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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Por que comunicação em tempo real não é possível entre a Terra e outros planetas

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A velocidade da luz teria que aumentar drasticamente para alcançar a comunicação interplanetária ou interestelar, explica especialista espanhol.
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TOPO
Por BBC

Postado em 11 de fevereiro de 2022 às 12h40m

Post.- N.\ 10.204

Por que comunicação em tempo real não é possível entre a Terra e outros planetas — Foto: Arquivo
Por que comunicação em tempo real não é possível entre a Terra e outros planetas — Foto: Arquivo

Os seres humanos comunicam-se entre si de duas formas. A primeira é a mesma utilizada por outros animais: a emissão de ondas sonoras.

Mas elas são lentas e não se propagam por mais de algumas dezenas de metros, devido à atenuação causada pelo ar. Por isso, temos procurado desde a Antiguidade formas alternativas de comunicação a longas distâncias.

Sinais de fumaça, bandeiras e espelhos foram algumas soluções, mas eram ineficientes com respeito à quantidade de dados que podiam transmitir. Já as cartas permitiram transmitir muito mais informações, mas eram muito lentas.

O grande salto foi produzido com o domínio progressivo das ondas eletromagnéticas. Em 1791, Claude Chappe inventou o telégrafo óptico — um sistema que permitia a transmissão de um símbolo a cada dois minutos entre Paris e Lille, na França, cobrindo uma distância de 230 km. Mas esse sistema dependia das condições climáticas e não funcionava à noite.

Em 1837, foi implementado o telégrafo elétrico, criação dos inventores ingleses William F. Cooke e Charles Wheatstone. Em poucos anos, foi possível conectar os Estados Unidos de leste a oeste e, posteriormente, transmitir através do oceano por meio de cabos submarinos.

Em 1901, Guglielmo Marconi desenvolveu experimentos com telegrafia sem fio cruzando o Oceano Atlântico.

A mensagem de texto nasceu com o telégrafo
A mensagem de texto nasceu com o telégrafo

O nascimento da sociedade da informação

Já nos séculos 20 e 21, a aplicação da fibra óptica e da moderna tecnologia sem fios levou à criação da sociedade da informação, na qual podemos nos comunicar uns com os outros em tempo real.

Tudo isso é possível porque as ondas eletromagnéticas são transmitidas de forma muito mais rápida que as ondas sonoras. O som, mesmo se transmitido em condições ideais, através de diamante, atinge uma velocidade 10 mil vezes menor que as ondas eletromagnéticas transmitidas pelo ar ou por fibra óptica.

Um parâmetro que permite avaliar a qualidade das comunicações é o tempo de ida e volta (RTT, na sigla em inglês), ou seja, o tempo transcorrido desde a transmissão de uma mensagem por um emissor ao seu receptor até que chegue de volta a resposta. Seu valor aproximado é de duas vezes a distância entre os interlocutores, dividido pela velocidade de propagação do sinal.

Cientistas e engenheiros definem o limite máximo de RTT para que se tenha qualidade de comunicação em tempo real em cerca de 200 milissegundos.

Se considerarmos que a velocidade do som no ar é de 340 m/s e que o RTT não deve superar 200 ms, podemos calcular que a distância para a conversa entre duas pessoas não deve exceder 34 metros — um valor lógico, se considerarmos que as ondas sonoras destinam-se à comunicação entre pessoas próximas entre si.

Com relação aos sinais eletromagnéticos, é possível hoje em dia fazê-los propagar-se através de meios guiados e sem fio à velocidade de cerca de 2x108 m/s, o que é similar à velocidade da luz (e, no caso da fibra óptica, a transmissão é feita pela própria luz).

Com essa velocidade, para não superar o RTT de 200 ms, a separação entre os dois interlocutores deve ser de não mais de 20 mil quilômetros, que é exatamente a maior distância entre dois pontos quaisquer da superfície terrestre.

Em outras palavras, a velocidade de propagação das ondas eletromagnéticas é adequada para comunicação em tempo real entre todos os habitantes da Terra.

Do 1 ao 5G: as evoluções e o potencial da nova tecnologia
Do 1 ao 5G: as evoluções e o potencial da nova tecnologia

E na comunicação interplanetária?

Entre a Terra e a Lua (384 mil quilômetros de distância), o RTT aumenta para vários segundos. Este valor é inaceitável para muitas das aplicações utilizadas na nossa sociedade da informação.

