos de satélites artificiais.

A poeira lunar parece uma boa solução em comparação com essas ideias. Ela existe em grande quantidade e o lançamento de nuvens de poeira com a menor gravidade da Lua exigiria muito menos energia do que os lançamentos similares na Terra.

Mas, então, qual é o problema?

Lento e complicado demais

Um dos principais pontos dos defensores da geoengenharia solar é a sua suposta rapidez.

Refletir a luz solar, na melhor das hipóteses, é uma forma de evitar rapidamente os catastróficos impactos de curto prazo do aquecimento global, ganhando tempo para a transição para energias renováveis e a remoção de gases do efeito estufa da atmosfera.

A injeção global de aerossóis na atmosfera, por exemplo, pode precisar do desenvolvimento de aeronaves especiais. Esta certamente não é uma tarefa simples, mas pode definitivamente ser realizada na próxima década.

Já as ambições lunares seriam muito mais lentas. Existem diversas barreiras logísticas e de engenharia importantes que precisariam ser transpostas.

A via láctea e os meteoros da chuva anual de meteoros Lyrids são vistos no céu noturno sobre Burg auf Fehmarn, na ilha de Fehmarn, no norte da Alemanha — Foto: Daniel Reinhardt/dpa/AFP
A via láctea e os meteoros da chuva anual de meteoros Lyrids são vistos no céu noturno sobre Burg auf Fehmarn, na ilha de Fehmarn, no norte da Alemanha — Foto: Daniel Reinhardt/dpa/AFP

Precisaríamos, pelo menos, de bases na Lua, infraestrutura de mineração lunar, armazenagem em larga escala e de uma forma de lançar a poeira no espaço.

Nenhum ser humano coloca os pés na Lua há mais de 50 anos. A China pretende construir uma base lunar até 2028, seguida pelos Estados Unidos em 2034. Um sistema operativo de mineração e lançamento de poeira provavelmente ainda está a décadas de distância.

Outra vantagem da geoengenharia solar seria a possibilidade de ajustes.

A injeção de aerossóis na atmosfera, em tese, pode ser ajustada para reduzir os efeitos negativos. Mudar os locais onde ocorrem as injeções de aerossóis, por exemplo, pode alterar drasticamente os possíveis efeitos colaterais e seu perfil de risco.

Já uma nuvem gigante no espaço não oferece este nível de precisão.

Vácuo legal e político

Para piorar ainda mais as coisas, o mundo dispõe atualmente de pouca governança ou políticas abrangentes sobre o espaço e a Lua.

Muitas questões fundamentais sobre as atividades humanas no espaço, como o gerenciamento da quantidade crescente de lixo espacial que orbita a Terra em altíssima velocidade, permanecem sem resposta.

Também segue sem resposta outra questão fundamental: a lei permite minerar na Lua? Quem é o donodo espaço e dos seus recursos?

O que temos atualmente é uma colcha de retalhos de políticas contraditórias.

O Tratado do Espaço Sideral de 1967 proíbe a apropriaçãodos recursos espaciais, o que pressupõe a proibição da mineração. Já o Artigo 11.3 do Tratado da Lua de 1979 afirma que os recursos lunares não podem ser propriedade de um país, grupo ou pessoa.

Mas os Estados Unidos, a Rússia e a China não assinaram o Tratado da Lua. Na verdade, os Estados Unidos têm uma lei da época do presidente Obama, um decreto do governo Trump e um acordo internacional não compulsório – o Acordo Artemis. Todos eles tratam da extração de recursos comerciais.

Esta política contraditória em vigor faz com que a mineração lunar seja uma zona cinzenta do ponto de vista jurídico. Lançar a poeira da Lua no espaço é outro dilema jurídico que ainda está vários degraus à frente. 
Problemas no céu e na terra

Essa colcha de retalhos jurídica só existe devido a barreiras políticas mais abrangentes. Da mesma forma que a corrida espacial do século 20 refletia a geopolítica da Guerra Fria, a governança espacial contemporânea é moldada pelas divergências políticas atuais.

A Rússia e a China não assinaram o Acordo Artemis e decidiram (ironicamente, juntos) permanecer sozinhos. Mas os conflitos sobre um acordo não obrigatório são apenas a ponta do iceberg.

