Praça dos desfiles agora atrai skatistas
Um tanque T-34 russo está estacionado sobre uma piscina de óleo diesel no pátio interno de um prédio cinza na Avenida Andrássy. O blindado lembra a invasão de 1956 da União Soviética em reação ao levante em que os budapestinos puseram os dirigentes comunistas húngaros para correr. O prédio, depois de ter sido sede das polícias secretas dos governos simpatizantes dos nazistas e comunistas, respectivamente, é a Casa do Terror, museu que lembra os efeitos os regimes totalitários que dominaram a Hungria durante boa parte do século passado.
Pelos seus quatro andares e subsolo, o acervo mostra do que houve de cruel ao apenas bizarro. A forca de execução de dissidentes continua no pavimento subterrâneo. Uma metralhadora Kalashnikov pendurada no alçapão do teto de uma sala de interrogatório indica o destino de muitos dos interrogados. Outra sala tem paredes cobertas por anúncios de produtos que eram um contraponto a artigos símbolos do capitalismo (a coca-cola comunista se chamava Bambi e é mostrada em um anúncio nada politicamente correto, com dois bonequinhos africanos carregando uma garrafa com o líquido marrom).
Impressiona, mas não deprime. A intenção é mais de instruir do que lamentar, pela maneira com que o museu usa vídeos e instalações artísticas, em vez de apenas manter preservado um cenário lúgubre. Não chega a ser tão pitoresco quanto o Memento Park, depósito de antigos monumentos comunistas. A mensagem do museu é "foi duro, mas passou".
Quem sai duvidando disso se convence da mensagem que toda a Budapeste parece transmitir, de que viver bem é a melhor vingança, logo ao sair do museu e ver os prédios neoclássicos da Andrássy. A via que liga o Centro à Praça dos Heróis tem grifes como Ermenegildo Zegna e Gucci. O Callas Bar & Cafe oferece no seu cardápio champanhe Veuve Cliquot para os frequentadores do Teatro de Opera de Budapeste, ao lado. E a Praça dos Heróis, onde terminavam os desfiles comunistas, atrai jovens skatistas e patinadores à noite. Perto, fica o Gundel, aberto no fim do século XIX, um dos mais tradicionais restaurantes da capital húngara. É um bom lugar para o goulash, a sopa inventada no país. E a panqueca gundel, sobremesa que é especialidade da casa e leva chocolate.
As marcas de que o passado acomodou-se ao presente são mais evidentes quando se vai rumo ao Danúbio, ainda em Peste, a área plana que o Império Austro-Húngaro uniu a Buda, a cidade montanhosa na outra margem. Perambulando, você encontra fachadas de prédios com buracos de balas disparadas na batalha que soviéticos e nazistas travaram por Budapeste em 1945. No entanto, mais chamativas são as lojas feitas para atender aos jovens estudantes e trabalhadores urbanos que passam: a Ecletik, com criações de novos designers; a Valeria Fazekas, com chapéus em formas arredondadas que exigem uma certa dose de coragem para serem usados; a Eventuell, com tecidos tingidos em uma técnica especial; e a Bon Bon Manufaktura, cuja matéria-prima é o chocolate belga, transformado em mais de 80 tipos de bombons e outros doces em Gyula, no interior da Hungria.
Diante do Danúbio, o prédio do Parlamento domina a paisagem, lembrando Westminster às margem do Tâmisa, em Londres. Seu interior tem os símbolos do reino medieval da Hungria - a cruz que orna o topo da coroa está um pouco inclinada, efeito das vezes em que ela teve de ser escondida de invasores do país - e é decorado com mármores multicoloridos nas colunas e estátuas dos reis e de trabalhadores típicos da cidade no século XIX, como pescadores e marceneiros.
A visita ao Parlamento é guiada, de meia em meia hora, e dura cerca de cinco minutos. Depois deste tour formal, faça um passeio menos rígido às margens do rio. Perto da Ponte Széchenyi, a primeira a ligar Buda e Peste, você pode alugar riquixás para este programa, se tiver preguiça de andar. Nos arredores da próxima ponte, a Elizabeth (ou Erszébet, em húngaro), há uma igreja ortodoxa que teve uma das torres destruída na Segunda Guerra. Assim como a ponte em si, detonada por soldados alemães. A igreja Belvarósi tem símbolos turcos na sua fachada, memória do tempo em que eles dominaram a cidade. Ela fica na Marcius Plaza, onde está previsto a construção de um museu subterrâneo para mostrar as ruínas romanas recentemente descobertas no seu subsolo - o Danúbio já foi um dos limites do Império Romano, quando a Hungria se chamava Panônia.
Ser ocupada por estrangeiros não é incomum na História da Hungria. Mas se há trauma, não dá para perceber nos cafés e bares no passeio público na margem do Danúbio, com mesas ao ar livre ocupadas por turistas vindos principalmente de Áustria e Alemanha, antigos países conquistadores, agora uniformizados com camisas leves e óculos escuros para aproveitar o sol. Afinal, Budapeste também tem muitas boas recordações que faz questão de manter - uma delas, o New York Cafe, reabriu em 2006 com o mesmo luxo de cem anos atrás que o fez ser um dos centros da vida boêmia de Budapeste e quase a segunda casa dos escritores que renovaram a literatura húngara.
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