Já entre a Terra e os demais planetas, o RTT chega a minutos. E nem se fale na estrela mais próxima, Proxima Centauri, situada a 4,2 anos-luz da Terra. Seu RTT é de 8,4 anos.

Ou seja, precisaríamos esperar mais de duas olimpíadas para receber uma resposta de um interlocutor hipotético em um planeta que gire ao redor daquela estrela.

A velocidade da luz precisaria aumentar drasticamente para conseguirmos chegar à comunicação interplanetária ou interestelar.

Por outro lado, se a velocidade da luz fosse menor, não seria possível comunicar dois pontos da Terra sem correr o risco de que o RTT superasse os 200 ms. Em outras palavras, a comunicação terrestre em tempo real não seria possível e a sociedade da informação entraria em colapso.

Se a velocidade de propagação da luz em fibra óptica fosse de 2x107 m/s em vez de 2x108 m/s, por exemplo, o RTT entre Buenos Aires, na Argentina, e Seul, na Coreia do Sul (quase 20 mil km de distância) aumentaria de 200 ms para 2 segundos.

Isso significaria precisar ficar esperando cada vez que alguém falasse, enquanto aplicativos mais exigentes, como cirurgias remotas ou videogames interativos, não conseguiriam enfrentar esse aumento de tempo.

A velocidade das ondas eletromagnéticas é suficiente para que os seres humanos se comuniquem em tempo real entre dois pontos quaisquer na Terra, mas se torna insuficiente à medida que nos afastamos do planeta.

A sociedade da informação somente é possível em planetas cujo diâmetro não é maior que o da Terra e somente um animal como o ser humano, capaz de controlar a propagação de sinais eletromagnéticos, pode beneficiar-se dessa tecnologia.

Esta coincidência paradoxal levanta questões como o ajuste fino do universo ou o princípio antrópico, além de abrir caminho para outras reflexões. Uma delas é o motivo pelo qual o ser humano convergiu para o desenvolvimento da sociedade da informação em um planeta como a Terra.

O RTT de 200 ms, considerado adequado para aplicações em tempo real, é válido porque o nosso cérebro, combinado com outras partes do nosso corpo, como os olhos e os ouvidos, reage a diferentes estímulos com tempos de resposta que se ajustam a esse valor.

Além disso, esse valor de RTT é fruto de muitos anos de evolução e o diâmetro da Terra também foi resultado da expansão do universo. O terceiro parâmetro, a velocidade da luz, é combinado com o RTT e o diâmetro da Terra para criar a sociedade da informação, que basicamente consiste de muitos seres humanos interagindo entre si em tempo real na superfície do nosso planeta.

Outra reflexão refere-se a qual o sentido de colonizar planetas se não é possível comunicar-se com eles em tempo real. Será que, no futuro, poderemos superar a velocidade da luz?

*Ignacio del Villar Fernández é professor titular de tecnologia eletrônica da Universidade Pública de Navarra, na Espanha.

iPhone evolui e passa por várias mudanças em 15 anosiPhone evolui e passa por várias mudanças em 15 anos
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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Cientistas britânicos anunciam recorde de produção de energia por fusão nuclear

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O processo pretende replicar o que acontece no coração do Sol e substituir a fissão nuclear como forma de geração de energia limpa e sustentável.
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Por France Presse

Postado em 09 de fevereiro de 2022 às 13h35m

Post.- N.\ 10.203

Veja energia gerada pela fusão nuclear no JET
Veja energia gerada pela fusão nuclear no JET

Cientistas do Reino Unido anunciaram, nesta quarta-feira (9), que produziram uma quantidade recorde de energia por meio da fusão nuclear: 59 megajoules em cinco segundos (veja vídeo acima). A marca foi alcançada por cientistas do Joint European Torus (JET), próximo à cidade de Oxford.

A fusão nuclear pretende replicar o que acontece no coração do Sol: átomos de hidrogênio se unindo, em seu núcleo, para formar hélio. É esse processo que faz com que o Sol libere muita energia. Esse processo é diferente daquele usado nas usinas atuais — o de fissão nuclear, em que os núcleos dos átomos se dividem.

Em nota, a Autoridade de Energia Atômica do Reino Unido disse que os resultados eram "a demonstração mais clara em todo o mundo do potencial da energia de fusão para fornecer energia de baixo carbono segura e sustentável".