As divergências políticas sobre a extração de poeira da Lua podem ser muito mais perigosas. Diferentes países podem preferir diferentes graus de resfriamento ou discordar se o resfriamento com a poeira lunar deve realmente ser adotado.

Foguete Falcon 9, da SpaceX, em lançamento realizado em 23 de abril de 2021 — Foto: NASA/Ben Smegelsky via REUTERS
Foguete Falcon 9, da SpaceX, em lançamento realizado em 23 de abril de 2021 — Foto: NASA/Ben Smegelsky via REUTERS

Até o sistema de lançamentode poeira proposto – essencialmente, um canhão eletromagnético gigante do tipo usado atualmente para lançar caças de combate – pode despertar preocupações com a segurança e armamentos.

Estas divergências podem infiltrar-se na política terrestre, exacerbando ainda mais as divisões políticas. E, o que é pior, elas podem resultar em conflitos armados ou sabotagem da infraestrutura lunar.

O espaço é outra fronteira para os conflitos políticos, que podem ser agravados pelo sistema de reflexão da poeira lunar. Esses conflitos também comprometem o desenvolvimento cooperativo e altruísta do projeto.

Local nobre do espaço sideral

Mesmo se as questões políticas e de implementação fossem resolvidas, existem ainda muitas outras barreiras a serem transpostas.

A poeira da Lua ficaria no chamado ponto de Lagrange entre a Terra e o Sol, onde as forças gravitacionais do planeta e da estrela se equilibram.

Infelizmente, esse trecho valioso do espaço sideral já está ocupado por satélites, como o Observatório Solar e Heliosférico e o Observatório do Clima do Espaço Sideral. Eles talvez pudessem ser deslocados ou desativados, mas o processo seria caro e criaria novos riscos.

Em resumo, a proposta da poeira lunar, de fato, resolve alguns dos problemas da geoengenharia solar centralizada na Terra. Mas provavelmente seria um processo lento demais para atenuar os impactos de curto prazo das mudanças climáticas e, de qualquer forma, enfrentaria obstáculos diplomáticos que podem ser intransponíveis.

É preciso ressaltar que os autores, de fato, reconhecem que seu trabalho tem limitações. No seu comunicado à imprensa, eles dizem:

Não somos especialistas em mudanças climáticas, nem na ciência de foguetes necessária para movimentar massa de um lugar para outro. Estamos apenas explorando diferentes tipos de poeira em uma série de órbitas diferentes para ver qual seria a eficácia desta abordagem.

Por isso, em vez de nos preocuparmos em deslocar satélites, é melhor nos concentrarmos na substituição dos combustíveis fósseis. As soluções para as mudanças climáticas estão bem à nossa frente, não nas estrelas.

* Aaron Tang é estudante de PhD em governança do clima da Universidade Nacional da Austrália.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.

------++-====-----------------------------------------------------------------------=======;;==========--------------------------------------------------------------------------------====-++-----

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

O gênio africano que, há mais de 2 mil anos, com um graveto, provou que a Terra é redonda

<<<===+===.=.=.= =---____--------   ----------____---------____::____   ____= =..= = =..= =..= = =____   ____::____-----------_  ___----------   ----------____---.=.=.=.= +====>>>


Eratóstenes partiu do conhecimento de um fenômeno importante: o solstício de verão, ou seja, o dia em que um dos polos da Terra tem sua inclinação máxima em relação ao sol.
<<<===+===.=.=.= =---____--------   ----------____---------____::____   ____= =..= = =..= =..= = =____   ____::____-----------_  ___----------   ----------____---.=.=.=.= +====>>>
TOPO
Por Edison Veiga, BBC

Postado em 20 de fevereiro de 2023 às 08h00m

 #.*Post. - N.\ 10.690*.#

Eratóstenes ensinando em Alexandria, em pintura feita por Bernardo Strozzi, no século 17 — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO
Eratóstenes ensinando em Alexandria, em pintura feita por Bernardo Strozzi, no século 17 — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO

Ainda há quem não acredite que a Terra seja redonda, mesmo com todos os avanços científicos — da geografia à astronomia. Mas para um sábio da antiguidade, Eratóstenes de Cirene (276 a.C. - 194 a.C.) foi preciso apenas um graveto para determinar esse fato — e ainda conseguir estimar, com boa precisão, o tamanho da circunferência do planeta.

