Entre idas e vindas de programas de auxílio, crises institucionais,
tentativas de mudanças nas regras para as contas públicas e preços em
disparada, o otimismo com a recuperação pós-crise da pandemia deu lugar à
tensão – e a muitos desencontros entre o que se esperava quando o ano
começou, e o que de fato aconteceu.
Todos os anos, economistas dentro e fora do governo fazem estimativas
para o desempenho da economia brasileira. O objetivo é balizar a tomada
de decisões ao longo do ano, por isso elas vão sendo ajustadas conforme
surgem novos dados. É natural, portanto, que algumas previsões feitas em
janeiro se confirmem, enquanto muitas outras se mostrem tiros n’água. E
2021 não fugiu à regra.
Assim, quando 2021 começou, depois de um 2020 de crise, a expectativa de grande parte dos economistas era de um ano de crescimento tímido, com uma recuperação lenta
– uma vez que a pandemia já dava mostras de que se arrastaria ainda ao
longo de vários meses, prejudicando a retomada dos negócios.
Notícias ruins para os quase 14 milhões de brasileiros que viraram o
ano desempregados, e com baixas perspectivas de melhora. Com renda já
reduzida, as famílias também já viam a inflação crescente corroendo o poder de compra. Mas poucos imaginavam até onde ela chegaria, obrigando brasileiros a cortarem uma série de itens da cesta de compras.
Um pequeno alívio para as famílias mais pobres veio a partir de abril,
quando o Auxílio Emergencial voltou. Veio mais magro, no entanto, e para
bem menos pessoas. Mas veio. E em novembro, acabou de vez, deixando pelo menos 22 milhões sem qualquer tipo de ajuda.
No mesmo mês, e depois de 18 anos, também foi extinto o Bolsa Família,
substituído pelo Auxílio Brasil, que prometia pagar pelo menos R$ 400 a
cada beneficiário, e aumentar o número de famílias atendidas a 17
milhões. Criado às pressas e sem fonte de custeio, no entanto, o
programa chega ao fim do ano com as promessas descumpridas.
E se no bolso dos brasileiros o ano foi pior do que o esperado, no mercado financeiro não foi muito melhor, com o dólar disparado e a bolsa amargando perdas.
Parte considerável dessa piora pôde ser creditada diretamente na conta da crise institucional provocada pelo presidente Jair Bolsonaro:
em agosto, ameaças reiteradas às eleições e aos demais poderes elevaram
a percepção de risco dos investidores em relação ao país – e as
incertezas afugentaram investimentos, os dólares e o crescimento.
Com o ano se aproximando do final, a economia segue na corda bamba: as
contas públicas apresentaram melhora, o PIB deverá mostrar crescimento, e
os serviços apontam para recuperação. Mas o brasileiro, lá fora, segue desempregado, com fome e poucas perspectivas.
Veja
abaixo, em 10 gráficos, o que se esperava para a economia brasileira
este ano – e o que de fato aconteceu nos seguintes aspectos:
- Comércio
- Serviços
- Desemprego
- Dólar
- Inflação
- Selic
- Contas públicas
- Bovespa
- PIB
Comércio
As vendas do comércio chegam ao final de 2021 com alta, no quarto ano
seguido de crescimento – mas ainda sem recuperar as perdas de do ano
anterior.
O desempenho, no entanto, foi bastante irregular ao longo do ano,
prejudicado em parte pela falta de confiança na economia, em parte pela
falta de insumos, e em parte pela disparada da inflação, que corroeu o
poder de compra dos brasileiros e os resultados dos varejistas.
Se, ao final de 2020, a projeção era de uma alta de 3,9%, um ano depois
esse crescimento decepcionou: os últimos dados disponíveis, até outubro, mostravam alta de 2,6% em 12 meses.
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Retrospectiva comércio — Foto: Arte g1
Serviços
Depois de um tombo de 8% em 2020, marcando o quarto ano seguido de
perdas, a reabertura dos negócios prenunciavam um ano de retomada para
os serviços, responsáveis pela maior parte da economia brasileira.
Cautelosamente otimista, a CNC previa uma alta de 3,7% este ano.
E, pelo menos até o terceiro trimestre, o setor não decepcionou:
favorecidos pelo avanço da vacinação e maior mobilidade da população, os
serviços foram o principal destaque de recuperação da economia. Até setembro, o setor estava 3,7% acima do patamar pré-pandemia, acumulando alta de 6,8% em 12 meses.