O diretor da agência, Ian Chapman, afirmou que "está claro que devemos fazer mudanças significativas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, e a fusão oferece muito potencial. Estamos construindo o conhecimento e desenvolvendo a nova tecnologia necessária para fornecer uma fonte de energia sustentável e de baixo carbono que ajuda a proteger o planeta para as futuras gerações. Nosso mundo precisa da energia de fusão".

Para seus defensores, a fusão nuclear é a "energia do futuro", porque produz pouco resíduo e muito menos radioatividade quando comparada a uma planta convencional, que usa a fissão nuclear e tem risco de acidentes — como o de Chernobyl, em 1986, e o de Fukushima, em 2011.

Além disso, a fusão nuclear não gera gases de efeito estufa, e, diferente da fissão, não pode ser usada como arma.

Cientistas da Califórnia conseguem gerar energia a partir da fusão nuclear pela 1ª vezCientistas da Califórnia conseguem gerar energia a partir da fusão nuclear pela 1ª vez

Grande potencial

No núcleo solar, enormes pressões gravitacionais permitem que a fusão aconteça a temperaturas de cerca de 10 milhões de graus Celsius. Nas pressões que são possíveis na Terra — muito mais baixas —, as temperaturas para produzir a fusão precisam ser muito mais altas — acima de 100 milhões de graus Celsius, segundo reportagem da rede britânica BBC.

Como não existem materiais que possam resistir ao contato direto com esse calor, para conseguir a fusão em laboratório, os cientistas criaram uma solução na qual um gás superaquecido, ou plasma, é mantido dentro de um campo magnético em forma de rosquinha — em uma máquina chamada tokamak.

A fusão nuclear permite produzir milhões de vezes mais energia do que o carvão, o petróleo, ou o gás.

Os resultados anunciados nesta quarta-feira (9) demonstraram a possibilidade de gerar energia de fusão durante cinco segundos — o que ainda é insuficiente para viabilizar o processo.

"Mas, se você pode manter a fusão por cinco segundos, pode fazê-lo por cinco minutos e, depois, por cinco horas" com futuras máquinas mais potentes, argumentou Tony Donne, diretor do Programa Europeu de Fusão (EUROfusion, em inglês).

O JET, que anunciou o recorde nesta quarta, é o centro de pesquisa do programa: mais de 350 cientistas trabalham nele, em mais de 30 laboratórios da União Europeia, Suíça e Ucrânia.

No sul da França, está sendo construído outro reator de fusão, o Iter, mais avançado que o JET. Além da União Europeia, participam do projeto China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e Estados Unidos.

O projeto Iter, entretanto, é criticado por organizações de defesa do meio ambiente como a ONG Greenpeace, como uma "miragem científica" e "um buraco financeiro sem fundo".

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Geleiras do planeta possuem menos gelo do que se pensava, aponta relatório

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Estimativa revisada reduz o aumento do nível global dos oceanos em 7,62 cm caso todas as geleiras sejam derretidas. Mas aumenta preocupação com derretimento sazonal das geleiras para o aumento no fluxo dos rios e para a irrigação de culturas.
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Por Reuters

Postado em 08 de fevereiro de 2022 às 11h00m

Post.- N.\ 10.202

Avanços em tecnologias de satélite revelaram que as geleiras do planeta possuem significativamente menos gelo do que se pensava antes, de acordo com um estudo publicado na "Nature Geoscience" nesta segunda-feira (7).

A estimativa revisada reduz o aumento do nível global dos oceanos em 7,62 cm caso todas as geleiras sejam derretidas. Mas aumenta a preocupação de algumas comunidades que dependem do derretimento sazonal das geleiras para o aumento no fluxo dos rios e para a irrigação de culturas. Se as geleiras possuem menos gelo do que se pensava, a água pode acabar antes do que era esperado. 

Embora partes do gelo derretam naturalmente durante o ano, as temperaturas em alta por conta das mudanças climáticas estão acelerando o recuo glacial. Entre 2000 e 2019, esses rios de gelo perderam cerca de 5,4 trilhões de toneladas. 

Alguns países já estão tendo dificuldades com o desaparecimento das geleiras. O Peru está investindo na dessalinização para compensar a baixa disponibilidade de água doce, e o Chile espera criar geleiras artificiais em suas montanhas. 

No entanto, "temos um entendimento muito baixo sobre o quanto de gelo está de fato armazenado nas geleiras", afirmou o principal autor do estudo, Romain Millan, pesquisador glaciólogo da Universidade de Grenoble Alpes. Análises anteriores, por exemplo, contaram duas vezes geleiras ao longo de regiões periféricas da Groenlândia e dos lençóis de gelo da Antártica, superestimando o volume de gelo. 