Eratóstenes partiu do conhecimento de um fenômeno importante: o solstício de verão, ou seja, o dia em que um dos polos da Terra tem sua inclinação máxima em relação ao sol. Quando ele ocupava o posto de diretor da Biblioteca de Alexandria, encontrou um manuscrito científico que dizia que, na então cidade de Siena — hoje chamada de Assuã, no sul do Egito —, nessa data específica do ano o sol do meio-dia ficava tão perfeitamente perpendicular ao solo, no chamado zênite, que era possível vê-lo com facilidade no fundo de um poço.

Isso despertou nele um lampejo, uma sacada. Se ele medisse a inclinação da luz solar em uma outra localidade ao meio-dia do solstício, sabendo a distância de um ponto a outro com conhecimentos básicos de matemática ele conseguiria calcular a circunferência da Terra. Para tanto, bastaria utilizar uma relação trigonométrica.

Foi preciso preparação, claro. Eratóstenes fez o que era comum na época: contratou um itinerante. Eram profissionais treinados para caminhar longas distâncias com passadas regulares, justamente a fim de medir distâncias entre cidades. Antes de lançar mão da prática, contudo, o pensador achou que seria possível utilizar a matemática também para calcular essa distância. "Ele pretendia descobrir a medida entre Siena e Alexandria utilizando o tempo percorrido por camelos", conta o geógrafo Leandro Sales Esteves, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). "Mas desistiu da ideia devido à falta de precisão encontrada nesse método."

Para contratar os itinerantes agrimensores, o geógrafo conta que Eratóstenes precisou de autorização do governo do Egito.

Em linha reta, são cerca de 800 quilômetros — hoje, por estrada, o trajeto mais curto mede 1011 quilômetros e pode ser percorrido a pé em 204 horas de caminhada. Na unidade de medida utilizada na época (estádio, que tinha pouco mais de 157 metros), a distância foi determinada como de 5040 estádios. No dia do solstício de verão, em Alexandria, Eratóstenes fixou um graveto perpendicular ao solo. A ideia era medir o comprimento da sombra projetada pela vareta no solo ao meio-dia e, assim, encontrar o ângulo de inclinação.

Chegou ao número de 7,2 graus, ou seja, o total da circunferência (360º) dividido por 50. Dessa maneira, fazendo a triangulação matemática que já era conhecida, bastava multiplicar a distância entre as duas cidades por 50 para chegar ao tamanho total da Terra. Eratóstenes chegou ao valor equivalente a 39.750 quilômetros. Convenhamos, muito perto do que se sabe hoje: a circunferência da Terra mede 40.075 quilômetros.

"Eratóstenes também calculou com grande precisão o raio terrestre, chegando à medida de 6.366 quilômetros", diz Esteves. "Atualmente, sabe-se que essa medida é de 6.371 quilômetros."

Quem foi

Eratóstenes foi um sábio da antiguidade grega. E ser sábio nessa época significava acumular conhecimentos hoje distribuídos em diversas áreas. Assim, embora normalmente classificado como filósofo, ele foi ainda matemático, gramático, poeta, geógrafo, bibliotecário e astrônomo.

Nasceu em Cirene, uma cidade do norte da África, na atual Líbia, que na época era parte do mundo grego. "A Grécia Antiga não era um único país, mas sim um conjunto de cidades-estado", explica o geógrafo Eliseu Savério Sposito, professor e pesquisador na Universidade Estadual Paulista (Unesp). "A cidades eram independentes entre si, mas mantinham costumes em comum."

Isso significava, exemplifica o professor, que estabeleciam redes de contato e conservavam práticas parecidas de religiosidade, linguagem, fazeres artísticos e modelos políticos.

Segundo registros antigos, Eratóstenes foi levado jovem para Atenas, a fim de estudar com os filósofos mais importantes de sua época. Lá, acabou chamando a atenção pelas suas capacidades. Então, o soberano do Egito, Ptolomeu 3º Evérgeta (280 a.C. - 221 a.C.), mandou trazê-lo para Alexandria. Inicialmente, sua missão era ser o professor do filho do poderoso Ptolomeu.

