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sexta-feira, 19 de maio de 2023

Com juros altos, IPOs 'somem' do radar das empresas — e não têm previsão de voltar

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No Brasil, nenhuma empresa chegou à bolsa em 2022 e 2023. Companhias perdem uma das formas de financiar investimentos e expansão, o que desemboca na ponta em menor atividade e redução da criação de empregos
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Por Raphael Martins, g1

Postado em 19 de maio de 2023 às 06h00m

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O último IPO de empresas brasileiras foi do Nubank, na Bolsa de Valores de Nova York. Desde então, ações caíram mais de 40%. — Foto: Reprodução/Youtube Nubank
O último IPO de empresas brasileiras foi do Nubank, na Bolsa de Valores de Nova York. Desde então, ações caíram mais de 40%. — Foto: Reprodução/Youtube Nubank

Mais um dos efeitos da alta recente de juros no Brasil foi o sumiço das ofertas públicas de ações, os IPOs. Depois de um recorde em 2021, com 45 ofertas, o país fechou o ano seguinte com nenhuma empresa se lançando à bolsa. E, neste ano, a tendência não é de melhora.

Até maio, nenhuma companhia brasileira decidiu listar suas ações, e muitas das que pretendiam se lançar não têm previsão de retomar os planos.

O assunto não interessa apenas ao mercado financeiro: é uma mostra de como um recurso importante para que empresas captem dinheiro e possam investir em planos de expansão se esgotou por condições ruins de mercado.

Um relatório da consultoria EY, antecipado ao g1, mostra que o mercado global de IPOs encolheu em 61% no volume financeiro movimentado neste primeiro trimestre de 2023, chegando a US$ 21 bilhões. Foram 299 IPOs no mundo todo, também uma queda de 8% em relação ao mesmo período do ano passado.

Quem encabeça a lista, porém, não poderia estar mais longe daqui: a região da Ásia-Pacífico foi responsável por 59% dos negócios globais de IPOs. Na região das Américas, da qual o Brasil faz parte, foram 40 negócios e US$ 2,6 bilhões em receitas, sendo 31 nas bolsas dos Estados Unidos.

Em suma, são menos empresas dispostas a investir, criar empregos e agitar os negócios.

Para Rafael Santos, sócio e especialista em IPO da EY Brasil, há uma mistura entre fatores internos e externos que paralisaram o mercado, e são questões que demoraram mais que o previsto para se resolver.

  • Uma questão é a inflação persistente, que impede os bancos centrais de diminuírem o patamar de juros;
  • Para o Brasil, houve ainda os adicionais de incerteza com as eleições presidenciais de 2022;
  • e há as questões de arrumação das contas públicas e reforma tributária, que ainda estão no radar de investidores.

Por mais que tenhamos um aumento expressivo de investidores pessoas físicas, um IPO no Brasil chega a ter 50% das operações vindas de investidor internacional. Então, a conjuntura precisa se arrumar aqui e lá fora, diz Santos.

Com a janela para novos lançamentos fechada, o especialista prevê uma nova boa fase para o mercado de capitais assim que houver uma arrumação dos aspectos macroeconômicos. Mas os desafios da saída da pandemia, com intensidade acima da média, ainda devem levar algum tempo para desatar os nós do mercado.

Temos empresas preparadas, mas o momento é de arrumar a casa. Empresas maiores ainda conseguem acessar dívida, mesmo que esteja mais cara. Mas empresas médias têm recorrido aos fundos de investimento, afirma.

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Em compasso de espera

Ao longo da semana, o g1 procurou empresas que desistiram de seus IPOs nos últimos anos, mas parte delas preferiu não comentar as estratégias. A Wine decidiu falar, e representa bem o sentimento geral do mercado.

Em meados de 2020, a empresa passou a se aproveitar de um momento de arranque histórico do mercado de vinhos no Brasil. As vendas da bebida explodiram nos anos iniciais da pandemia, quando o vinho ganhou destaque para os momentos de lazer em casa após o fechamento de bares e restaurantes.

Ao buscar as alternativas para levantar capital e expandir a empresa, um IPO chegou à mesa como possibilidade. A ideia inicial era se lançar à bolsa no fim de 2020, mas as eleições norte-americanas tumultuaram o mercado e trouxeram alguma insegurança aos sócios.