O estudo publicado na Nature Geoscience avaliou o quão rápido as geleiras estão se deslocando na paisagem, ou suas velocidades. Tais medidas permitem que cientistas meçam mais precisamente seus volumes, já que o fluxo de água de degelo indica onde o gelo está mais fino ou mais grosso. Mas a coleta de informação tem sido limitada pela tecnologia. 

Vídeos mostram derretimento de geleiras na AntárticaVídeos mostram derretimento de geleiras na Antártica

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O que muda na prática se Covid virar endemia?

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Alguns países europeus anunciaram que mudarão a forma como eles lidam com a doença provocada pelo coronavírus, com praticamente nenhuma das restrições adotadas nos últimos dois anos. Entenda o que muda na prática e se medidas do tipo fazem sentido no contexto atual.
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Por André Biernath, BBC

Postado em 08 de fevereiro de 2022 às 08h40m

Post.- N.\ 10.201

Menino de máscara em bicicleta passa em frente a grafite mostrando profissional de saúde injetando seringa de vacina em um coronavírus Sars-CoV-2 em Gaza, no dia 31 de dezembro. — Foto: Mohammed Abed / AFP
Menino de máscara em bicicleta passa em frente a grafite mostrando profissional de saúde injetando seringa de vacina em um coronavírus Sars-CoV-2 em Gaza, no dia 31 de dezembro. — Foto: Mohammed Abed / AFP

Ao longo das últimas semanas, países como Reino Unido, França, Espanha e Dinamarca decidiram que a Covid-19 não será mais encarada com uma pandemia e começará a ser tratada como uma endemia em seus territórios.

Com isso, a doença provocada pelo coronavírus deixará de ser vista como uma emergência de saúde e muitas das restrições — uso de máscaras, proibição de aglomerações e exigência do passaporte vacinal — cairão por terra.

Embora anúncios do tipo fossem esperados, eles causaram muita confusão: em alguns casos, a endemia foi interpretada como o fim da Covid — quando, na verdade, estamos muito longe disso (e é bem possível que essa doença nunca desapareça).

Mas, afinal, o que uma endemia significa na prática? Os países europeus acertaram na decisão? E será que o Brasil também vai chegar nessa mesma etapa logo mais?

Uma palavra, múltiplas interpretações

Para começo de conversa, vale esclarecer que uma endemia não é necessariamente uma boa notícia.

Ela apenas significa que há uma quantidade esperada de casos e mortes relacionadas a uma determinada doença, de acordo com um local e uma época do ano específicas. E esses números nem aumentam, nem diminuem.

A infecção pelo herpes simples, que provoca feridas na boca e na região genital, é uma endemia. Estima-se que pelo menos dois terços da população mundial com mais de 50 anos já tiveram contato com esse vírus. Apesar de incômodo, esse quadro não está relacionado a grandes complicações ou risco de óbito.

Por outro lado, outras doenças bem mais sérias e mortais, como tuberculose, Aids e malária, também são endêmicas. Só na malária, estima-se que cerca de 240 milhões de casos e 640 mil mortes aconteçam todos os anos, segundo as estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A questão, portanto, tem a ver com a estabilidade nas estatísticas relacionadas com aquela enfermidade. Quando esses números fogem do controle, a situação evolui para uma epidemia (se o problema for localizado numa região) ou para uma pandemia (caso a crise se alastre por vários continentes).

Num evento do Fórum Econômico Mundial realizado no final de janeiro, representantes de várias instituições discutiram todos esses conceitos e debateram quando a Covid-19 poderia ser realmente classificada como uma endemia.

Por que algumas pessoas não pegam Covid, mesmo tendo contato com infectados? Entenda
Por que algumas pessoas não pegam Covid, mesmo tendo contato com infectados? Entenda

Na visão do imunologista Anthony Fauci, líder da resposta à pandemia dos Estados Unidos, endemia significa "uma presença não disruptiva sem a possibilidade de eliminação [de uma doença]".

De acordo com a avaliação do especialista, o coronavírus não será extinto e passará, aos poucos, a afetar os seres humanos de forma similar a outros agentes causadores do resfriado comum.

Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergologia e Infecções dos EUA, em foto de 22 de dezembro de 2020 — Foto: Patrick Semansky/Pool/Reuters
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergologia e Infecções dos EUA, em foto de 22 de dezembro de 2020 — Foto: Patrick Semansky/Pool/Reuters

Na mesma ocasião, o médico Mike Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, também bateu nessa tecla. "Nós provavelmente nunca vamos eliminar esse vírus. Depois da pandemia, ele se tornará parte de nosso ecossistema. Mas é possível acabar com a emergência de saúde pública."

Ele também reforçou que endemia não é sinônimo de coisa boa. "Ela só significa que a doença ficará entre nós para sempre. O que precisamos é diminuir a incidência, aumentando o número de pessoas vacinadas, para que ninguém mais precise morrer [de Covid]", completou.

Michael Ryan, diretor-executivo do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS) — Foto: Christopher Black/OMS
Michael Ryan, diretor-executivo do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS) — Foto: Christopher Black/OMS

A hora e a vez da Covid?

De um lado, os cientistas se mostram reticentes em já encarar a Covid-19 como uma endemia, pela falta de parâmetros e de uma estabilidade nas notificações por um período mais prolongado.

"Isso ainda não foi bem estabelecido. Quais são os números de casos, hospitalizações e mortes pela doença aceitáveis, ou esperados, todos os anos?", questiona a epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo.

Por outro, é inegável que o avanço da vacinação e os recordes de novas infecções impulsionadas pela ômicron nos últimos dois meses garantiram um alto nível de proteção, especialmente contra as formas mais graves da doença.

Até o momento, 53% da população mundial já recebeu ao menos duas doses da vacina. E as projeções publicadas no periódico The Lancet pelo Instituto de Métricas em Saúde da Universidade de Washington, nos EUA, indicam que, dado o alto grau de transmissibilidade da nova variante, metade das pessoas do planeta terão sido infectadas entre novembro de 2021 e março de 2022.

"É muita gente com imunidade", avalia o infectologista Julio Croda, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Esse aprimoramento das defesas do organismo garante uma proteção contra as complicações da Covid, relacionadas à hospitalização e morte, ao menos por alguns meses.

"Graças à imunidade obtida pela vacinação e, em menor grau, pelo alto número de infecções, a doença se tornou menos letal", diz Croda, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

Testes de Covid: diferenças entre PCR, antígeno e autotesteTestes de Covid: diferenças entre PCR, antígeno e autoteste

A Covid chegou a ter uma taxa de letalidade de 1 a 2%. Atualmente, esse número está em 0,25%, segundo alguns registros nacionais e internacionais.

Croda explica que essa taxa de 0,25% ainda é o dobro do que ocorre na gripe (que fica em 0,1%). Mesmo assim, houve uma diminuição de praticamente dez vezes na mortalidade por covid que era observada há poucos meses.

E isso, mais uma vez, tem a ver com a imunidade adquirida ao longo desse tempo.

Os vírus e nosso sistema de defesa fazem um verdadeiro cabo de guerra. Quando surge uma doença infecciosa nova, a corda pende com mais frequência para o patógeno, já que nossas células imunes não fazem a menor ideia de como combater a ameaça.

Com o passar do tempo — e a disponibilidade de vacinas seguras e efetivas — o jogo começa a virar, e o sistema imunológico "aprende" a lidar com o inimigo. Nessa situação, mesmo que o agente infeccioso consiga invadir o organismo, suas consequências tendem a ser menos preocupantes.

É justamente isso que parece estar acontecendo com a Covid: dois anos e poucos meses depois dos primeiros casos, o número de indivíduos com algum nível de proteção é suficientemente alto para que não ocorra mais um aumento na demanda por leitos no mesmo patamar das outras ondas, em que o sistema de saúde chegou a entrar em colapso.

Resumindo, pelo observado até agora, a Covid ainda não pode ser comparada com a gripe e está longe de ser um resfriado comum, mas parece caminhar para chegar mais próximo disso algum dia no futuro. 
O que muda na prática?

Os países europeus que já classificam a Covid-19 como uma endemia em seus territórios acabaram (ou acabarão em breve) com a maioria das restrições que marcaram os últimos 24 meses.

De forma geral, não haverá mais necessidade de uso de máscaras em locais fechados, não será preciso mostrar o comprovante de vacinação e as aglomerações estarão completamente liberadas.