Mas, algum tempo depois, Eratóstenes assumiu um cargo que deveria fazer brilhar os olhos de qualquer intelectual do período: tornou-se bibliotecário e diretor da Biblioteca de Alexandria, o grande repositório do conhecimento da Grécia antiga.

Foi nesse posto que teve a ideia do experimento que o consagraria. Mas esta não foi a sua única contribuição para o conhecimento universal. Ele é considerado também o fundador da geografia, enquanto área do conhecimento humano. Isto porque ele publicou uma obra chamada Geográfica, na qual cunhou um vocabulário próprio para termos do ramo.

Para Eratóstenes, o título de primeiro geógrafo deveria ser conferido ao poeta Homero (928 a.C. - 898 a.C.), pelo fato de ele ter elaborado uma série de descrições climáticas e topológicas. Escrita em três volumes, Geográfica acabou tendo trechos citados por diversos estudiosos dos séculos seguintes, com o naturalista romano Caio Plínio Segundo (23 - 79), mais conhecido como Plínio, o Velho.

Geográfica acabou se perdendo com o passar do tempo e, hoje, apenas 155 fragmentos da obra são conhecidos — justamente por conta dessas citações em outros trabalhos.

Terra plana vs. Terra redonda

Para pesquisadores contemporâneos, contudo, um ponto relevante da descoberta de Eratóstenes é que ele ilustra que a noção de Terra esférica já era vigente. Afinal, para alguém pensar em medir a circunferência do planeta, era preciso antes partir do entendimento de que havia uma circunferência a ser medida.

"Sem dúvidas, a atuação de Eratóstenes prova que, desde a antiguidade, a noção de que a Terra é redonda já existia", comenta o historiador Vítor Soares, que mantém o podcast História em Meia Hora. "Essa questão da prova é interessante porque, nela, temos tanto uma questão filosófica quanto uma questão matemática." Afinal, para conseguir seu intento, o sábio da antiguidade utilizou um método trigonométrico.

"Desde os gregos já se sabe que a Terra é redonda", sentencia Sposito. "Como os gregos desenvolveram a astronomia, um ramo da matemática, criaram modelos tridimensionais para explicar o movimento, aparente, dos planeta. Isso ainda no século 4 a.C.."

O geógrafo cita vários nomes além de Eratóstenes. O filósofo e astrônomo Heráclides do Ponto (390 a.C. - 310 a.C.) propôs que a Terra girava em torno do próprio eixo. O astrônomo e matemático Aristarco de Samos (310 a.C. - 230 a.C.) apresentou a teoria do sistema heliocêntrico, com a Terra girando em torno do sol.

"A cosmologia desenvolvida na Grécia antiga tem importantes pensadores que produziram evidências para o modelo de Terra esférica que conhecemos hoje", comenta o geógrafo Esteves. "Apesar do modelo de Terra plana ter sido utilizado por algumas civilizações da antiguidade, foi a partir da cosmologia grega que o modelo de Terra esférica se expandiu para outras regiões, em especial devido à influência de pensadores como Pitágoras, Aristóteles, Ptolomeu e Eratóstenes."

Nesse sentido, Eratóstenes fez ciência da mesma maneira como se faz ciência ainda hoje: apoiando-se em pesquisas de seus pares, anteriores, avançou. Em seu caso, por meio de um experimento concreto.

Eratóstenes de Cirene foi filósofo, matemático, gramático, poeta, geógrafo, bibliotecário e astrônomo — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO
Eratóstenes de Cirene foi filósofo, matemático, gramático, poeta, geógrafo, bibliotecário e astrônomo — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO

"Cabe-lhe o papel da comprovação empírica de uma noção que havia sido estabelecida já anteriormente por outros pensadores gregos", pontua o geógrafo Claudio Eduardo de Castro, professor e pesquisador na Universidade Estadual do Maranhão (Uema). "Ademais, quase concomitantemente, na China da dinastia Han, há mapas na escala 1:90.000 que trazem uma grade ortogonal de localização."