A inflação persistente, o desemprego elevado e as dúvidas sobre a
situação fiscal do país, no entanto, mantêm a incerteza quanto ao
futuro. Para 2022, a tendência já se mostra de perda de força.
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Desempenho do setor de serviços em 2021 — Foto: Arte g1
Desemprego
A paralisação da economia atingiu em cheio o emprego em 2020. Com isso, 2021 começou com mais de 14 milhões de brasileiros na fila do desemprego, e perspectivas ruins – o FMI projetava que a taxa de desemprego, então em 14,2%, seguiria alta.
Ainda que lentamente, no entanto, essa taxa começou a ceder a partir de
maio, até chegar, em setembro, a 12,6%, com estimados 13,5 milhões de
desempregados.
Quem saiu dessa fila, no entanto, não encontrou um cenário fácil. Com
empregos de baixa qualidade, o rendimento médio do brasileiro caiu, acumulando perda de mais de 10% em um ano.
E quem conseguiu trabalho, em grande parte, não conseguiu exatamente um
emprego: dos 9,5 milhões de postos criados em um ano, 3,4 milhões foram
de trabalho por conta própria, atingindo um recorde histórico –
deixando claro que o mercado de trabalho vai demorar a se recuperar, e
mais ainda a recuperar a qualidade das vagas.
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Retrospectiva desemprego — Foto: Arte g1
Dólar
A alta do dólar já vinha assustando desde 2019, e bateu novos recordes
em 2020. Mas, em 2021, as expectativas eram de um cenário mais estável,
com a moeda recuando de volta ao patamar de R$ 5 ao final do ano.
Mas demorou pouco para ficar claro que seria difícil que esse cenário
se concretizasse. Em março, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que trocaria a presidência da Petrobras após sucessivas altas no preço da gasolina, criando tensão nos mercados.
Dúvidas quanto à aprovação da PEC Emergencial, que abriria espaço para a
nova rodada do Auxílio Emergencial elevaram essas tensões – e a
anulação das condenações do ex-presidente Lula, que voltou a ser
elegível, levaram a moeda para o patamar de R$ 5,80.
Ao longo dos meses seguintes, essa alta arrefeceu, e o dólar chegou –
brevemente – a operar abaixo dos R$ 5, graças ao diferencial de juros
entre o Brasil e os EUA.
Mas a escalada das tensões institucionais, e a expectativa de um ‘fim’
das políticas de estímulo dos EUA voltaram a pesar. E a estimativa,
agora, é que o dólar encerre o ano mais a R$ 5,56.
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Desempenho do dólar em 2021 — Foto: Arte g1
Inflação
2020 fechou com a inflação em 4,52%
– a maior taxa desde 2016, mas ainda dentro da meta do Banco Central. O
último boletim Focus daquele ano indicava um 2021 caminhando para um
arrefecimento da alta de preços, com o IPCA (a inflação oficial)
fechando o ano a 3,32%. Já para o IGP-M, chamado de 'inflação do
aluguel', a estimativa era de uma alta de 4,58% este ano.
Mas o que se viu foi uma inflação em disparada – mesmo com a população
sem comprar, o que pressionaria os preços. A alta generalizada foi
resultado de uma “tempestade perfeita”: uma combinação da alta do dólar, valorização global do petróleo, e seca, que levou a uma quebra de safras no campo e ao aumento dos preços de energia.
Em setembro, a inflação acumulada em 12 meses já alcançava a casa dos
dois dígitos, e a alta de preços batia recordes não vistos desde o Plano
Real.
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Gráfico IPCA em 2021 — Foto: Arte g1
O IGP-M, chamado de ‘inflação do aluguel’ por ser usado para calcular a
maioria dos reajustes de locações residenciais, obrigou inquilinos à
renegociação, depois de bater em espantosos quase 40% em meados do ano.
Mas o que mais chamou atenção ao longo do ano foram os preços dos
combustíveis, que dispararam – e a fome, que voltou a bater à porta dos
brasileiros, que viram a carne (e para muitos, todo o resto) sumir dos
pratos.
Com poucos sinais de alívio, o IPCA caminha para encerrar o ano a 10,18%, enquanto a inflação do aluguel deve chegar 17,47%.