Num discurso recente no Parlamento do Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson disse que, "conforme a Covid se tornar endêmica, nós precisaremos substituir as requisições da lei pela orientação, de modo que as pessoas infectadas com o vírus sejam cuidadosas umas com as outras".

Maciel entende que alguns cuidados devem permanecer mesmo assim, ainda que a situação fique menos grave.

"O vírus vai continuar circulando. Mesmo que as medidas não sejam mais obrigatórias, é importante que todos tomem alguns cuidados quando necessário", orienta.

A epidemiologista avalia que é preciso empoderar e ensinar as pessoas, para que elas avaliem o risco de cada situação e tomem as medidas para proteger a si e a todos ao redor.

Um sujeito com sintomas de gripe ou Covid, por exemplo, deve trabalhar de casa, se possível, para não colocar em risco os demais colegas. E, caso tenha que sair, ele pode usar máscara para, assim, evitar a transmissão do vírus para os contatos próximos.

"É a mesma coisa que acontece com a infecção pelo HIV. Ter uma relação sexual sem preservativo te coloca numa situação de risco, mesmo que essa doença seja considerada hoje uma endemia", compara.

Que fique claro: o alívio nas políticas restritivas não significa que elas foram inúteis ou não deveriam ter sido adotadas no passado. É consenso entre os especialistas que todas essas medidas salvaram muitas vidas num momento em que não existiam outros meios para barrar a infecção e suas complicações.

Hoje em dia, possuímos ferramentas testadas e aprovadas — vacinas e remédios — para lidar com a Covid e torná-la menos ameaçadora para a grande maioria da população.

E, claro, caso surja uma nova variante agressiva e com capacidade de escapar da imunidade, será preciso instaurar novamente muitos desses cuidados preventivos que começam a ser abandonados em certas partes do mundo.

Além das questões relacionadas à prevenção, outra mudança significativa da endemia envolve a vigilância: a forma como os casos são detectados e notificados é bem diferente.

Durante os últimos dois anos, muitos países fizeram uma busca ativa de infectados, mesmo aqueles que nem apresentavam sintomas típicos da Covid. Foram montadas tendas de testagem em diversos locais e kits de diagnóstico eram distribuídos gratuitamente (ou vendidos por um preço baixo) para os cidadãos — no Brasil, foram poucas as cidades ou os estados que lançaram uma política nesses moldes.

Aqueles indivíduos que testavam positivo eram então monitorados e orientados a ficar em quarentena. Na sequência, as pessoas com quem eles tiveram contato próximo nos dias anteriores eram comunicadas a também buscar os exames.

Durante uma pandemia ou uma epidemia, essa estratégia permite cortar as cadeias de transmissão do vírus na comunidade e evita que a situação cresça e gere uma bola de neve, que desemboca em um aumento massivo de hospitalizações e mortes.

Com a endemia, todo esse amplo programa de testagem, isolamento e rastreamento de contatos deixa de fazer sentido.

"Passa-se então para um modelo de vigilância sentinela, em que não é necessário testar todo mundo que apresenta sintomas de infecção respiratória", explica Croda.

"Um sistema que concentre os testes nos hospitais ou nos ambulatórios de atenção primária é custo-efetivo e ajuda a identificar padrões no número de casos."

"Se a vigilância notar um novo crescimento em determinada região, é possível intervir cedo, antecipando campanhas de vacinação ou disponibilizando de mais testes para aquele local", completa o especialista.

Ainda nesse contexto endêmico, a ciência ainda não sabe ao certo como será o futuro da vacinação contra a Covid. Será que todos deverão tomar uma quarta dose? Ou haverá a necessidade de reforços anuais, a exemplo do que ocorre com a gripe?

"É possível que precisemos de vacinas adaptadas de acordo com o surgimento de novas variantes, para proteger principalmente os grupos mais vulneráveis, como idosos, pacientes imunossuprimidos e crianças", antevê Croda.

É cedo para decretar uma endemia?

As decisões tomadas por alguns países europeus geraram algumas controvérsias no meio acadêmico.

Num artigo publicado na revista especializada Nature, o pesquisador Aris Katzourakis, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, criticou o que ele considera um "otimismo preguiçoso".

"Como virologista evolutivo, fico frustrado quando gestores públicos invocam a palavra 'endemia' como uma desculpa para fazer pouco, ou não fazer nada. Existem mais coisas que podem ser feitas do que aprender a conviver com rotavírus, hepatite C ou sarampo endêmicos", escreveu.