Segundo Castro, "graças à nossa ignorância quanto à cartografia oriental, e apesar dela, podemos indagar se o avanço do conhecimento a cerca da Terra no ocidente se baseou nos conhecimentos do oriente que tanto utilizou dessa cartografia em seus deslocamentos até a Europa". Ou ainda, "se a cartografia da Terra esférica, ocidental, rapidamente foi absorvida e praticada no oriente".

Para o historiador Soares, esse debate entre Terra plana e Terra redonda "é interessante porque é basicamente uma disputa de narrativas", já que o conhecimento científico a respeito é extremamente antigo.

"Muita gente acredita que, durante a Idade Média, a Igreja propagou a ideia de que a Terra fosse plana ou algo parecido. Porém, isso é um mito", defende ele. "Podemos comprovar isso usando as artes. Se você analisar diversos quadros representando figuras religiosas ou até membros da Igreja, há imagens deles com um globo nas mãos, simbolizando o mundo."

Roteirista do podcast História em Meia Hora, o professor de história Victor Alexandre cita o livro da historiadora da ciência Christine Garwood, Flat Earth: The History of an Infamous Idea, para contextualizar que, durante os séculos 18 e 19, surgiram filósofos e pensadores que estavam interessados em "manchar" a imagem da Idade Média, buscando valorizar tanto a Antiguidade Clássica quanto a Época Moderna.

"Como parte dessa tentativa de apontar que o período medieval foi de trevas, esses pensadores inseriram a ideia de que nesse período as pessoas acreditavam que a Terra era plana", diz Alexandre. "O objetivo era reforçar a noção de que a modernidade era um período de resgate cultural e científico."

Evidentemente que terraplanistas, se existem até hoje, também existiam tanto na Antiguidade quanto no período medieval. O historiador Soares cita o pensador, enciclopedista — e, mais tarde, considerado santo pela Igreja Católica — Isidoro de Sevilha (560-636). "Mas esses pensadores eram uma minoria em relação ao consenso que existia", frisa Soares. "O problema é pegar esses casos isolados e transportar para todo um período. Ainda na era moderna, qualquer teoria terraplanista caiu por terra quando os primeiros navegadores conseguiram fazer a navegação ao redor da Terra."

Mapa-múndi segundo Eratóstenes de Cirene — Foto: GETTY IMAGES
Mapa-múndi segundo Eratóstenes de Cirene — Foto: GETTY IMAGES

Mapas planos

Obviamente que, se até hoje o conhecimento científico não é plenamente acessível, nas sociedades mais antigas tais saberes acabavam sendo privilégio de uma minoria, uma elite intelectual. "Sabemos que as sociedades da antiguidade em geral eram profundamente estratificadas e que o acesso aos conhecimentos e a formação acadêmica eram direitos restritos à uma parcela menor", lembra o geógrafo Esteves.

"Nos espaços onde circulavam os conhecimentos produzidos pelos pensadores gregos, a ideia da esfericidade da Terra se tornou dominante. Além disso, os fundamentos científicos apresentados por esses pensadores se tornaram referência importante para os cientistas nos períodos seguintes", enfatiza ele.

O geógrafo Castro ressalta que o mundo da antiguidade ainda era "muito ligado ao cotidiano laboral no campo, no qual as necessidades impostas ligavam-se aos ciclos da natureza, aos locais passíveis de se praticarem, rudimentarmente, a agricultura e pecuárias, o extrativismo e as guerras por esses recursos".

"Nesse contexto, quase universal das sociedades de qualquer dimensão da época, o palmilhar o território lhe fazia crer na planura da Terra e, esta, aliás, restringia-se ao vivido", define ele. "Neste mundo antigo, a cartografia, ferramenta indispensável à prática das localizações, cumpria exatamente esse papel: planificar nos mapas as direções, os lugares essenciais aos objetivos das funções vitais ao viver."

O planeta é esférico, claro. Mas, afinal, o mapa sempre foi plano.

"Um pouco dessa cartografia pode chegar até nossos dias através de registros mesopotâmicos dos povos sumérios, assírios, babilônicos, mas não podemos deixar de destacar os orientais, que possivelmente antes mesmo do ocidente, e influenciando este, utilizavam uma precisa cartografia já com a intenção de demarcar fronteiras, locais de conservação da água e fins militares", diz Castro. "Infelizmente quase toda essa cartografia se perdeu primeiro por ser de uso corriqueiro e por ter sido elaborada sobre bases frágeis, como a argila."