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Retrospectiva IGP-M — Foto: Arte g1
Selic
Quando 2021 começou, a taxa básica de juros brasileira era de 2% – o
menor patamar da história. Com a recuperação da economia ainda a passos
lentos, fazia sentido que o dinheiro estivesse ‘barato’, para incentivar
investimentos e consumo.
Uma elevação ao longo do ano já era esperada, porque a inflação
começava a bater à porta com mais força. Mas, assim que a escalada da
Selic começou, em março, o Banco Central já surpreendeu, elevando a taxa acima do esperado.
A inflação, no entanto, não deu trégua – e, depois da primeira alta, vieram outras seis, levando a Selic a 9,25%, de volta ao maior patamar desde meados de 2017.
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Selic em 2022 — Foto: Arte g1
Contas públicas
Se em 2020 as contas públicas sofreram um rombo histórico de mais de R$ 700 bilhões,
as perspectivas para 2021 eram melhores – mas nem tanto. Já à espera de
um resultado ruim, a meta para o ano era de um déficit de US$ 250,89
bilhões.
A boa notícia é que, diferente do esperado, as contas públicas caminham para fechar o ano no azul
– em outubro, a parcial apontava para um superávit de US$ 49,6 bilhões.
A má notícia é que a inflação está por trás de boa parte desses ganhos
de arrecadação.
Nas contas do governo federal, uma inflação superior à taxa de juros
faz com que o resultado das contas seja beneficiado. Já para os estados,
a inflação faz aumentar principalmente a arrecadação do ICMS: mesmo com
o percentual de imposto permanecendo igual, ao subirem os preços, sobe o
valor arrecadado.
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Retrospectiva contas públicas — Foto: Arte g1
Bovespa
Em 2020, a bolsa brasileira foi do céu ao chão – e de volta, ou quase.
Com a expectativa de recuperação econômica a caminho, juros baixos e
dólares sobrando lá fora, o mercado esperava um ano de ganhos na bolsa
aqui dentro, com o Ibovespa chegando aos 130 mil pontos, ou mais, um uma
alta de cerca de 10%.
O mercado financeiro até ‘ignorou’ em parte a crise econômica, e chegou aos almejados 130 mil pontos em meados do ano. Mas, daí em diante, o sentido geral da bolsa foi mesmo para baixo.
Conforme as as sucessivas altas dos juros foram tornando a bolsa menos
atrativa, e os Estados Unidos indicavam o início do ‘enxugamento’ dos
dólares do mercado, o ímpeto dos investidores foi perdendo força, na
mesma medida em que o otimismo com o crescimento da economia também se
esvaía, e diversas empresas desistiam de abrir capital.
Ao se aproximar o final do ano, os ganhos parecem longínquos, e a
recuperação ficou para 2022: o Ibovespa roda, agora, abaixo dos 110 mil
pontos.
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Desempenho do Ibovespa em 2021 — Foto: Arte g1
PIB
O último boletim Focus (relatório produzido pelo Banco Central que
compila estimativas de analistas de bancos) de 2020 mostrava que a
economia brasileira deveria crescer 3,4% este ano, na maior alta desde
2011 – e recuperando parte do tombo de 4,1% sofrido no ano anterior, quando a atividade foi duramente afetada pela pandemia.
A recuperação já vinha desde o segundo semestre de 2020. E o primeiro
trimestre de 2021 não fugiu ao script, e até surpreendeu, com alta de 1,2% e o retorno do PIB ao patamar pré-pandemia.
Em meados do ano, as estimativas para o ano fechado já havia sido
revisadas para cima, e passavam dos 5%, acreditando que as regras mais
frouxas para controle da pandemia contribuiriam para a aceleração da
economia.
Mas a quebra de safras e uma falta global de insumos, além de alta das
matérias-primas, começou a pesar já no segundo trimestre. Aliada à piora
na confiança de grande parte dos setores, esse otimismo foi perdendo
força.
Os dados dos trimestres seguintes mostraram que a recuperação não seria assim tão fácil: com duas contrações seguidas, o Brasil entrou em recessão técnica, sob forte influência da agropecuária.
Ainda assim, o PIB deve chegar ao final do ano com desempenho melhor do que o esperado lá atrás: com uma alta de mais de 4,5%.
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Retrospectiva PIB — Foto: Arte g1
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