A saída foi manter a empresa com capital aberto, suspender o IPO e captar dinheiro por meio de debêntures. Foi assim que a empresa financiou a compra da importadora Cantu, investiu no lançamento de lojas físicas, ampliou o grupo de assinantes e partiu para o México como primeira expansão internacional.

Marcelo D'Arienzo, CEO da Wine — Foto: Celso Doni/Wine
Marcelo D'Arienzo, CEO da Wine — Foto: Celso Doni/Wine

Como a documentação está pronta, a Wine só espera um bom momento para listar na bolsa. Mas não deve ser logo.

"Não vejo janela clara para esse ano. Somos uma empresa média, imagino que as operações retornem com IPOs maiores. Quando esse extrato estiver organizado de novo, podemos voltar as discussões sobre o nosso", diz Marcelo D'Arienzo, CEO da Wine.

Com os olhos já em 2024, o executivo diz que espera alguma arrumação do mercado brasileiro, também citando medidas como a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Mas, sobretudo, aguarda uma melhora do ambiente externo, com redução do patamar de juros nos Estados Unidos, para que o mercado de capitais destrave por lá também.

"Não sou pessimista com essa organização dos fatos. É só saber a velocidade em que isso tudo vai acontecer", afirma D'Arienzo.

Experiência para o investidor

A outra face do IPO, o investidor, enfrenta um paradigma ao decidir se coloca seu dinheiro na abertura de mercado de uma empresa.

Ao mesmo tempo que o IPO pode ser uma oportunidade de pegar uma empresa em ascensão, também pode ser um momento de readequação dos negócios ou de valor de mercado elevado para retorno dos sócios e fundos de investimento.

A experiência de entrar em um IPO tem sido negativa no Brasil. Um levantamento de Einar Rivero, da TradeMap, mostra que apenas 15 IPOs tiveram retorno positivo ao acionista entre os mais de 70 realizados de 2020 para cá.

O último deles, que gerou barulho no mercado, foi do banco digital Nubank. Do fim de 2021 para cá, a ação da empresa teve queda de 40%.

Segundo Raphael Castilho, sócio do escritório de gestão de investimentos Ártica, os resultados de IPOs precisam ser analisados caso a caso, mas a linha condutora para um desempenho geral tão ruim é a condição dura da economia na recuperação da pandemia de Covid-19.

Voltam-se os olhos para a questão de juros altos e inflação persistente. Mas, segundo ele, não se pode desconsiderar alguns casos de empresas que não fizeram a preparação adequada para a abertura de mercado ou, então, para negócios que foram especialmente impactados pelas condições econômicas.

Esse último fator é o caso de empresas de tecnologia, que sofrem mais com as projeções de crescimento quando os juros sobem.

Os IPOs, em geral, acontecem em épocas de mercado aquecido, bolsa subindo, não é coincidência. Mas as empresas são cíclicas: é também nesses momentos que elas entregam os melhores resultados, diz Castilho.

O investidor não pode esquecer que o empresário quer vender parte da sua empresa em um preço atrativo para ele. É preciso calibrar o filtro para pegar uma oportunidade de fato, afirma.

Rodrigo Sgavioli, chefe de alocação e fundos da XP, adiciona ainda que, em geral, IPOs são acompanhados por um furor de mercado. O ruído na análise pode separar um bom de um mau investimento.

Prefiro não acertar o timing. É melhor entrar em ações que despencaram e que estejam voltando a subir com fundamentos e perspectiva sustentável do que cair no oba-oba do momento, diz Sgavioli.

O gestor lembra ainda que uma empresa que esteja no mercado secundário — isto é, que já tem suas ações negociadas em bolsa e os investidores apenas comercializam os papéis — são obrigadas a prestar contas por mais tempo, o que forma um histórico para análise.

Não digo que nunca se deve entrar em um IPO, mas ele serve para quem tem horizontes muito grandes de investimento e isso é uma minoria do público do varejo, afirma.

Não dá para ser leviano com a capacidade financeira e emocional do investidor comum para aguentar o período longo de desenvolvimento da empresa, diz ele.
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