Para o geógrafo, tudo leva a crer que, a julgar pelo experimento de Eratóstenes e todo o contexto da época, "o mundo antigo sabia dessa esfericidade", mas esse conhecimento era restrito a pequenos grupos. "E que esse conhecimento pouco afetava o cotidiano das sociedades, uma vez que tais conhecimentos pouco contribuíam com o fazer a vida. A esta bastava a cartografia de uma Terra plana", acrescenta.

O professor de história Victor Alexandre ressalta que o debate atual buscado por terraplanistas "é marcado por uma grande negação do consenso científico", em narrativas alimentadas muitas vezes "pela forma que as redes sociais trabalham".

"Por meio da internet, pessoas que acreditam que a Terra é plana conseguem se conectar e estabelecer relações afetivas que sobrepõem qualquer verdade científica. Com isso, acredito que para convencer alguém de que a Terra de fato é esférica será necessário um esforço consciente em estabelecer uma relação próxima com essas pessoas, por mais que fazer piadas possa ser o mais divertido no momento", defende ele.

------++-====-----------------------------------------------------------------------=======;;==========--------------------------------------------------------------------------------====-++-----

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Superlaboratório Sirius atrai atenção de cientistas da Argentina, Grã-Bretanha, Alemanha e EUA

<<<===+===.=.=.= =---____--------   ----------____---------____::____   ____= =..= = =..= =..= = =____   ____::____-----------_  ___----------   ----------____---.=.=.=.= +====>>>


Acelerador de partículas em Campinas (SP) recebeu propostas de pesquisa de diversas instituições brasileiras e internacionais. Trabalhos selecionados serão agendados a partir de março.
<<<===+===.=.=.= =---____--------   ----------____---------____::____   ____= =..= = =..= =..= = =____   ____::____-----------_  ___----------   ----------____---.=.=.=.= +====>>>
Por Fernando Evans, g1 Campinas e Região

Postado em 18 de fevereiro de 2023 às 15h10

 #.*Post. - N.\ 10.689*.#

Sirius, laboratório de luz síncrotron de 4ª geração instalado em Campinas (SP) — Foto: Nelson Kon
Sirius, laboratório de luz síncrotron de 4ª geração instalado em Campinas (SP) — Foto: Nelson Kon

Acelerador de partículas capaz analisar diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas, o superlaboratório Sirius chama atenção não só da comunidade científica brasileira, como atrai o interesse do mundo. Pesquisadores de Argentina, Grã-Bretanha, Alemanha, Arábia Saudita, Estados Unidos e Suíça demonstraram interesse em usar o equipamento em seus estudos.

Após abrir chamado de propostas de pesquisa para as seis primeiras estações experimentais, as equipes do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), ficaram surpresas com o volume de propostas recebidas e a mobilização internacional.

Foram 334 propostas recebidas, sendo 298 provenientes de instituições brasileiras de 17 estados, e 36 de instituições estrangeiras, de 15 diferentes países.

"A procura internacional, embora possa chamar atenção, na minha opinião, ainda virá a ser maior. Com a crise energética na Europa, muitos síncrotrons internacionais estão com a operação reduzida. Então, o Sirius surge como uma alternativa, já que a máquina é mundialmente competitiva, possibilita diferentes tipos de análise com qualidade e com rapidez", analisa Harry Westfahl Jr., diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), responsável pela operação do Sirius.

Do total de propostas, 25% foram submetidas por novos usuários, ou seja, por cientistas que nunca utilizaram as instalações abertas disponíveis em nenhum dos quatro laboratórios nacionais que fazem parte do CNPEM (Luz Síncrotron, Biociências, Biorrenováveis e Nanotecnologia).

Segundo o CNPEM, dentre as propostas submetidas, a área do conhecimento mais frequente é "Ciência dos Materiais e Nanotecnologia, seguida pelos campos de Física, Química, Terra e Meio Ambiente e Ciências de Agricultura".