Katzourakis também diz que é um erro pensar que a evolução dos vírus sempre os tornam mais "bonzinhos".

"Lembre-se que as variantes alfa e delta são mais virulentas que a versão original detectada em Wuhan, na China. E a segunda onda da pandemia de gripe espanhola em 1918 foi muito mais mortal que a primeira", argumenta.

"Pensar que a endemia é leve e inevitável não é apenas errado, mas perigoso: deixa a humanidade à mercê de muitos anos da doença, incluindo ondas imprevisíveis e novos surtos. É mais produtivo considerar o quão ruim as coisas podem ficar se continuarmos a dar ao vírus oportunidades de nos enganar. E daí então podemos fazer mais para garantir que isso não aconteça", finaliza.

Para Croda, só o tempo dirá se a decisão dos países europeus foi certa ou errada. "Isso depende muito de fatores que não controlamos. Nesse meio tempo, pode surgir uma nova variante extremamente contagiosa, com escape imunológico e maior risco de hospitalização e óbito", especula.

"É justamente para evitar que isso aconteça que precisamos ofertar vacinas para todos, especialmente para aqueles que ainda não tomaram nenhuma dose. Essa deveria ser a prioridade número um do mundo inteiro", acrescenta.

Maciel concorda. "Quando a transmissão está muito alta, tudo pode acontecer, inclusive o surgimento de novas variantes.", alerta.

"E o Brasil, além de seguir com a vacinação, precisa ampliar o acesso aos tratamentos contra a Covid, como os anticorpos monoclonais e os antivirais, que já são usados em outros países", complementa.

Onde o Brasil se encaixa nesse debate?

Por ora, ainda é muito cedo para falar de endemia no nosso país, explicam os especialistas. Estamos na crista da onda da ômicron, com recordes no número de casos e um aumento expressivo nas hospitalizações e nas mortes por Covid durante os últimos dias.

O Instituto de Métricas em Saúde da Universidade de Washington, nos EUA, projeta que o Brasil deve atingir o pico de óbitos relacionados a essa nova variante no meio de fevereiro. A partir daí, os números devem cair novamente e se estabilizar durante o mês de março.

Portanto, estamos alguns passos atrás do que é observado em outras partes do mundo, onde os números já estão se estabilizando.

Para garantir uma situação mais tranquila por aqui, também é preciso ampliar a cobertura vacinal com a terceira dose. No momento, 23% dos brasileiros tomaram o reforço, número muito aquém do ideal. Vários estudos já mostraram que essa aplicação do imunizante é essencial para proteger contra a ômicron e seus efeitos mais graves no organismo.

Croda entende que, com o passar do tempo, vários países devem seguir os passos dos europeus e começarão a encarar a Covid sob uma nova ótica.

"E a América do Sul pode até ter uma vantagem nisso, já que é o continente com a maior cobertura vacinal contra a Covid do mundo", compara.

"Assim que a onda da ômicron passar, podemos ficar numa condição muito melhor para diminuir as restrições", diz.

Para entender como os gestores públicos enxergam essa discussão e se já há algum planejamento para que o país entre nessa fase de transição, a BBC News Brasil entrou em contato com o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e com o Ministério da Saúde.

Por meio de uma nota de esclarecimentos, o Conass declarou que "o avanço da vacinação no Brasil, que hoje já alcança mais de 75% do público-alvo vacinado com as duas doses, é o primeiro passo para que o país caminhe para superar a pandemia da covid-19, porém, a introdução da variante ômicron mostrou a complexidade do enfrentamento do vírus e sua alta capacidade de mutações."

"A rápida transmissão desta variante criou uma nova pressão na rede assistencial e o aumento de óbitos. Não é possível considerar de caráter endêmico uma doença que traz esse peso na assistência e que tenha essa alta morbimortalidade. Superar a pandemia não quer dizer que não teremos mais casos e óbitos pela covid-19, mas não temos parâmetros ainda para saber o quanto de casos e óbitos serão considerados esperados e, dessa forma, tratados como endêmicos", continua o texto.

"As atenções e os esforços atuais devem estar voltados para garantir a ampliação e manutenção dos leitos clínicos e UTI covid, além da intensificação das campanhas de incentivo para que todos os brasileiros completem o esquema vacinal, incluindo a dose de reforço. Ainda não é o momento para baixar a guarda e decretar o controle da pandemia no Brasil", conclui o Conass.

O Ministério da Saúde não enviou resposta até a publicação desta reportagem.

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