Seleção e agendamento

De acordo com a organização, a seleção agora vai privilegiar o mérito científico, em avaliação por um sistema de revisão por pares com duplo anonimato. O uso do acelerador será agendado a partir de março de 2023.

"Estimamos o atendimento de um terço dessas propostas, neste primeiro momento. Esse é um índice muito positivo, que demonstra o interesse da comunidade científica pelo Sirius", comenta Westfahl Jr.

O diretor destaca que mais que o volume, a qualidade das propostas enviadas chamou atenção. "As propostas são muito boas, várias delas excepcionais. Pesquisas de altíssimo nível. É uma competição dura. Neste momento, estamos em fase de balizamento das avaliações distribuídas. A partir da disponibilidade de turnos disponíveis, divulgaremos os resultados da seleção. Em abril, já deve haver uma nova chamada. Logo, quem não for contemplado agora terá a chance de submeter novamente", explica.

Não há custos para o uso acadêmico do Sirius. No caso de pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras que residam em países da América Latina e Caribe, caso tenham propostas aprovadas, estes poderão solicitar auxílio financeiro para a utilização das instalações do Sirius e viagem à Campinas (SP).

Sirius: Estrutura gigantesca permitirá aos cientistas enxergar detalhes na escala de átomos — Foto: Cristiane Duarte/CNPEM
Sirius: Estrutura gigantesca permitirá aos cientistas enxergar detalhes na escala de átomos — Foto: Cristiane Duarte/CNPEM

Linhas de pesquisa experimentais

  • Carnaúba: Linha de micro e nano-fluorescência e espectroscopia de raios-X e pticografia. Realiza análises dos mais diversos materiais nano-estruturados, visando a obtenção de imagens 2D e 3D com resolução nanométrica da composição e estrutura de solos, materiais biológicos e fertilizantes, além de outras investigações nas áreas de ciências ambientais.
  • Cateretê: Imagem por difração coerente (pticografia) e espectroscopia de correlação de fótons de raios-X (XPCS). Otimizada para a obtenção de imagens tridimensionais com resolução nanométrica de materiais para as mais diversas aplicações.
  • Ipê: Espectroscopia de absorção (XAS) e de fotoelétrons excitados por raios-X (XPS). Essa linha é otimizada para estudar a distribuição dos elétrons em átomos e moléculas presentes em interfaces líquidas, sólidas e gasosas. Permite sondar como as ligações químicas ocorrem nas interfaces de materiais como catalisadores, células eletroquímicas, materiais sujeitos a corrosão, ou ainda como a corrente elétrica se propaga em diferentes materiais, desde isolantes até supercondutores.
  • Ema: Difração e espectroscopia de raios X em altas pressões. As técnicas disponíveis nesta linha permitem a investigação de materiais submetidos a condições extremas de temperatura, pressão ou campo magnético. O estudo da matéria nessas condições pode revelar novas propriedades com características que não existem em condições ambientes normais.
  • Imbuia: Micro e nano-espectroscopia de infravermelho (FTIR). Esta estação experimental é dedicada a experimentos utilizando a luz infravermelha, que permite a identificação dos grupos funcionais de moléculas e a análise da composição de praticamente qualquer material, com resolução nanométrica.
  • Manacá: Micro cristalografia de Macromoléculas (MX). Primeira linha a ficar operacional, está equipada com instrumentos que permitem revelar estruturas tridimensionais de proteínas e enzimas com resoluções atômicas, revelando a posição de cada um dos átomos que compõem uma determinada proteína estudada, suas funções e interações com outras moléculas, como as usadas como princípios ativos de novos medicamentos.
Estação de pesquisa Manacá, primeira a ficar pronta e operacional no Sirius, em Campinas (SP) — Foto: CNPEM/Divulgação
Estação de pesquisa Manacá, primeira a ficar pronta e operacional no Sirius, em Campinas (SP) — Foto: CNPEM/Divulgação

O que é o Sirius?

Principal projeto científico brasileiro, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de "raio X superpotente" que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.

Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para realizar os experimentos.

Esse desvio é realizado com a ajuda de imãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo.

Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP). — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação
Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP). — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação

------++-====-----------------------------------------------------------------------=======;;==========--------------------------------------------------------------------------------====-++-----